“Ele não ouve ninguém”
Haddad: um desastre na Comunicação
publicada quarta-feira, 13/11/2013 às 00:41 e atualizada quarta-feira, 13/11/2013 às 01:54
“O escândalo dos auditores é um escândalo do Serra e do Kassab. Ok. Mas outro escândalo é Haddad – o “homem novo” – achar que pode governar São Paulo sem mexer na comunicação. Mais que isso: monitoramento nas redes sociais aponta que o governo Haddad tem, a essa altura, 73% de avaliação negativa, 17% de positiva e só 10% de avaliação neutra. Desastre.
por Rodrigo Vianna, no Escrevinhador.
Haddad acha que cultiva boas relações com “Folha”, “Globo” etc…
Para entender o que se passa com a gestão de Fernando Haddad em São Paulo, peço sua atenção. E alguma paciência. Haddad, em sete atos…
1) Junho de 2012. Festa de aniversário de um bom amigo, advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP) – a mesma onde estudou o prefeito. À época da festa, Haddad era um candidato que patinava, nos 5% de intenção de voto. Lá pelas duas da manhã, um dos advogados senta no sofá perto de mim, e a conversa é sobre o petista. Quero saber como era o Haddad na época da faculdade. “O Haddad tem duas características fortes: ele não ouve ninguém, quando você fala parece que ele não está ouvindo de verdade; mas, por outro lado, ele é um sortudo sem tamanho, sempre teve muita sorte”, diz meu interlocutor, relembrando as peripécias de Haddad e outros estudantes, nas disputas pelo Centro Acadêmico no começo dos anos 80.
2) Algumas semanas depois (2012 ainda), a campanha de Haddad procura um grupo de blogueiros: o petista queria “conversar” sobre Comunicação, sobre a cidade. Haddad seguia em baixa nas pesquisas (um dos levantamentos chegara a apontá-lo com 3% de intenções de voto). A assessoria do candidato fez o favor de divulgar a conversa, reservada, como se fosse um “ato de apoio dos blogueiros à campanha petista”. Bela assessoria… Além disso, naquela noite, tive a comprovação de que Haddad não é mesmo muito treinado para ouvir – como dissera meu interlocutor na festa. Educado, escutava perguntas e observações, sem preocupação de travar um diálogo. Estava ali pra ser escutado.
3) Em setembro, reta final da campanha, o petista comprovou que também era sortudo. Ficaria de fora do segundo turno, se não fosse uma declaração desastrada de Russomano sobre Transporte. Haddad aproveitou o delize do adversário para ir ao segundo turno contra Serra. Virou prefeito – graças também a mobilizações que reuniram milhares de pessoas em atos na praça Roosevelt (centro de São Paulo), convocados pelas redes sociais.
4) Na semana seguinte à eleição, alguns daqueles blogueiros (que Haddad buscara quando estava com 3%) procuraram o prefeito eleito: queríamos conversar, sugerir políticas de comunicação inovadoras para o homem que ganhara o pleito com o discurso de “homem novo”. Haddad não recebeu ninguém, mandou dizer que a política e os nomes para a área de comunicação já estavam decididos. E avisou que essa área de inovação digital, e de incentivo à diversidade informativa, ficaria sob os cuidados de uma subsecretaria na área de Cultura.
Esse é o Nunzio…
Logo entendemos o jogo. Haddad nomeou para a secretaria de Comunicação Nunzio Briguglio Filho… Quem? A função dele, basicamente, seria manter boas relações com a mídia convencional. Ou seja, o “homem novo” achava que política de comunicação para São Paulo seria dar uns telefonemas para a “Folha”, a “Globo” e a “Abril”. Ah, eu já ia esquecendo: cabe à secretaria do Nunzio, também, a distribuição das verbas públicas de publicidade. Hum…
5) Os meses passam. Haddad mostra-se um desastre de comunicação durante as manifestações de junho. Perde a chance de reduzir as tarifas diante do Conselho municipal, mostra ali certa arrogância professoral (“não sabe ouvir”). Depois, vai a reboque de Alckmin e anuncia a redução da tarifa de forma tão atrapalhada que, ao final da coletiva no Palácio dos Bandeirantes, um repórter até pergunta: “mas então voltou pra 3 reais ou não?”.
6) Os meses avançam. Haddad toma então duas medidas que me parecem corretas: muda a tabela do IPTU, com aumentos substanciais nos bairros mais ricos (ok, nem todo mundo que mora nessas regiões é “rico”, e alguns nem remediados são) e redução nas áreas mais pobres da cidade; cria dezenas de quilômetros de corredores exclusivos para ônibus.
