Quem vai pagar por essa dor?

Uma coisa é a dor causada pela injustiça social, que tem raízes históricas e causas múltiplas e complexas. Outra coisa é o arbítrio, a covardia, a maldade. O que estamos testemunhando, perplexos e impotentes, é o final de uma tragédia encenada durante vários anos.

Genoíno é inocente. A sua dor, contudo, vai muito além do sentimento pessoal de ter sido injustiçado. A sua dor ganhou feições bíblicas. É a dor do homem. Os medíocres nunca vão entender. Nem desejam entender, porque eles, no fundo, temem a história. Eles sabem que a história os julgará com parâmetros muito diferentes de sua ética de covardes e pusilânimes.

Entretanto, a mídia conseguiu. Despertou numa parcela da população os instintos mais baixos, mais conservadores, mais vingativos. Um leitor me escreveu dizendo que o que mais queria era ver Dirceu na Barão de Mesquita, centro de tortura do regime militar.

Reproduzo o que ele escreveu, para vocês entenderem o que a mídia despertou:

prezado Miguel do Rosario

Como carioca me causou espanto conhecer seu blog e em determinados momentos ter a certeza que você aina tem a ousadia de defender pessoas como este , desculpe-me vou te que digitar o nome “Josè Dirceu e sua quadrilha” quando vi levantar o punho só lamentei não poder mandar ele na hora ali para digamos rua barão de mesquita na tijuca , Miguel sinceramente você é o primeiro carioca que vi defendendo bandido, lamento gostaria tanto de me tornar seu leitor.”

Depois que eu lhe respondi com alguns bons palavrões, o sujeito caiu em si e tentou se desculpar, que preferia a democracia à ditadura, mas não adianta mais. O centro de tortura da Barão de Mesquita foi um dos maiores centros de tortura de presos políticos do país. Desejar isso para seu adversário político é a prova de que o ovo da serpente, defintiivamente, já chocou.

A tortura de Genoíno, é bom lembrar, não começou agora. Começou quando a mídia passou a chancelar uma farsa. A sociedade foi enganada.

Hoje, ao ler a capa das principais revistas, eu tive muito nojo da imprensa brasileira. Usando a velha tática dos fariseus, ela manipulou os preconceitos populares contra seus adversários políticos. Genoíno passa a representar o “primeiro poderoso” a ser preso por corrupção… Genoíno? Não é Demóstentes Torres. Não é Arruda. Não é Serra. Não é FHC. É José Genoíno.

Nessas horas, porém, a gente sente um orgulho doído de, ao menos, saber de que lado estamos. Isso é nossa pequena e definitiva vitória. Eles ganharam muitas coisas, muitas pessoas, mas não a nossa consciência!

Podem nos xingar à vontade. Nos caluniar. Nos processar. Podem tentar nos destruir. Nada abafará o sentimento de orgulho, hoje misturado à dor, de estar ao lado de um guerreiro como José Genoíno.

No blog, tenho me deparado com muitos outros comentários sádicos, de gente que se compraz com a desgraça alheia. É assim que eles vêem a política, com os olhos de um carrasco. Não acham necessário ganhar na base da argumentação. Não conseguem ganhar no voto. Então querem ganhar na força física. No golpe. No tapetão judiciário.

Entretanto, eles esquecem que todas as grandes ideologias sociais nascem da dor. Mais tarde, essa dor é assimilada pela mente de cientistas e revolucionários e se converte em ações.

A mídia conseguiu dar seu último golpe. Despertaram o demônio dos linchamentos, e o jogaram contra seus adversários políticos.

O que acontecerá agora? Qual a próxima novidade?

A novidade é que prenderam um inocente. Vários inocentes. Essa é a pauta da qual eles dificilmente conseguirão fugir, porque iremos repeti-la todos os dias. A justiça produz equilíbrio e se consome em si mesma. A justiça é linda e estéril. A injustiça, por outro lado, gera filhos, desdobra-se em energia, em revolta, em luta.

Leiam a entrevista da filha do Genoíno ao blogueiro Eduardo Guimarães, e entendam porque eu falo de dor e luta.

Miruna Genoino: “Peço que a sociedade se informe sobre meu pai”

Posted by eduguim on 17/11/13 • Categorized as entrevista
Blog da Cidadania

No começo da tarde de domingo, fui procurado por amigos da família de José Genoino. Pediram-me ajuda para divulgar um drama humanitário que vai se formando por ação da prisão intempestiva dos réus do julgamento do mensalão.

A família do ex-presidente do PT teme por sua vida e, conforme matéria do jornalista Paulo Henrique Amorim em seu blog, um laudo médico apoia tal temor.

