No ano de contestação do poder e desejo de mudança, identificação com partidos da oposição segue baixa
Crise de representatividade reverte ascensão de março do PT, mas agremiação lidera com folga
“O país passa por um momento crise de representatividade”. Quem nunca ouviu essa antes? Mesmo sem nenhum tipo de estudo rigoroso, “especialistas”, jornalistas e cervejeiros são unânimes no diagnóstico. O pior é que, apesar da falta completa de embasamento empírico, é muito possível que isso seja de fato verdade. Vamos, então, dar alguma consistência ao senso comum.
Primeiramente, o “voto negativo”, isto é, o voto em branco, nulo ou abstenções, não está aumentando nos últimos anos. De fato, o pico da crise de representatividade, por essa medição, teria acontecido em 1998, um ano de crise econômica forte, quando 40% dos eleitores aptos não votaram para nenhum candidato no 1º turno da eleição presidencial. Já nos últimos três pleitos para presidente, esse número cai para um pouco mais de 25% em média. Isto é, na últimas três eleições presidenciais, cerca de 75% das pessoas aceitaram votar e ser representados por algum político ou partido.
Como a obrigatoriedade do voto pode encobrir o descontentamento com o sistema político e os eleitores podem estar votando em pessoas e não em partidos na eleição para presidente, melhor recorrer a outro tipo de informação. A partir da compilação de dados de identificação partidária, registrados nas pesquisas de opinião pública do Datafolha, temos uma série de constatações que podem nos ajudar a entender mais sobre essa tal “crise de representatividade”:
1) A primeira constatação: o quadro de crise de representatividade é real. Hoje, cerca de 60% do eleitorado brasileiro não se identifica com nenhum partido (ou político). O percentual é o maior desde dezembro de 2004, início da série histórica. Mas a preponderância dessa “identificação negativa” não é novidade: a proporção de eleitores sem preferência partidária superou 50% em quase todo o período do levantamento, com exceção de certos meses de 2010 e março de 2013. Ou seja, não é de hoje que os partidos são pouco representativos.
2) Passada essa constatação mais óbvia e vendo o desempenho de cada partido, o segundo (e igualmente óbvio) elemento é que durante todo o período o PT tem sido o partido com maior identificação partidária, com média de 22%. O pior período para o partido não aconteceu durante as Manifestações de Junho, mas no auge do escândalo do chamado “mensalão”, em 2006, quando apenas 15,9% dos eleitores disseram preferir o PT.
3) A terceira e mais interessante constatação é de que a identificação partidária com o PT atingiu seu valor mais alto não durante os “anos Lula”, que saiu do cargo com mais de 80% de aprovação, mas durante os “anos Dilma”, atingindo picos de 31% e 30% em abril de 2012 e março de 2013, respectivamente. Isso sugere que, a alta popularidade de Lula não se traduziu em identificação com o PT, provavelmente por conta da relação que tinha com o eleitorado, de forma mais direta, e do tipo de liderança que exercia (mais carismática e menos “institucional-partidária”). Já Dilma, apesar de não ser militante histórica do partido, talvez passasse a imagem de uma portadora de um certo “programa”, e, assim, uma parte maior de sua popularidade teria favorecido um aumento da identificação com o PT. Bom tema para pesquisas qualitativas.
4) O quarto aspecto interessante é que antes mesmo das Manifestações de Junho, a identificação com o PT já apresentava sinais de forte desgaste, caindo de 30% em março, para 23% no começo de junho e 19% no final do mês. Desde então, a identificação petista manteve-se no mesmo patamar, oscilando entre 18% e 21%.
5) Isso significa um fator preocupante para o PT: o patamar de identificação partidária com o partido, de 20% desde junho, não aumentou junto com a recuperação da popularidade da presidente – embora as duas coisas estivessem muito correlacionadas desde que Dilma assumiu. Parece que, novamente com Dilma, parece estar havendo um descolamento da presidente com o partido, tal como aconteceu com Lula, embora não haja nenhum novo escândalo de corrupção que justifique tal movimento. Outro bom tema para pesquisas futuras…
6) A sexta constatação é que apesar da “crise de representatividade” atual, do forte “desejo de mudança” e queda da identificação com o partido que está no poder, a preferência do eleitor com os partidos de oposição permaneceu praticamente inalterada e extremamente baixa. A identificação com PSDB, principal opositor à direita, oscilou, em 2013, entre 5% e 6%. Desempenho similar ao do PMDB (aliado pero no mucho). Desempenho baixo, considerando que são dois dos principais partidos do país, que já elegeram presidentes da República e que controlam 8 e 5 governos estaduais e 9% e 15% dos acentos na Câmara dos Deputados, respectivamente.
7) Já o PSB, que pretende ser, em 2014, o principal partido de oposição, a situação é pior. O PSB vem oscilando “traço” e 1% ao longo dos últimos anos. Seu “pico” foi em outubro deste ano, quando chegou a 2%. Outros partidos também estão em situação semelhante. O “destaque” entre os nanicos é o PV, cuja preferência nos últimos 4 anos oscila entre 1% e 3% do eleitorado.
De certa forma, o cenário atual de negação da política atual dá menos perspectiva para a oposição atual. Mas dá alguma perspectiva para a futura “Rede Sustentabilidade”, seja se e como isso vá se dar: há espaço para um novo partido (dada a falta de identificação com os atuais partidos) e a pauta ambiental parece ter apelo para parte do eleitorado (vide a alta preferência partidária para o PV).
Também dá alguma esperança para o PT: de um lado, a intensa cobertura do julgamento da ação panal 470 não reduziu a preferência do eleitorado, e por outro seu nível de identificação partidária conheceu um novo “teto”, bem mais alto, em 2013. Dependendo das respostas do governo às manifestações, ele pode ser alcançado de novo. O desafio, agora, porém, é maior: é o de “colar” de volta o programa do partido nas ações da presidente – e torcer para que ela siga recuperando sua popularidade.
Eva
22/12/2013 - 17h21
Com todas as falhas, o PT ainda é o único partido político viável para o Brasil.