Claro que o título é irônico. Mesmo assim, a notícia é de fazer nossa elite conservadora cortar os pulsos. Nova York, que divide com Paris a fama (merecida) de uma das cidades mais chiques do mundo, deve eleger, amanhã, Bill de Blasio, democrata de 52 anos, com um perfil fortemente esquerdista (para os padrões americanos). Ele tem 68% de intenções de voto nas pesquisas para a prefeito, contra 24% de seu principal adversário, Joe Lhota, 59 anos, conservador republicano. Observação: Paris, Londres e Roma são, há décadas, redutos da esquerda em seus respectivos países.
Confira matéria publicada hoje na Folha:
NY deve eleger prefeito de perfil esquerdista
Segundo pesquisa, democrata Bill de Blasio tem larga margem sobre republicano Joe Lhota para eleições de amanhã
Discurso contra desigualdade social pode pesar a favor de Blasio, que tem apoio de negros e latinos
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES, NA FOLHA
DE NOVA YORK
Nova York, ao que tudo indica, vai para a esquerda. Enquanto na política nacional a ala ultraconservadora do Partido Republicano faz barulho, com sua feroz oposição ao governo Barack Obama, na maior cidade americana as pesquisas de intenção de voto para a prefeitura indicam larga vantagem para o democrata Bill de Blasio.
Com 65% das preferências, segundo pesquisa recente da Universidade Quinnipiac, o candidato do Partido Democrata ao pleito desta terça-feira tem um perfil que se encaixaria muito bem numa chapa petista. Na juventude, foi ativo defensor do governo sandinista da Nicarágua e fez sua carreira na defesa de interesses de pobres e minorias. Ocupa o cargo de advogado público da prefeitura, uma espécie de ombudsman a serviço da população.
Para completar o figurino progressista, Blasio, descendente de alemães e italianos, é casado com Chirlane McCray, uma escritora e militante feminista negra, que levantou controvérsias por ter assinado um artigo, em 1979, intitulado “Eu sou lésbica”.
O principal adversário na disputa é o republicano Joe Lhota, 59, um empresário de origem modesta, que estudou em Harvard e trabalhou para a administração municipal de Rudolph “Rudy” Giuliani (1994-2001). Em 2011, foi convidado pelo governador Andrew Cuomo a assumir a direção da Autoridade Metropolitana de Transporte –órgão responsável pela maior rede pública de trens, metrô e ônibus do país.
Racionalizou despesas, planejou novas linhas e recebeu elogios durante a tempestade causada pelo furação Sandy, quando se antecipou à inundação, fechou o metrô, levou os trens para a superfície e criou conexões de emergência para auxiliar no deslocamento da população.
Na tradição de seu partido, Lhota defende mais rigor e disciplina nas finanças da prefeitura e se opõe aos subsídios sociais. Não deixa, porém, de se esforçar para ser simpático à população de baixa renda –num movimento para a “terceira via”, em busca de apoio do eleitorado sem partido.
Os esforços de Lhota até aqui não frutificaram. Com 26% das intenções de voto, será difícil impedir que seu concorrente leve os democratas de volta à prefeitura de Nova York, na sequência de dois mandatos de Giuliani e de três do bilionário Michael Bloomberg, ex-republicano que se tornou “independente” a partir de 2007.
ATAQUE REPUBLICANO
Diante da evidência de um fiasco, o republicano partiu para o ataque nas últimas semanas. Elevou o tom nos debates e passou a veicular na TV um filme alarmista com imagens do passado de violência urbana de Nova York –uma época de insegurança que seria restaurada em caso de vitória de Blasio.
Do outro lado, a campanha democrata tenta colar no oponente o rótulo de candidato dos ricos. De 2002 a 2011, Lhota foi executivo sênior do magnata James L. Dolan, dono da TV paga Cablevision, do Madison Square Garden e dos times de basquete e hóquei da cidade –o Knicks e o Rangers. Nesse período, ele fez lobby para a prefeitura reduzir taxas que incidiam sobre os negócios do grupo.
Embora por si só não expliquem a vantagem de Blasio, mudanças no perfil social e demográfico de Nova York, nos últimos anos, associadas aos efeitos da crise econômica, favorecem o discurso democrata –que os críticos acusam de demagógico.
Em 1990, a população branca da cidade desempenhava um papel preponderante, com 42,3% do total –enquanto negros e latinos se dividiam equanimemente, em fatias de 25%. Hoje, Nova York possui uma população de 33% de brancos, seguida de perto pela hispânica, com 29% –enquanto os negros são 23%. A desigualdade é outra característica da metrópole: 45% de seus habitantes estão em situação de pobreza ou próximos disso.
Num artigo para o “New York Times” (“O Novo Populismo Urbano”, 22/10), em que coteja esses e outros dados, o jornalista Thomas B. Edsall cita dados reveladores quanto às repercussões políticas desse quadro.
Estudos eleitorais de um instituto ligado às universidades de Stanford e Michigan mostram ser dominante entre hispânicos e negros a ideia de que cabe ao Estado zelar pela oferta de “trabalho e bom padrão de vida para todos”. Já a maioria dos brancos acredita que o governo deve “simplesmente deixar que cada um um siga em frente por si mesmo”.
É nesse cenário, com uma sintomática aparência de “brasilização” socioeconômica, que Blasio está prestes a conquistar Nova York.