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Golpe na Venezuela, e coxinhas queimando foto do Pelé…

Um novo golpe de Estado está sendo gestado na Venezuela, com ajuda de redes sociais compradas pelos suspeitos de sempre. Ao invés de ganhar no voto, querem ganhar no golpe. A direita e a mídia brasilerias, como sempre, estão alinhadas aos que pretendem ganhar no grito e na truculência. Os coxinhas também. Ao invés de […]

4 comentários
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Hildegard

Um novo golpe de Estado está sendo gestado na Venezuela, com ajuda de redes sociais compradas pelos suspeitos de sempre. Ao invés de ganhar no voto, querem ganhar no golpe. A direita e a mídia brasilerias, como sempre, estão alinhadas aos que pretendem ganhar no grito e na truculência. Os coxinhas também.

Ao invés de protestaram contra o golpe num país amigo, o que poderá se refletir profundamente sobre a política e a economia brasileiras (a Venezuela se tornou uma das maiores parceiras comerciais do Brasil; o golpe visa travar essa parceria, e fazer a Venezuela dar lucro apenas para os EUA), os coxinhas preferem queimar a foto do… Pelé.

Nesse momento grave, vale a pena ler a reflexão de Hildegard Angel, cuja vida foi marcada profundamente pela violência do golpe no Brasil.

*

NESTE MOMENTO EM QUE UM GOLPE RONDA UM PAÍS VIZINHO, É MEU DEVER DIZER AOS JOVENS O QUE É UM GOLPE DE ESTADO

Por Hildegard Angel, em seu blog.
Publicado em 20/02/2014

Neste momento extremamente grave em que vemos um golpe militar caminhar célere rumo a um país vizinho, com o noticiário chegando a nós de modo distorcido, utilizando-se de imagens fictícias, exibindo fotos de procissões religiosas em Caracas como se fosse do povo venezuelano revoltoso nas ruas; mostrando vídeos antigos como se atuais fossem; e quando, pelo próprio visual próspero e “coxinha” dos manifestantes, podemos bem avaliar os interesses de sua sofreguidão, que os impedem de respeitar os valores democráticos e esperar nova eleição para mudar o governo que os desagrada, vejo como meu dever abrir a boca e falar.

Dizer a vocês, jovens de 20, 30, 40 anos de meu Brasil, o que é de fato uma ditadura.

Se a Ditadura Militar tivesse sido contada na escola, como são a Inconfidência Mineira e outros episódios pontuais de usurpação da liberdade em nosso país, eu não estaria me vendo hoje obrigada a passar sal em minhas tão raladas feridas, que jamais pararam de sangrar.

Fazer as feridas sangrarem é obrigação de cada um dos que sofreram naquele período e ainda têm voz para falar.

Alguns já se calaram para sempre. Outros, agora se calam por vontade própria. Terceiros, por cansaço. Muitos, por desânimo. O coração tem razões…

Eu falo e eu choro e eu me sinto um bagaço. Talvez porque a minha consciência do sofrimento tenha pegado meio no tranco, como se eu vivesse durante um certo tempo assim catatônica, sem prestar atenção, caminhando como cabra cega num cenário de terror e desolação, apalpando o ar, me guiando pela brisa. E quando, finalmente, caiu-me a venda, só vi o vazio de minha própria cegueira.

Meu irmão, meu irmão, onde estás? Sequer o corpo jamais tivemos.

Outro dia, jantei com um casal de leais companheiros dele. Bronzeados, risonhos, felizes. Quando falei do sofrimento que passávamos em casa, na expectativa de saber se Tuti estaria morto ou vivo, se havia corpo ou não, ouvi: “Ah, mas se soubessem como éramos felizes… Dormíamos de mãos dadas e com o revólver ao lado, e éramos completamente felizes”. E se olharam, um ao outro, completamente felizes.

Ah, meu deus, e como nós, as famílias dos que morreram, éramos e somos completamente infelizes!

A ditadura militar aboletou-se no Brasil, assentada sobre um colchão de mentiras ardilosamente costuradas para iludir a boa fé de uma classe média desinformada, aterrorizada por perversa lavagem cerebral da mídia, que antevia uma “invasão vermelha”, quando o que, de fato, hoje se sabe, navegava célere em nossa direção, era uma frota americana.

Deu-se o golpe! Os jovens universitários liberais e de esquerda não precisavam de motivação mais convincente para reagir. Como armas, tinham sua ideologia, os argumentos, os livros. Foram afugentados do mundo acadêmico, proibidos de estudar, de frequentar as escolas, o saber entrou para o índex nacional engendrado pela prepotência.

