Relatórios inéditos de Pasadena!

Estranhamente, nos últimos dias, a mídia esqueceu a refinaria de Pasadena. Só há notícias periféricas, políticas, sobre a refinaria. Nada sobre o negócio em si. Quer dizer, a Folha até mandou uma repórter à Pasadena, Texas. Ela publicou uma matéria no site do jornal, mas logo a escondeu, e não a trouxe para a edição impressa (eu não a encontrei, pelo menos). Provavelmente o fato da repórter ter descoberto que Pasadena está operando com boas margens de lucro tenha constrangido uma imprensa que tenta pintar o negócio como um desastre financeiro e, em última instância, político-eleitoral.

A nossa imprensa agora só quer saber de ditadura.

Legal que tenham feito esses cadernos especiais de 50 anos de golpe, embora eu, pessoalmente, não confie em nada que nossa imprensa publique sobre a ditadura. Não vejo nela nenhuma honestidade nesse sentido, ainda mais depois do show de farisaísmo histórico que assistimos nos últimos dias, com todos esses artigos e editoriais oleosos e malandros procurando justificar o golpe de Estado.

O Cafezinho também gostaria de elaborar cadernos especiais sobre a ditadura. Só que, no momento, eu estou interessado em coisas mais atuais, como a CPI da Petrobrás e a refinaria de Pasadena. A ditadura pode esperar um pouco.

Uma coisa que eu percebo é que a imprensa tem a proeza de enganar os próprios jornalistas. Por exemplo, Carlos Heitor Cony escreveu o seguinte, há poucos dias:

Com todo o respeito a Cony, isso não é verdade. A Petrobrás comprou os primeiros 50% por um preço inclusive abaixo da média do mercado. Os últimos 50% é que ficaram mais caros por causa dos custos processuais e, sobretudo, por causa das garantias bancárias, as quais, porém, deixam o imenso mercado creditício americano aberto e disponível à refinaria.

Por aí se vê que o centro do escândalo é o preço pago pela Astra pela refinaria de Pasadena: US$ 42,5 milhões. Esse valor está viciado, como eu já disse mil vezes, porque não embute o passivo da companhia, nem os estoques.

Imagine que o restaurante da sua esquina está a venda por 1 milhão de reais. Você está interessado em comprar e então vai lá e confere as condições do estabelecimento e pede a um consultor para dar sua opinião. Você, o consultor e todos concordam que o preço é bom, até mesmo ligeiramente abaixo do preço de mercado. Então você compra.

Anos depois, você descobre que o antigo proprietário havia pago somente R$ 10 mil pelo mesmo restaurante. É um escândalo? Claro que não. O preço que você pagou foi o certo. O preço que o ex-proprietário pagou certamente está ligado à condição específica daquele negócio. É isso o que aconteceu em Pasadena. Pode ter havido um “por fora”. Pode ter havido integração de dívida. Não interessa. Quer dizer, agora interessa, porque estão manipulando essa informação com objetivo político-eleitoral.

Para vocês terem uma ideia do prejuízo político causado pela desinformação, o mesmo Cony insinua, maliciosmente, que é possível um impeachment da presidente Dilma por causa de Pasadena. Ora, essa. Quando a maior plataforma do mundo, pertencente à Petrobrás, afundou durante o governo FHC, ninguém veio falar em impeachment, nem mesmo o PT. É muito leviandade de Cony!

Há uma perigosa armadilha montada aqui.  Primeiro eles envenenam a informação, depois é só faturar em cima de qualquer mínima irregularidade relacionada ao negócio. O Globo, por exemplo, deu enorme destaque ao fato de autoridades do Texas estarem cobrando da refinaria US$ 6 milhões em impostos atrasados. Não é uma dívida certa. É uma polêmica judicial envolvendo o governo do Texas e a refinaria. Ou seja, é o tipo de problema que deve existir para toda e qualquer refinaria ou mesmo para qualquer empresa do mundo. O Itaú, por exemplo, briga para não pagar uma dívida tributária de R$ 16 bilhões, que ele contesta judicialmente.

Imaginem, por exemplo, que se descubra que um diretor comercial de Pasadena estava alterando em 0,01% o preço de um determinado produto, em troca de propina paga por um cliente. É um problema que não tem nada a ver com a compra em si da refinaria, mas a informação estará tão envenenada, que ninguém irá notar esse detalhe.

