Diplomacia não é brincadeira. Uma vírgula fora do lugar pode significar uma guerra. Pensei que, nós, da blogosfera, fôssemos os rebeldes, os libertários, os bagunceiros. Agora eu vejo que a nossa mídia corporativa é muito mais caótica e irresponsável.
A manchete da Folha de hoje é uma mentira e um desastre diplomático, a começar para o próprio Edward Snowden. Americanos começaram a acusá-lo de querer vender segredos norte-americanos ao Brasil em troca de asilo.
[Tradução –> Dan Murphy: Estou entendendo direito? Snowden acaba de oferecer segredos norte-americanos ao Brasil em troca de asilo por lá?
Glenn Greenwald: Não – se você soubesse como ler, ou não fosse tão preguiçoso para confiar em manchetes, verá que isso é falso. ]
Snowden escreveu uma carta aberta elogiando o Brasil e a posição corajosa da presidenta Dilma Rousseff em seu discurso na ONU. Não foi uma carta para passar uma “rasteira” na presidenta e pô-la numa saia justa, como a nossa imprensa quer transformá-la.
A carta é destinada à opinião pública brasileira, e visa bloquear a propaganda do governo americano, que pretende nos convencer que a espionagem praticada pela NSA seria para nos proteger, proteger a nossa presidente, proteger a Petrobrás, e nossos interesses.
Não é isso, diz Snowden. “Esses programas nunca foram sobre terrorismo: são sobre espionagem econômica, controle social e manipulação diplomática. Eles são sobre poder”.
Entretanto, Snowden não pede asilo ao Brasil. Não teria nada demais fazê-lo. É um direito dele, e eu acho que o Brasil deveria conceder. Só que, em se tratando de Snowden e da maior potência militar e tecnológica do planeta, é evidente que uma ação deste tipo envolveria muito segredo e um gigante esforço diplomático.
Snowden não poderia pedir asilo à Dilma (que é a única que pode tomar essa decisão) via imprensa. Em resposta à BBC Brasil, Greenwald desmente, categoricamente, o teor das manchetes dadas pela imprensa brasileira, que logo viralizaram mundo a fora:
Greenwald, que é o jornalista usado por Snowden para revelar ao mundo a espionagem em escala global do governo americano, passou a manhã no twitter vociferando contra a irresponsabilidade dos meios de comunicação, que deturparam totalmente o sentido da carta. Reproduzo abaixo os tweets do jornalista, junto com outros, de minha autoria, com a tradução deles:
Entretanto, houve um curto-circuito direto na fonte. Greenwald e seu namorado, David Miranda, deram declarações à Folha manifestando o seu desejo de que o Brasil concedesse asilo político ao americano. É legítimo. Eu também acharia ótimo que isso acontecesse, mas isso teria que ser feito com muito cuidado, não através de uma atabalhoada operação midiática.
Ainda esta manhã, vendo as manchetes da Folha e o efeito causado, Miranda criou uma petição na internet, em que pede ao Brasil para conceder asilo ao americano.
É uma iniciativa pessoal, ingênua, diplomaticamente desastrada. Porque é evidente que o certo a fazer, numa situação dessas, era um contato discreto com o ministério de relações exteriores, para que ele iniciasse uma delicada costura diplomática internacional, com a Rússia, em primeiro lugar, que hoje abriga Snowden, e talvez com a ONU, onde o Brasil conta com o apoio de um número grande de países. Seria o momento, inclusive, de testar a sinceridade da Alemanha, que se aliou ao Brasil nos esforços para criar uma espécie de código de conduta internacional no que diz respeito à privacidade e aos serviços globais de comunicação.
Se depender da nossa mídia, teremos um apocalipse diplomático. E a carta de Snowden, que visa divulgar suas boas intenções e elogiar as posições de Dilma Rousseff, se transformará (aliás, já se transformou) numa bomba contra o próprio Snowden e contra Dilma.