A imprensa (rádios, jornais, TVs) parte para um jogo de desinformação. Haddad não consegue explicar que o IPTU vai subir para alguns, mas baixar para outros. Sofre um massacre. Contava com as “boas relações” com a velha imprensa. Hum…
No caso dos corredores, o mesmo: motoristas de carros, irritados, vêem o espaço para os automóveis cair nas avenidas. E as faixas de ônibus, por princípio corretas, parecem ficar vazias a maior parte do tempo. A Prefeitura não fala, não se explica. Conta com a “Folha” e a “Globo”. Hum…
7) Agora, vem o escândalo dos auditores. Está claro que Haddad foi no caminho correto. Enfrentou a máfia, que parece ter-se instalado em gestões anteriores. Na sexta passada (8/11), a “Folha” saiu-se com manchete histórica: “Prefeito sabia, diz auditor investigado…” Quem passava pelas bancas e lia só a manchete logo entendia que Haddad sabia de tudo, participava do esquema. Só que, na gravação, estava claro que o auditor investigado e grampeado se referia ao prefeito anterior – Kassab.
Nas redes sociais e nos blogs deu-se gritaria contra a “Folha”, o jornal de colunistas (e manchetes) rotweiller. O que fez Haddad? Finalmente gritou também contra a manipulação midiática. Ah, percebeu ali que poderia se reaproximar das redes, dos ativistas digitais… Uma virada na comunicação, certo?
Nada disso. A virada não durou 48 horas. Domingo (10/11), Haddad já estava na “Folha” a bater em Kassab… Erro duplo: chamou Kassab diretamente para a briga e, de quebra, legitimou a “Folha” como foro onde se dá o debate político em São Paulo.
Quem conhece a imprensa, sabe o que deve ter acontecido depois da manchete absurda de sexta. O tal Nunzio passa a mão no telefone e liga pra redação da Folha: “poxa, assim vocês me arrebentam, que manchete foi aquela”. Do outro lado, o editor matreiro: “que é isso, estamos à disposição pro prefeito falar; abrimos espaço pra uma exclusiva, ele explica tudo”.
E lá se foi o Haddad. Mordeu a isca da “Folha”, o que significa morder a isca do Serra.
Agora, Haddad demitiu o secretário de governo, Antônio Donato. Pautado pela Globo! Um investigado, membro da máfia, disse que pagou propina a Donato quando ele era vereador (ou seja, ainda na gestão Kassab). Só que Donato está (ou estava) no centro do governo petista.
A mídia paulista transformou um escândalo investigado por Haddad num escândalo que ameaça se voltar contra o governo petista. Onde está Mauro Ricardo, o secretário da gestão Serra? Sumiu das manchetes. Mas o petista Donato foi para o olho do furacão.
Ok, o petista Donato tem que se explicar. Ok, o escândalo dos auditores é um escândalo do Serra e do Kassab. Mas outro escândalo é Haddad – o “homem novo” – achar que pode governar São Paulo sem mexer na comunicação. Os sinais que surgem da Prefeitura são péssimos. Há quem diga que as denúncias contra Donato teriam chegado às redações pelas mãos de gente ligada à Comunicação da Prefeitura. Fogo amigo?
Lula está preocupado. Fez chegar a Haddad a seguinte avaliação: “mexa na sua comunicação, troque. Você está perdendo o jogo.”
Mais que isso: monitoramento nas redes sociais aponta que o governo Haddad tem, a essa altura, 73% de avaliação negativa, 17% de positiva e só 10% de avaliação neutra. Desastre.
Haddad agora vai ter que mostrar se é um “sortudo”, como dizia o ex-colega da faculdade de Direito. E ter sorte, a essa altura, significa enfrentar aquela outra característica forte: não ouvir ninguém.
O prefeito é um homem inteligente, e parece bem intencionado. Mas resolveu jogar no campo dos adversários: seguiu a tradição petista de não confrontar com a mídia. E ainda enveredou pelo discurso moralista dos escândalos. Esqueceu que escândalo e moralismo seletivo são a especialidade do outro lado.
Na mão de Nunzios e outros gênios, Haddad seguirá dando verbas e entrevistas exclusivas para a velha mídia. Sem perceber que o objetivo é transformá-lo num Pitta. Dá tempo de mudar. Tomara que Haddad seja mesmo um homem de sorte, porque do outro lado está a turma que conhecemos tão bem…