O governo e o PT repetem, por sua vez, a estratégia adotada no mensalão: entregar cabeças, muitas vezes as melhores, aos inimigos.  Se continuarem agindo assim, não vai sobrar mais ninguém no partido para governar o país e comandar estatais. O sonho da imprensa se realizará: um país comandado por técnicos medrosos, mais preocupados com sua própria reputação nos jornais do que com a segurança da nossa democracia.

Enfim, toda essa introdução foi para dizer que tivemos acesso a mais relatórios da Crown Central Petroleum, que era a proprietária da refinaria de Pasadena antes desta ser adquirida pela Astra.  Esses relatórios são fundamentais para entendermos o valor da refinaria, tanto em termos de mercado quanto estratégicos. E todos os dados apontam a inconsistência do valor de US$ 42,5 milhões pagos pela Astra.

Algumas informações eu já adiantei em outro post, mas agora as fontes são oficiais: são relatórios da própria Crown a seus acionistas e às autoridades financeiras. A Crown era uma companhia aberta, com papéis negociados na bolsa, e portanto seus dados eram públicos.

A mina de ouro onde eu encontrei os relatórios está no site da “Securities Information from the US SEC EDGAR”, que (se é que entendi direito) é uma agência do governo federal dos EUA que monitora informações de empresas listadas nas bolsas.

Os relatórios mais atualizados são do ano 2000. Está tudo lá. Faturamento da refinaria de Pasadena, valor de mercado, endividamento, perspectivas para até 2009.

Antes de analisar alguns dados desses relatórios, permitam-me revelar outra descoberta. Sabe o Adriano Pires, o queridinho da mídia no tema petróleo? Pois ele mesmo, em seu blog no Globo, escreveu em 2006 um texto entusiasmado em favor da decisão da Petrobrás de adquirir a refinaria de Pasadena.

A estratégia de comprar refinarias fora do Brasil é a mais adequada para a Petrobras. Pois ao invés de exportar petróleo bruto, a empresa passará a produzir derivados no exterior com o seu petróleo, agregando maior valor e aumentando as receitas em moeda forte. Nesse sentido, a compra de metade da refinaria de Pasadena nos Estados Unidos foi um excelente investimento, pois além de todos os benefícios citados, essa refinaria está localizada no maior mercado consumidor mundial.

Pronto, vamos aos relatórios. Como são muitos documentos, vou dando o link das informações conforme eu as divulgo.

No ano 2000, a média da produção da refinaria de Pasadena era estimada em 93 mil barris por dia, bem próximo de sua capacidade máxima, de 100 mil barris. A refinaria de Pasadena se estende por uma área de 704 mil metros quadrados (174 acres), e por ter sido a primeira refinaria construída no Canal de Houston, ocupa um lugar geograficamente privilegiado.

Os relatórios confirmam o que eu já tinha visto em outras fontes: Pasadena é um pilar (embora de tamanho médio) importante da infra-estrutura energética dos Estados Unidos. A refinaria tem acesso a uma complexa e ampla rede de oleodutos, que a integra aos terminais marítimos da baía de Houston.

Tanto o petróleo usado na refinaria como matéria-prima, como a gasolina já refinada produzida por ela, são transportados por pipelines, ou oleodutos. A empresa opera com oito terminais localizados ao longo de duas grandes redes de oleodutos instalados nos EUA, o Colonial Pipeline e o Plantation Pipeline, que servem o sul e o leste dos EUA, terminando em Nova York e Washington DC.

Ou seja, Pasadena tem um valor estratégico. Não exagerei quando afirmei, em outro post, que ela tem posição privilegiada junto aos principais corredores petrolíferos do país mais rico e que mais consome gasolina do mundo.

Além das instalações da refinaria, Pasadena possui ainda uma área para estocagem de 526.091 metros quadrados (130 acres), com capacidade para estocar 6,2 milhões de barris (2,8 milhões de barris para óleo cru e 3,4 milhões em derivados, refinados e intermediários).

Os relatórios da companhia informam que, nos últimos cinco anos (estamos em 2000), foram investidos aproximadamente US$ 25 milhões em modernização de maquinários.

