O trensalão envolve dois escândalos que se encaram como um jogo de espelhos. Um é a corrupção propriamente dita de servidores e políticos tucanos. Outro é a operação abafa protoganizada pelos procuradores federais e até mesmo pela Procuradoria-Geral da República.
Será possível que o Brasil vai engolir a história do De Grandis, de que botou o processo “numa gaveta errada”?
Será que a luta por mais ética na política não envolverá também uns beliscões para valer nos órgãos de controle, sobretudo no Ministério Público?
Será que os movimentos contra a corrução não percebem que a culpa da corrupção no setor público deve ser jogada, com muito peso, nas costas do Ministério Público, pois ele é o responsável pela apuração de todas as mazelas administrativas e detêm uma enorme estrutura para tal?
Toda a fúria que a PGR mostrou na Ação Penal 470, partindo inclusive para o jogo sujo de manipular provas e acusar inocentes, transformou-se em amor quando houve a oportunidade de pegar os acusados do trensalão tucano.
Detalhe: o trensalão envolveu valores muitas vezes maiores que o mensalão e movimentou apenas dinheiro público.
Por exemplo, a imprensa divulga hoje que um executivo ligado à cúpula da Alstom francesa, Michel Cabane, acusou diretamente Robson Marinho de ter recebido propina. Esse depoimento foi enviado ao Ministério Público Federal em maio de 2010. Nada foi feito até então, e Marinho continua ocupando o poderoso cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, onde sempre atua como cão de guarda do PSDB.
Robson Marinho foi chefe da Casa Civil no governo Mario Covas, entre 1995 e 1997. Ou seja, era o Dirceu de Covas, o seu braço direito.
Não há um editorial, um infográfico, um colunista indignado, ninguém monta campana na porta da casa de Robson Marinho, ninguém quer saber a opinião da cúpula do partido. Os jornais não mandam um mísero repórter à Suíça.
Em post de ontem, no qual reproduzi uma postagem no blog de Fausto Macedo,do Estadão, acho que faltou uma informação sobre a conta na Suíça aberta por Robson Marinho. Essa informação está na Folha de hoje: ela foi aberta em 13 de maio de 1998, menos de um mês após a assinatura do contrato do Eletropaulo e da EPTE com a Alstom que teria originado o pagamento de propina. Lembrando: essa conta recebeu US$ 1,1 milhão, ou R$ 2,6 milhões em valores atualizados e convertidos. Eu acrescentaria que essa é uma das propinas, pagas no exterior. Quanto às propinas pagas em território nacional, em dinheiro vivo ou não, será mais difícil descobrir.
Na matéria da Folha, há informaação de que a Alstom pagou R$ 23,3 milhões de suborno para conseguir um contrato de R$ 181,3 milhões, em valores atualizados, segundo acusação do Ministério Púlbico. Esses pagamentos foram feitos de 1998 a 2003, quando o estado era governado por Mario Covas e Geraldo Alckmin, do PSDB.
Vale recordar que André Botto, ex-diretor comercial da Alstom na França já havia declarado à justiça francesa que a Alstom pagou uma propina equivalente a 15% do valor do contrato com a Eletropaulo. “Tivemos que pagar comissões elevadas, da ordem de 15%”, disse Botto.
Abaixo, trecho de matéria publicada no Globo Online de hoje.
Executivo ligado à Alstom diz que pagou propina a conselheiro do TCE-SP
Declaração foi dada em depoimento às autoridades suíças. Ministério Público recebeu documento
11/03/14 – 9h46, no Globo
SÃO PAULO – Michel Cabane, um executivo ligado à cúpula da Alstom, afirmou, em depoimento a autoridades suíças, que o conselheiro do Tribunal de Contas de São Paulo (TCE-SP) Robson Marinho foi beneficiário de propina. Marinho também foi chefe da Casal Civil do governo Mário Covas (PSDB) entre 1995 e 1997. O depoimento foi enviado ao Ministério Público Federal brasileiro em maio de 2010 como parte do acordo internacional de cooperação para investigar irregularidades nos contratos da Alstom.
Cabane era diretor da Cogelec, subsidiária da Alstom e da Cegelec. A Cogelec produzia os equipamentos que foram vendidos para a Empresa Paulista de Transmissão de Energia (EPTE) por meio de um aditivo contratual firmado em 1998. O Ministério Público Federal diz que houve pagamento de R$ 23 milhões em propina para a assinatura desse aditivo.
Por ser conselheiro do TCE-SP, ele tem foro privilegiado. Marinho é suspeito de ter dado parecer favorável a um aditivo contratual firmado em 1998 pela Alstom com as empresas EPTE e Eletropaulo, estatais paulistas de energia. A Justiça Federal processa 11 pessoas por corrupção ativa e lavagem de dinheiro por causa deste aditivo.
Em depoimento aos procuradores da Suíça, Cabane afirmou: “Na ocasião de conversas informais com o senhor (Jonio) Foigel (ex-presidente da Cegelec) e com o senhor (André) Botto (ex-diretor comercial da Alstom na França) compreendi que se tratava de uma pessoa, de certo senhor Robson Marinho. Ele era membro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Essa é a última instância que fiscaliza as companhias estaduais assim como o estabelecimento das contas.”
Foigel está entre os 11 processados criminalmente na Justiça Federal por suspeita de comandar um esquema de propina para a venda de equipamentos para a EPTE.
(…)
O inquérito que investiga Marinho está desde 28 outubro de 2010 na Procuradoria Geral da República.