Meu colega no coletivo Barão de Itararé, o Theo, inaugurou um novo blog para si, e publicou hoje um artigo sobre a polêmica da vez: a votação no STF sobre as doações de empresas a campanhas eleitorais. Eu já dei minha opinião sobre esse assunto. Acho ótimo proibir doação de empresas, porque isso causa enorme desvantagem aos candidatos mais ideológicos, ou simplesmente mais honestos. Mas não concordo que isso seja uma decisão do STF, porque significa empoderar ainda mais uma instituição que, dia a dia, usurpa o poder do parlamento.
Mas a decisão de proibir doações de empresa é tão boa, e a gritaria da direita tem sido tão histérica, que sou capaz de abrir uma exceção. Entretanto, como bem conclui meu amigo Theo, ponho um enfático “talvez” ao final do argumento. A decisão do STF talvez seja benéfica para a democracia. Talvez…
Leia abaixo o texto dele.
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A reforma política do STF e o fim do financiamento de empresas nas campanhas eleitorais
O Supremo Tribunal Federal (STF) parece ter assumido para si a tarefa de realizar a reforma política no país. A surpresa surgiu nesta quarta-feira (11/12) quando o presidente do Supremo Joaquim Barbosa colocou em votação a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 4.650) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a possibilidade de empresas financiarem campanhas eleitorais.
Por Theófilo Rodrigues, no blog Cadernos de Cultura e Política.
O relator da Adin, ministro Luiz Fux, defendeu a proposta da OAB e sugeriu em seu voto o fim do financiamento das empresas. Até o momento o voto do relator já foi seguido por Barbosa, Dias Toffoli e Luis Roberto Barroso. Tudo indica que será aprovada com ampla maioria, pois apenas o ministro Gilmar Mendes apresentou-se contrário à decisão. Aliás, diga-se de passagem, a posição de Mendes durante a votação foi no mínimo bizarra, para não dizer outra coisa. Segundo o ministro, o financiamento das empresas é a única possibilidade que a oposição possui para retirar do poder o governante do momento. De qualquer modo, ainda teremos que aguardar por um tempo até a decisão final do STF, pois o ministro Teori Zavascki pediu vistas para analisar melhor a proposta.
Gostaria apenas de tecer alguns breves comentários relacionados à forma e ao conteúdo da Adin 4.650.
Sobre a forma
Não é de hoje que o STF vem tentando fazer a reforma política no Brasil. Aliás, minha monografia de fim de curso na graduação em ciências sociais da PUC-Rio foi justamente sobre esse tema. Naquele momento demonstrei como que o STF já havia atuado de forma contrária ao Congresso Nacional em casos como a verticalização das coligações (2002 e 2006), a fidelidade partidária (2007) e a cláusula de barreira (2006). Uns chamam de judicialização da política, outros de ativismo judicial ou mesmo de jurisdição constitucional abstrata. O fato é que o STF vem concretamente atuando no sentido de realizar uma reforma política, algumas vezes atuando sobre vácuos de legislação, outras vezes de forma claramente contrária à opinião da maioria do Congresso Nacional.
Sobre o conteúdo
Se por um lado a forma possa ser discutível do ponto de vista democrático, no que diz respeito ao conteúdo o avanço é indiscutível. Numa democracia quem tem direito ao voto são os cidadãos, não as empresas. Não há nenhuma explicação razoável para que elas possam fazer doações para campanhas eleitorais. Na verdade, a própria denominação de “doação de campanha” não se aplica para as empresas. O que elas fazem são “investimentos em campanhas” na medida em que esperam claramente algum retorno financeiro. Para termos ideia do tamanho desse investimento, apenas a Construtora Andrade Gutierrez repassou em 2010 cerca de 65 milhões de reais para candidatos. Já a Construtora Queiroz Galvão repassou cerca de 61 milhões para campanhas eleitorais em 2010. A Camargo Corrêa destinou 52 milhões para seus candidatos enquanto a OAS teve 28 milhões investidos em campanhas eleitorais.
Claro que sempre pode haver alguém que acredite que as empreiteiras e construtoras são as maiores defensoras da democracia e por isso repassam esses valores milionários de dois em dois anos para seus candidatos. Meu objetivo jamais seria discutir com quem pensa assim, da mesma forma como também não discuto com quem acredita em Papai Noel, em Coelhinho da Páscoa ou em capitalismo mais humano. Minha descrença nessas entidades tão benévolas me coloca ao lado dos que desconfiam que tais empresas apenas investem de dois em dois anos esperando os futuros contratos e licitações milionárias que não apenas cobrirão os gastos das campanhas como retornarão mais lucros.
Correto parece estar o ministro Luís Roberto Barroso quando em seu voto afirmou ironicamente:
“É legítimo que uma empresa financie um candidato ou partido por representar seus ideais. Mas muitas doam para dois partidos. Que ideologia é essa, em que você apoia um lado e apoia o outro? Faz-se isso ou por medo, ou por interesse”.
Sobre as críticas
É claro que a decisão do STF encontrou adversários, seja nos partidos que possuem relações íntimas com empresas, seja nos grandes meios de comunicação.
Em sua firme defesa contra a Adin 4.650, o editorial do jornal O Globo dessa sexta-feira (13/12) afirma que “cortar os recursos das empresas apenas ajuda o lobby pela equivocada estatização completa das finanças da política – o financiamento público de campanha”. Diz ainda que “proibir a contribuição de empresas para campanhas e partidos é o mesmo que investir quixotescamente contra moinhos de vento”. Sobre as assimetrias entre os partidos políticos não há nenhuma menção. Talvez não seja a preocupação do jornal.
Já o colunista da Folha de São Paulo (13/12), Reinaldo Azevedo, foi mais veemente. Em suas palavras, “OAB, STF e PT resolveram se juntar contra a democracia. (…) Essa “conspiração dos éticos” de calça curta chega a ser asquerosa. Trata-se de um truque vulgar na América Latina bolivarianizada. Na região, não se dão mais golpes com tanques, mas com leis. Usa-se a democracia para solapá-la. E o Judiciário tem sido peça fundamental da delinquência política”.
O colunista do Globo Merval Pereira (12/12), de forma mais comedida apresentou sua principal preocupação: o fato de o PT ser supostamente o principal favorecido, pois com a decisão do STF seria mais fácil aprovar o voto proporcional em lista fechada e ao mesmo tempo criar uma justificativa para o chamado mensalão. De acordo com Merval, “essa provável decisão do Supremo contra o financiamento privado por empresas dará novo alento ao PT, que defende o financiamento público exclusivo, com dois objetivos políticos”.
O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB), já deixou claro que se a proposta for aprovada pelo STF o Congresso Nacional irá aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional para que o financiamento das empresas seja possível. Resta saber se haverá a maioria necessária para a aprovação da PEC, já que é sabido que partidos como PT, PCdoB, PSB, PDT e PSOL votarão em bloco em defesa do financiamento público de campanha.
Talvez estejamos assistindo a mais importante decisão tomada em defesa da democracia desde a Constituição de 1988. Talvez…