Num dos relatórios (sempre datados do ano 2000, não esqueçam), consta uma apresentação feita pelos diretores, com perspectivas de faturamento e valor da refinaria até o ano de 2009. No ano 2000, a empresa estimava que, num cenário pessimista, a refinaria poderia valer US$ 64 milhões, num mais realista, US$ 103,6 milhões e, sendo otimista, até US$ 169,4 milhões. Esses valores, contudo, não embutem os estoques nem as dívidas. Esse não é um valor de venda, que pode ser muito mais, a depender das condições do negócio. Também não embute nenhum valor estratégico. É apenas o valor do terreno e das instalações. Repare que a dívida da Crown estava em US$ 130 milhões no ano 2000.

A Crown Central Petroleum, proprietária da refinaria de Pasadena, tinha outra refinaria, em Tyler, e algumas dezenas de postos de gasolina. Mas Pasadena era, de longe, o ativo mais importante do grupo, e o mais lucrativo. O problema de Pasadena era que essa rentabilidade era instável em demasia, refletindo a volatilidade das cotações do petróleo, exigindo de sua proprietária um colchão financeiro talvez grande demais para o tamanho da Crown.

O faturamento líquido de Pasadena no ano 2000 foi de US$ 32 milhões, e a empresa tinha cenários projetados até o final da década. Para 2009, o faturamento foi estimado em US$ 63,43 milhões. Para o ano em que a refinaria seria vendida para a Astra, 2005, projeta-se um faturamento de US$ 37 milhões.

 

Vou parar por aqui porque esses dados já me parecem suficientes para termos uma ideia da importância de Pasadena. Á guisa de conclusão, só gostaria de acrescentar que me encontro numa posição curiosa. Estou defendendo Pasadena agora não apenas da manipulação eleitoreira da grande mídia, que é caninamente alinhada aos interesses do PSDB; também a defendo da incompetência política do governo e da presidência da Petrobrás , que parecem não terem percebido o valor estratégico da refinaria que o próprio governo quis comprar, aconselhado por consultoras internacionais e após aprovação unânime do Conselho de Administração da estatal.

O fato de estarmos construindo grandes refinarias no Brasil confere ainda mais valor à Pasadena, porque poderemos realizar trocas tecnológicas e de recursos humanos entre ela e unidades brasileiras.

Sob controle da Petrobrás, Pasadena ganha uma segurança que jamais teve. A própria Dilma pode ligar para o presidente dos EUA ou para o governador do Texas e resolver alguma pendência.

O que mais me preocupa nem é a CPI da Petrobrás e sim se o governo terá coragem e inteligência para entender o valor de Pasadena como um ativo de valor político, diplomático, econômico, comercial. Em suma, estratégico. Durante séculos, o Tio Sam dominou o mercado de petróleo no Brasil. Nos anos 60, dependíamos de navios petroleiros que nos abasteciam a cada quinze dias. Era uma dependência humilhante de refinarias norte-americanas, como a de Pasadena. Isso ajuda a explicar o golpe de 64: nossa dependência econômica era também uma dependência política.

Conforme a Petrobrás foi descobrindo mais petróleo, fomos reduzindo nossa dependência. Com as recentes descobertas da Petrobrás, e agora o pré-sal, tornamo-nos soberanos em petróleo e caminhamos para sermos exportadores. Invertemos o jogo. E agora estamos comprando refinarias nos EUA! Pasadena, nesse sentido, reflete a vitória da democracia contra o golpe de 64.

É isso que dói nos vira-latas! Ver o Brasil ganhando força até mesmo no coração do império! Não espanta que o mesmo Globo, que fez de tudo para impedir a criação da Petrobrás, inclusive manipulando o relatório do Mr.Link, engenheiro americano que veio ao Brasil pesquisar se tínhamos petróleo, agora faça tudo para detonar a refinaria de Pasadena. O Brasil não pode e não deve ousar, parecem dizer.

A oposição ficou histérica quando se divulgou que o governo federal está investindo num porto em Cuba. E agora fica igualmente neurastênica quando descobre que investimos também nos EUA. Se todos entendem que é importante para o Brasil estender seus tentáculos para outros países, onde quer que a gente invista? Na Ucrânia?

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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