De posse dos telefones de Rioko e Miruna – respectivamente, esposa e filha de Genoino – escolho a filha, julgando que estaria, talvez, menos abalada do que a mãe. Ledo engano. Estava muito abalada, mas, assim mesmo, falou sobre a saúde do pai e mandou um recado à sociedade.

Miruna conversou comigo aos prantos, arrastando-me para o seu estado de espírito, o que me fez terminar a entrevista igualmente abalado. Mas falou muito bem. A professora paulista de 32 anos é uma moça de mente ágil e, apesar da emoção, conseguiu exprimir com clareza do que seu pai, sua família e seus amigos mais precisam neste momento.

Segue, abaixo, a transcrição da entrevista com Miruna Genoino.

—–

Blog da Cidadania – A imprensa está repercutindo o estado de saúde do seu pai, de que seria delicado e ele não estaria sendo mantido em boas condições, o que poderia gerar risco para a saúde dele. O que você pode dizer sobre isso?

Miruna Genoino – No dia 24 de julho, meu pai contraiu a doença mais grave da cardiologia, uma dissecção da aorta, e teve que sofrer uma cirurgia de 8 horas, da qual tinha 10% de chance de sobreviver, mas ele sobreviveu porque é um guerreiro. Em seguida, porém, ele sofreu um micro AVC.

Meu pai está tomando cinco medicamentos diferentes em dois horários do dia. Até então, ele não tinha entrado em nenhum avião. O voo o fez passar mal, talvez a pressão da cabine. A médica que o acompanha nos informou que alguém que passou por tudo isso não poderia estar sendo submetido a tal pressão. Meu pai deveria ser hospitalizado.

Ele viajou ontem de manhã a Brasília e às duas horas da manhã deste domingo ainda não estava acomodado.

Estamos com uma grande preocupação com a saúde dele; é a nossa maior preocupação, agora. A nossa luta é para provar a inocência do meu pai, mas, neste momento, a grande preocupação é com a saúde dele.

Blog da Cidadania – Como está o emocional da sua família?

Miruna Genoino – A gente está num momento muito, muito difícil. O meu pai, antes de sair de casa para ser preso, nos disse que já tinha ficado confinado muito tempo em cela forte [durante a ditadura] e que estava preparado para isso.

Ele tem dois netos, os meus filhos, e eles estão muito assustados…

Blog da Cidadania – As crianças estão com vocês aí em Brasília?

Miruna Genoino – Eles ficaram em São Paulo.

Mas ele ter sido transferido para Brasília ainda nos causa um transtorno emocional ainda maior, porque a gente tem que ficar longe das crianças…

[Miruna chora]

É muito complicado o nosso estado emocional…

Blog da Cidadania – Miruna, você está abalada com tudo isso e, assim, não gostaria de prolongar esta entrevista. Mas como sabemos que você, com suas declarações, está ajudando a que as pessoas entendam que há seres humanos por trás de toda essa história, concluo perguntando o que a família de José Genoino tem a dizer à sociedade.

Miruna Genoino – Pedimos que a sociedade se informe. Qualquer pessoa que se informar de verdade, que não assumir o discurso da Rede Globo, do jornal Folha de São Paulo, da revista Veja, de todos os grandes meios, ela vai saber que a única coisa que meu pai fez nesta vida foi colocar acima de tudo o ideal dele por justiça social…

[Miruna volta a chorar]

Ele saiu do sertão do Ceará para tentar melhorar a vida das pessoas. E a vida inteira ele se sacrificou em todos os sentidos porque essa sempre foi a única luta dele. Então, se as pessoas se informarem todo mundo vai saber o homem que ele é…

[Chora de novo]

Eu só peço isso….

[O pranto aumenta]

Que não assumam… O discurso… Dessa mídia… Que procurem saber a verdade, ouvir o outro lado, o que meu pai tem a dizer…

(…)

—–

Percebi, nesse ponto da conversa, que só me cabia deixar a família com sua dor e, em vez de continuar chorando do lado de cá enquanto essa menina da idade da minha filha maior chorava do lado de lá, vir escrever o clamor emocionado dessa família, que pode perder aquele que tanto ama.

Concluo, pois, exortando as autoridades judiciárias a que respeitem o direito, apenas o direito de Genoino. Não pedimos, os parentes, amigos e até os admiradores dele que tenha regalias que ultrapassem os limites da lei, mas que não seja retaliado. Ele tem direito de receber cuidados médicos como qualquer cidadão privado de liberdade.

Genoino deveria estar num hospital. Levem-no para lá. Quem lhe nega esse direito a um tratamento digno responderá pelo que vier a lhe acontecer. Essa é a promessa de muitos que não se deixaram enganar pelos inimigos dele e que estarão muito atentos a cada minuto da vida desse homem, a partir de agora.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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