O Cafezinho publica, não sei se com exclusividade, a íntegra do embargos infringentes de José Dirceu, condenado pelo STF como “chefe político” do mensalão. A defesa de Dirceu concentra suas baterias em derrubar a condenação por formação de quadrilha, usando como referência os argumentos dos ministros que absolveram o ex-ministro desse crime: Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Carmen Lucia.
Ninguém sabe o que pode acontecer, ainda mais porque é fácil antever a pressão midiática sobre os ministros para que não revejam a condenação de Dirceu neste item. Se absolvido do crime de formação de quadrilha, Dirceu terá sua condenação sensivelmente reduzida, e não cumprirá a pena em regime fechado.
Mas a chegada dos novos ministros Teori Zavacski e Luís Roberto Barroso é promissora, porque eles se revelaram, até certo ponto, ministros um pouco mais independentes da submissão à mídia, na comparação com os outros.
Celso de Mello agora é um mistério. Ou ele tentará se redimir com a mídia, por tê-la desagradado ao votar em favor dos infringentes, ou dará outro voto de coragem, mudando seu entendimento sobre a condenação de quadrilha para Dirceu. Tenho impressão que a primeira hipótese é a mais provável.
Por falar em pressão midiática, chamou-me a atenção uma entrevista concedida por Barroso ao Globo, neste final de semana. Observe esses trechos, em que Barroso fala da pressão sobre a sua família:
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“As críticas [ao voto do ministro, em favor dos infringentes] não o incomodaram?
As críticas me incomodaram na medida em que a minha mulher sofreu, os meus filhos sofreram. As redes sociais dizem barbaridades. Porém, ou não sofri na minha relação comigo mesmo um segundo sequer. Na minha relação com o mundo, evidentemente eu lamento.
(…)
Acho que na AP 470 as paixões foram muito intensas. Faz parte da vida. A pior coisa que me aconteceu foi em São Paulo, no hospital com a minha mulher, uma médica disse: “não gostei da sua votação”. Foi a única coisa que aconteceu. Quando as paixões se exacerbam não há racionalidade possível, não há o debate possível, e isso me causa grande frustração. Uma das tristezas que sofri lendo no Globo que a admissão dos embargos infringentes trouxe grande descrédito para o Supremo. Em seguida, o texto dizia que Celso de Mello demonstrou que os embargos infringentes cabiam. A minha pergunta íntima é: então, para não sofrer descrédito, a gente deveria ter feito o errado? Fiz exatamente o que achava que deveria ter feito e eu acho exatamente o que eu disse.”
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Repare na delicada crítica que Barroso faz ao Globo, ao citar a tentativa do jornal em tentar associar a vitória dos infringentes a um suposto “descrédito” do STF.
O estilo de Barroso é suave. Ele faz uma série de concessões à violência do Globo, até porque, como ele mesmo admite, sua própria família está exposta às violências simbólicas praticadas pela mídia.
Por isso mesmo, o julgamento do mensalão pôs tanto em evidência a fragilidade dos ministros. Os jornalões podem não ter o poder que possuíam antes sobre a massa, mas ainda exercem influência sobre os nichos sociais em que vivem os ministros do supremo. Seus filhos sofrem violências de seus coleguinhas de escola, e suas esposas são xingadas nos hospitais particulares que frequentam. É preciso que a sociedade faça uma reflexão sobre os riscos que isso traz à estabilidade política, dada a importância crucial do STF para a segurança jurídica do regime democrático.
Esperemos, no entanto, que os ministros do STF dêem prosseguimento ao julgamento da Ação Penal 470 com um pouco mais de desenvoltura em relação à mídia. Que não confundam a verdadeira opinião pública, com a de grupos derrotados politicamente, que não representam a população brasileira, e sim segmentos dominados por sentimentos de vingança pelas derrotas que a democracia vem lhes impondo. Que votem tecnicamente, deixando de lado essas asquerosas teses linchatórias a que setores da mídia, na falta de provas para condenar Dirceu e outros, se agarraram com tanta ênfase.
Condenar alguém sem provas, injustamente, só porque essa pessoa exerceu cargos de poder, não será nenhum exemplo na luta contra a corrupção. Ao contrário, será um golpe contra o estado democrático de direito e um atentado aos direitos humanos dos réus.