As pessoas tinham as casas invadidas, gavetas reviradas, papéis e livros confiscados. Pessoas eram levadas na calada da noite ou sob o sol brilhante, aos olhos da vizinhança, sem explicações nem motivo, bastava uma denúncia, sabe-se lá por que razão ou partindo de quem, muitas para nunca mais serem vistas ou sabidas. Ou mesmo eram mortas à luz do dia. Ra-ta-ta-ta-tá e pronto.

E todos se calavam. A grande escuridão do Brasil. Assim são as ditaduras. Hoje ouvimos falar dos horrores praticados na Coreia do Norte. Aqui não foi muito diferente. O medo era igual. O obscurantismo igual. As torturas iguais. A hipocrisia idêntica. A aceitação da sobrevivência. Ame-me ou deixe-me. O dedurismo. Tudo igual. Em número menor de indivíduos massacrados, mas a mesma consistência de terror, a mesma impotência.

Falam na corrupção dos dias de hoje. Esquecem-se de falar nas de ontem. Quando cochichavam sobre “as malas do Golbery” ou “as comissões das turbinas”, “as compras de armamento”. Falavam, falavam, mas nada se apurava, nada se publicava, nada se confirmava, pois não havia CPI, não havia um Congresso de verdade, uma imprensa de verdade, uma Justiça de verdade, um país de verdade.

E qualquer empresa, grande, média ou mínima, para conseguir se manter, precisava obrigatoriamente ter na diretoria um militar. De qualquer patente. Para impor respeito, abrir portas, estar imune a perseguições. Se isso não é um tipo de aparelhamento, o que é, então? Um Brasil de mentirinha, ao som da trilha sonora ufanista de Miguel Gustavo.

Minha família se dilacerou. Meu irmão torturado, morto, corpo não sabido. Minha mãe assassinada, numa pantomima de acidente, só desmascarada 22 anos depois, pelo empenho do ministro José Gregory, com a instalação da Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos no governo Fernando Henrique Cardoso.

Meu pai, quatro infartos e a decepção de saber que ele, estrangeiro, que dedicou vida, esforço e economias a manter um orfanato em Minas, criando 50 meninos brasileiros e lhes dando ofício, via o Brasil roubar-lhe o primogênito, Stuart Edgar, somando no nome homenagens aos seus pai e irmão, ambos pastores protestantes americanos – o irmão, assassinado por membro louco da Ku Klux Klan. Tragédia que se repetia.

Minha irmã, enviada repentinamente para estudar nos Estados Unidos, quando minha mãe teve a informação de que sua sala de aula, no curso de Ciências Sociais, na PUC, seria invadida pelos militares, e foi, e os alunos seriam presos, e foram. Até hoje, ela vive no exterior.

Barata tonta, fiquei por aí, vagando feito mariposa, em volta da fosforescência da luz magnífica de minha profissão de colunista social, que só me somou aplausos e muitos queridos amigos, mas também uma insolente incompreensão de quem se arbitrou o insano direito de me julgar por ter sobrevivido.

Outra morte dolorida foi a da atriz, minha verdadeira e apaixonada vocação, que, logo após o assassinato de minha mãe, precisei abdicar de ser, apesar de me ter preparado desde a infância para tal e já ter então alcançado o espaço próprio. Intuitivamente, sabia que prosseguir significaria uma contagem regressiva para meu próprio fim.

Hoje, vivo catando os retalhos daquele passado, como acumuladora, sem espaço para tantos papéis, vestidos, rabiscos, memórias, tentando me entender, encontrar, reencontrar e viver apesar de tudo, e promover nessa plantação tosca de sofrimentos uma bela colheita: lembrar os meus mártires e tudo de bom e de belo que fizeram pelo meu país, quer na moda, na arte, na política, nos exemplos deixados, na História, através do maior número de ações produtivas, efetivas e criativas que eu consiga multiplicar.

E ainda há quem me pergunte em quê a Ditadura Militar modificou minha vida!

Hildegard

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Sofia De Pontes Vieira

21/02/2014 - 16h24

Seria bom que todos que são a favor da volta dos militares lessem esse relato tão sofrido

asneto

21/02/2014 - 13h18

Prezada Sandra Uoal.
Sugestivo que seu nick seja UOL adicionado de um “a”.
Indica “pedigreé”.
Mas o que eu desejo mesmo, Sandra, é encontrar você e todos os seus, juntos, na rua, tentando dar um golpe de estado aqui no Brasil.
Tentem e se preparem para a reação que em 64 não houve.
E não chore depois.

Heliete Morais

21/02/2014 - 16h05

A desinformação dos nossos jovem me causa grande preocupação.

Maria Meneses

21/02/2014 - 14h40

Quanto sentimento. Quanta verdade.


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