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A importância da cultura para a política externa brasileira

Uma preocupação justificável hoje, em tempos de globalização e homogeneização, é a afirmação cultural dos povos e nações e sua difusão externa.

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Coluna mensal Grão-Fino, com Ana de Hollanda

O jeito brasileiro de diplomacia cultural

Ana de Hollanda, ex-ministra da Cultura

Uma preocupação justificável hoje, em tempos de globalização e homogeneização, é a afirmação cultural dos povos e nações e sua difusão externa. No entanto, vale lembrar que os processos de internacionalização de culturas se davam, naturalmente, desde a antiguidade, nas conquistas e dominações, assim como pelas religiões. Porém, a partir da revolução industrial, com maior ênfase no século XX, a exportação de produtos ou hábitos culturais por parte de países política e economicamente hegemônicos ganhou um novo relevo.

Na última década do século passado, reflexões e novos conceitos instigaram governos a repensar o poder da cultura nas relações entre nações. Em 1990 o cientista político norte-americano Joseph Nye cunhou a expressão Soft Power numa de suas obras e se aprofundou no tema em 2004 com o livro Soft Power: The Means to Success in World Politics, no qual contrapõe o soft power, o poder de influenciar por meios culturais ou ideológicos, ao Hard Power, o poder pela força, o poder bélico. Nos últimos anos a chamada Diplomacia Pública, que envolve populações de mais de um estado, e a Diplomacia Cultural, que engloba também a sociedade civil organizada, adquirem reconhecimento global, como uma extensão da Diplomacia Tradicional.

O Brasil conta com um potencial cultural admirável, se bem que pouco explorado. Comentei a questão em artigo anterior, quando chamei atenção para a necessidade de nossa participação em grandes eventos internacionais. Mas, agora, a ênfase é destacar o empenho brasileiro em desenvolver políticas de identidade cultural em conjunto com parceiros dos blocos historicamente próximos.

A prioridade diplomática do Governo Brasileiro em termos culturais passou a ser nos últimos dez anos, declaradamente, a América do Sul. Natural, se observarmos a extensão territorial que o país ocupa nesse subcontinente e os dez Estados, entre doze, com os quais tem fronteiras. Nossas histórias e heranças culturais carregam traços comuns: população nativa indígena, ex-colônias de nações européias, predominantemente ocupados por povos ibéricos, com marcante presença de descendentes dos africanos trazidos como escravos e, posteriormente, de imigrantes vindos dos cinco continentes. Por quatro séculos nos relacionamos prioritariamente com a Europa sendo que, no último, incorporamos os Estados Unidos da América a esse patamar. Embora politicamente independentes, o espírito colonizado permaneceu por mais de um século, refletindo uma baixa auto estima que enxergava nossas culturas num estágio inferior às do Primeiro Mundo. Pelos mesmos motivos, até ha poucas décadas havia um recíproco desinteresse cultural entre países vizinhos.

Se a Organização dos Estados Americanos (OEA), criada no pós segunda guerra, sofreu e sofre até hoje forte pressão política Norte Americana, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) há quase duas décadas nasceu, de certa forma, como reação a essa hegemonia. Com vistas ao estabelecimento de um mercado comum, foi o primeiro bloco realmente voltado para interesses específicos dos países do sul do continente e conta com uma forte atuação brasileira. Outro é a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), criado em 2010 com o objetivo de integrar o MERCOSUL e a Comunidade Andina de Nações – CAN.

A participação ativa e a prioridade conferida pelo governo brasileiro ao MERCOSUL e demais foros regionais têm resultado numa forte coordenação entre os Estados envolvidos. No campo da cultura, isso é notável na consolidação de posições dos blocos no âmbito da UNESCO, por exemplo, sobretudo nas áreas do Patrimônio Mundial, Patrimônio Imaterial, Diversidade Cultural e Museus. No MERCOSUL, os temas do patrimônio, diversidade cultural, audiovisual e indústrias culturais foram bastante desenvolvidos. O Mercosul Cultural é um excelente foro de debates e coordenação de políticas, mas tem ainda dificuldade em estruturar programas específicos por não contar com uma secretaria fixa e facilidade na gestão de recursos.

Ainda assim, se empenha na criação do Selo Mercosul Cultural, da categoria de Patrimônio do Mercosul e do Fundo MERCOSUL Cultural (que fomentará a integração, a cooperação e o intercâmbio regional). Aprovou a implementação do Projeto Itinerários Culturais do MERCOSUL, a pactuação de políticas culturais de diversidade e indústrias criativas, o compartilhamento de estatísticas culturais e publicações relacionadas e o apoio à estrutura da RECAM, que é o órgão de cooperação do Mercosul na área do audiovisual. A partir das discussões nos blocos, assuntos específicos relacionados a características de cada região ou população local conduzem para acordos bilaterais entre os países fronteiriços. Exemplo disso, incorporando também o conceito de diplomacia pública, são os encontros dos povos guaranis, que vivem em regiões da Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai.

No processo preparatório da Conferência Rio+20, provocado pelo Ministério da Cultura do Brasil, pela primeira vez os Ministros e Altas Autoridades de Cultura dos países sul-americanos se reuniram em São Paulo, em abril de 2012, para discutir o tema Cultura e Sustentabilidade. No encontro foi elaborada a “Declaração de São Paulo”, um manifesto contundente sobre a emergência do assunto para nações e povos da região.

A cooperação latino americana, nas últimas décadas, tomou novo impulso junto aos países ibéricos na forma de rico e equilibrado intercâmbio. Se no passado Portugal e Espanha, como dominadores, impuserem suas culturas, essa identidade hoje é revertida positivamente para o fortalecimento de nossas identidades. Através da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) e da Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB) participamos ativamente de diversos programas culturais de promoção às artes cênicas, música, orquestras, museus e audiovisual.

Outro bloco marcado pelos laços históricos, étnicos e culturais comuns é a Comunidade dos Países de Lingua Portuguesa (CPLP), do qual fazem parte Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe. Cooperações culturais, como o caso do acordo ortográfico, desenvolvem ações de teatro (Oficina Itinerante de Teatro da CPLP e Festival de Teatro de Língua Portuguesa (FESTLIP), documentários audiovisuais (DOCTV-CPLP) e artes integradas voltadas para juventude (Bienal de Jovens Criadores). Lamentavelmente, devido a dificuldades financeiras pelas quais alguns dos países financiadores estão passando, parte desses projetos estão temporariamente suspensos até que se encontre solução viável.

Estas são algumas das ações diplomáticas e culturais voltadas para os blocos de nações com os quais encontramos maior similaridade. É inegável que o fortalecimento desses laços vem modificando a compreensão da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em relação a patrimônio e manifestações culturais desses países. Mas, sem dúvida, esses avanços retratam o entendimento que o governo, o povo e os criadores brasileiros têm em relação ao conceito de Diplomacia Cultural: uma relação horizontal de intercâmbio, cooperação, fomento e abertura de novos horizontes no campo do conhecimento humano.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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