O Brasil nos grandes eventos internacionais
Por Ana de Hollanda, ex-ministra da Cultura
A participação do Brasil em grandes eventos internacionais, que apresentam a cultura como produto comerciável, invariavelmente provoca uma controvérsia de vulto desproporcional. Puristas denunciam o que consideram desvios aos princípios de natureza do objeto cultural. Delegam a responsabilidade pelos negócios exclusivamente aos agentes mercantilistas e condenam qualquer participação governamental. Entendem que esteja havendo uma relação promíscua entre interesses público e privado. Recentemente, o apoio à Feira de Frankfort, que homenageou o Brasil, recebeu algumas críticas explícitas, devido ao seu viés comercial. É inquestionável que o apoio institucional a grandes feiras, festivais e mostras audiovisuais, fonográficas, literárias, de artes visuais, design, moda, música, dança e teatro é investimento indireto em favor do Brasil. Soma-se a isso a crescente curiosidade em relação ao país emergente que nos últimos anos vem se destacando política e economicamente no cenário mundial. O reflexo se dá, automaticamente, no desejo de conhecer e compreender a história, a população e nossa instigante diversidade cultural ousada, criativa, exótica, inovadora, tradicional, alegre, triste e bela.
Um romance, um filme ou mesmo uma novela brasileira, sem dúvida, abrem portas para a entrada de espetáculos, exposições ou aquisição de produtos culturais brasileiros no exterior. Até aí, não acredito que possa haver dúvidas.
Muitos dos questionamentos, porém, realmente merecem discussão. Alguns se referem ao alto custo dos eventos em benefício exclusivo de público estrangeiro. Outros contestam a seleção dos produtos enviados. Isto tudo, sem falar dos que se opõem ao simples investimento em cultura, argumentando que o país deveria se ater a assuntos prioritários como os científicos ou comerciais. Considerando que esses últimos críticos, definitivamente, têm um conceito sobre o tema absolutamente contrário à visão estratégica de cultura, vou me limitar ao que me parece construtivo ao debate.
Não de hoje que nossa criatividade e as exuberantes manifestações culturais atraem produtores e artistas consagrados, que aqui buscam referências para suas obras. Mas até quando serviremos de matéria prima para o Primeiro Mundo? Nos últimos anos o movimento vem se invertendo no sentido de ocuparmos o mercado externo para mostrarmos, nós mesmos, o quê e como somos ou fazemos. Nada contra o intercâmbio cultural, pelo contrário, desde sempre quisemos conhecer o que se produz no resto do mundo. No entanto, considerando o momento no cenário mundial, nada melhor do que a cultura para traduzir nosso país e seu povo. Não imagino que o apoio do Governo Federal esteja priorizando uma estratégia de marketing político embora, de fato, isso venha a ser uma conseqüência. Por outro lado, o que se investe não será recuperado imediatamente dentro de uma perspectiva puramente comercial. Logo, justifica-se o apoio governamental mesmo sem expectativa de retorno direto, mas dotado de uma visão fomentadora à política cultural, diplomática e comercial.
Outro aspecto polêmico se refere às curadorias que selecionam os projetos a serem apresentados. Entendo, em relação a essa questão bastante delicada, que erros e injustiças são quase impossíveis de se evitar. Estabelecer critérios justos de seleção, abrir inscrições públicas, rever erros cometidos e considerar as críticas são formas de aprimoramento do processo. Mas não se pode ignorar, caso não se trate de uma realização, mas de mero apoio, o interesse dos parceiros na empreitada. Esses eventos, no exterior, acontecem regularmente, têm objetos e objetivos específicos e contam com suas curadorias. Aqui no país, os parceiros podem ser, por exemplo, governos regionais, produtores ou instituições que financiam parte dos gastos voltados para seus produtos.
Enfim, o que se constata com essa política de internacionalização da produção cultural brasileira é que já está havendo um real ganho de mercado externo. O empenho especial do Ministério da Cultura e da Biblioteca Nacional, com o programa de bolsas de tradução, apresentou sólidos resultados, como o crescimento de nada menos do que 143% no licenciamento de obras literárias para editoras estrangeiras de 2010 a 2012. Em outras áreas, em especial no audiovisual, existe uma política institucional voltada para a exportação da produção brasileira.
Paradoxalmente, todavia, estamos longe de reverter o desanimador retrato do mercado cultural interno, onde uma média de 70% dos lançamentos editoriais é de obras estrangeiras, quadro ainda mais preocupante na ocupação das salas de cinema e relativamente equilibrado no setor fonográfico. O crescimento desses segmentos mercadológicos e as medidas de apoio tomadas, ou a serem tomadas, é outro tema que merece ser abordado em ocasião própria.