Rolezinhos: teoria do Cavalo de Troia se confirma

É uma situação irônica, estranha, algo absurda, mas, pensando bem, compreensível. Os rolezinhos dos quais tanto se fala hoje não são mais os rolezinhos originais, os autênticos. Já se tornaram um simulacro de si mesmos, conforme brilhantemente teorizou o blog Cinegnose. Tornaram-se um fenômeno eminentemente midiático.

E, possivelmente, uma armadilha para todo o campo político da esquerda, cujos ativistas na classe média, na academia, e mesmo nos partidos, precisam tomar cuidado com seus próprios entusiasmos supostamente ideológicos, mas que também são, eles mesmos, entusiasmos midiáticos, quando não mesmos pura vaidade intelectual.

A ironia que eu mencionava no início do post é o fato dos “rolezinhos”, conforme pesquisa abaixo, serem rechaçados sobretudo pelos mais pobres. O pouco de popularidade que ganharam vem das camadas mais ricas, cujas opções de lazer são mais variadas.

A tese do cavalo de tróia ganha sustentação, porque aconteceu justamente o que alertava o blog Cinegnose.

Os rolezinhos são, na maioria das vezes, uma brincadeira inocente de jovens de periferia. Só que alguns deles perderam o rumo e se transformaram em arruaças, o que também é bem típico da idade de seus frequentadores. Nada demais. Entretanto, a partir do momento em que são midiatizados, eles ganham conotação política. Filósofos do facebook passam a glorificá-los. E eles viram um cavalo de troia para a esquerda porque esta se sente inexoravelmente forçada a apoiar jovens pobres da periferia que estariam sendo discriminados. A direita, não. A direita sempre se posicionou contra os rolezinhos, e sai dessa por cima. Um a zero para eles.

E aí, quando se faz uma pesquisa, constata-se que a maioria esmagadora dos pobres, dos jovens, é contra os rolezinhos, provavelmente porque eles gostam de frequentar shoppings (por isso faziam rolezinhos) e são contra um movimento que contribui apenas para prejudicar a imagem dos jovens mais pobres e prejudicar o próprio shopping, onde o jovem da periferia (não esqueçamos disso) também trabalha.

No final de semana passado, eu fui ao cinema num shopping da zona norte carioca, o Norte Shopping, que fica em Piedade. É um excelente shopping, com muitos cinemas e praças de alimentação. Um shopping de primeira categoria plantado no coração da periferia carioca. Não podemos esquecer que os shoppings, hoje, abrigam a maior parte das salas de cinemas, então não são apenas um templo do capitalismo. Há cultura nos shoppings: grandes livrarias e cinemas.

O Norte Shopping, por exemplo, é frequentado por todas as classes sociais, todas as raças. É claro que os jovens com mais dinheiro no bolso tem mais possibilidade de lazer, podem ir mais ao cinema. Mas isso é óbvio e o jovem não é burro. O jovem sabe que precisa de dinheiro e também intui que há momentos para o lazer, momentos para o protesto e momentos para estudar e trabalhar.

Tenho a impressão que a mídia irá usar e abusar dessas táticas de cavalo de tróia, que visam marginalizar a esquerda, fazendo-a voltar a seus guetos acadêmicos radicais, com seus filósofos arrogantes, sua classe média voluntarista, messiânica, raivosa, que acreditam piamente saber o que desejam as “ruas”, a “periferia”, os “jovens”, mas que, com sua vaidade, acabam apenas cumprindo uma missão útil ao capital e seus estrategistas maquiavélicos.



 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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