Caso Rosalba: a justiça e as urnas

Alguns leitores me alertaram para um fato muito grave. A destituição da governadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN)), através de uma canetada do TRE, não causou grande comoção porque a dita já era o que se chama “pata manca”. Seu nível de aprovação estava abaixo de zero. No entanto, mais uma vez, testemunhamos o avanço do judiciário sobre a política.

A matéria que eu reproduzi, em post anterior, diz que a “governadora Rosalba Ciarlini é acusada de ter utilizado o avião oficial do Estado para viajar a Mossoró e participar da campanha”.

Essa acusação está me parecendo um tanto inconsistente para justificar a derrubada de uma governante. De qualquer forma, a única fórmula realmente democrática para se afastar um governador é através do Legislativo do estado.

De resto, estamos abrindo caminho para a proliferação de golpes judiciários Brasil a fora, com possibilidade mesmo de um golpe contra o Palácio do Planalto.

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O mesmo raciocínio vale para a votação, esta semana, no Supremo Tribunal Federal, da legalidade ou não de doações de empresas privadas a partidos políticos. Muitos colegas da esquerda vêem a votação como “histórica”, mas acho que, mais uma vez, estamos entregando a soberania popular em mãos de juízes que não nos representam. Eu também sou contra doações de empresas para campanhas políticas. Mas isso deveria ser debatido e decidido no Congresso Nacional, pelas lideranças partidárias.

O STF, ao meter o bedelho, apenas irá atrapalhar o que já está sendo debatido democraticamente, que é a reforma política e o financiamento público exclusivo de campanha.

O judiciário já fez várias besteiras, recentemente, quando se meteu a legislar sobre fidelidade partidária. Fez uma coisa, teve que voltar a atrás, mudou de novo, e ao cabo teve que obedecer à orientação do Congresso, o que é a única coisa certa a fazer.

Não estou dizendo que o Congresso é “melhor” que o Judiciário. Eventualmente, o Judiciário pode tomar decisões até mais acertadas, e, seguramente, pode agir de forma mais rápida. Afinal, são apenas 11 ministros no STF, contra 513 deputados no Congresso e mais 81 senadores. O Congresso não é “melhor”, mas é o único que representa a soberania popular. O Congresso é a democracia, com seus vícios e virtudes. O STF representa a nossa elite, com seus vícios e virtudes. O STF pode, por exemplo, num gesto de magnamidade liberal, aceitar o aborto de fetos sem cérebro; mas, no dia seguinte, sob pressão da mídia, pode derrubar um presidente.

EUA, França, Uruguai e Argentina estão nos mostrando que a melhor forma de avançar, nos costumes, é via Legislativo. Os EUA liberaram produção e consumo de maconha em dezenas de estados. O Congresso francês acaba de aprovar o casamento gay. O legislativo uruguaio chancelou ontem a lei mais moderna do mundo sobre a maconha. A Argentina, também via Congresso, igualmente aprovou diversas leis progressistas sobre drogas, casamento homossexual. Sem falar das leis de mídia, debatidas e aprovadas pelos legislativos de vários países latino-americanos.

O STF brasileiro foi chamado pelo grande constitucionalista português, Canotilho, de o mais poderoso do mundo. Já vimos os absurdos e as mentiras que ele chancelou durante a Ação Penal 470. O ex-presidente do STF, Ayres Brito, no afã de condenar os réus, afirmou que a multinacional Visanet era tão estatal como a Embrapa, só porque tinha “Brasileira” no nome: Companhia Brasileira de Meios de Pagamento.

Temos que tomar muito cuidado. A direita pode muito bem “vender” hoje a cabeça de uma governadora do seu campo, com vistas a “comprar” a cabeça de um presidente da república amanhã.

A política brasileira precisa ser desjudicializada. E o nosso STF precisa ser “desempoderado”, em prol do parlamento e do povo (via plebiscitos). A democracia pressupõe o voto e ouvir a voz dos cidadãos. Juízes, ainda mais essas figuras midiáticas e desqualificadas que nós temos, não podem substituir a soberania popular!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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