Ao criar a Controladoria Geral do Município, que na sua primeira atuação desbaratou uma quadrilha acusada de desviar meio bilhão de reais, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ensinou o que é ser ético na prática, e não apenas no gogó. Mostrou também o valor da política. É importante ser pragmático sim, fazer alianças sim, porque é preciso ganhar a eleição justamente para dar combate aos desvios de recursos públicos e promover justiça social.
Haddad deu uma lição de ética em todos esses movimentos anticorrupção, cujo partidarismo se revela no silêncio constrangido com que reagem ao desbaratamento sucessivo de esquemas tucanos.
O que se descobriu até aqui é um esquema verdadeiramente apavorante. Enquanto os pobres de São Paulo penavam em intermináveis engarrafamentos, sofrendo com enchentes, incêndios suspeitos, violência sem controle, saúde precária, um grupo de servidores públicos ganhava, cada um, mais de R$ 60 mil por semana.
E tudo isso às custas de acharcar empreiteiras, elas também culpadas por aceitarem caladas um esquema desse nível.
Aliás, apareceu finalmente o primeiro corruptor.
Leia abaixo matéria publicada há pouco na Infomoney:
Brookfield pagou propina em esquema que pode chegar em até R$ 500 milhões
Esquema durou entre 30 de novembro de 2009 e 5 de outubro de 2012, durante gestão de Gilberto Kassab, que no período migrou do DEM para o PSD.
Por Felipe Moreno.
Representantes da Brookfield (BISA3) confirmaram nesta sexta-feira (1) que participaram do esquema de pagamento de propina descoberto na prefeitura de São Paulo, que pode chegar até R$ 500 milhões. A participação da incorporadora, porém, é pequena: admitiu-se o pagamento de apenas R$ 4,12 milhões.
A operação do MP (Ministério Público) e da Controladoria Geral do Munícipio investiga um esquema que durou entre 30 de novembro de 2009 e 5 de outubro de 2012, durante a gestão de Gilberto Kassab, do PSD. O esquema teria sido interrompido dois dias antes do primeiro turno da eleição de 2012. O novo prefeito, o petista Fernando Haddad, tem tratado o caso como um dos “maiores escândalos” já encontrados na prefeitura paulistana.
Os pagamentos da Brookfield foram feitos, em sua maioria, na conta corrente dos fiscais e corresponde ao valor para liberar 20 empreendimentos na cidade de São Paulo. De acordo com o jornal Estado de S. Paulo, a propina costuma a equivaler a 50% do custo do ISS (Imposto sobre Serviços). O imposto é um requisito para que os empreendimentos obtenham o habite-se, podendo ser comercializados.
Os promotores do caso ainda apuram se as incorporadoras eram vítimas dos fiscais ou parceiras – o que pode fazer uma grande diferença no valor da multa a ser paga. A investigação é parte da “Operação Acerto de Contas” para combater a corrupção dentro das repartições municipais. As ações da empresa caem 2,84%, aos R$ 1,37.
O MP deve estudar se as empresas tinham a opção de pagar o imposto inteiro ou ter de que recorrer ao grupo de fiscais. Os Ronilson Bezerra Rodrigues e Eduardo Horle Barcellos eram os líderes da quadrilha, enquanto Carlos di Lallo Leite do Amaral e Luis Alexandre Cardoso Magalhães eram seus comandados.
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Outra matéria sobre o assunto, que merece ser lida, publicada no 247:
Ao 247, controlador geral Marcos Vinícius Spinelli diz que outros onze processos completos contra servidores municipais corruptos de São Paulo já estão nas mãos do Ministério Público; todos montados por sua equipe de agentes intocáveis; casos ainda mais rumorosos que o da quadrilha que desviou mais de R$ 200 mihões em ISS, presa na quarta-feira 30, podem surgir; “Jornalista faz pergunta difícil”, respondeu ele, com bom humor, ao ser perguntado a respeito; para Spinelli, considerado o cyber investigador mais capacitado do País, o segredo é a alma do negócio; “Quando a casa cair para os corruptos, eles saberão que estávamos na caça”; no caso do ninho de corrupção, depois do nome da construtora Brooksfield agora surge o da Odebrecht; exclusivo
1 DE NOVEMBRO DE 2013 ÀS 11:11
Marco Damiani_247 – Estamos diante de um xerife. Cuidadoso, mantém as portas de seu gabinete sob trancas eletrônicas. Entusiasmado, o controlador geral Marcos Vinícius Spinelli não disfarça uma larga satisfação ao narrar a lista de bens e imóveis em nome dos quatro altos funcionários da Secretaria Municipal de Finanças na gestão Gilberto Kassab presos na quarta-feira 30, em São Paulo.
– Esse apartamento vale dois milhões de reais, esse aqui um milhão e seiscentos mil. Essa casa de esquina é para renda de aluguéis para escritórios aponta ele para a tela do computador de sua mesa de trabalho, cada informação acompanhada de uma foto colorida e ensolarada do respectivo imóvel. “Minha equipe vai a campo completar as informações, temos muitas fotos e vídeos”, explica Spinelli, que construiu nome, em Brasília, talvez como o maior craque surgido no time de estrelas do Coaf e da Controladoria Geral da União.
Ao todo, a lista de bens da quadrilha presa que ele mostra ao 247 inclui dois barcos de 40 pés cada um e soma R$ 18 milhões em patrimônio.
Spinelli está visivelmente satisfeito. Sua técnica de conexão de informações, checagens e aprofundamentos se mostra, a serviço da Prefeitura, em grande forma. Com apenas quatro auxiliares e um orçamento de R$ 3 milhões este ano, existem neste momento no Ministério Público nada menos que onze processos contra suspeitos de corrupção na Prefeitura montados pela CGM e próximos de serem executados em juízo.
O controlador geral fica rubro quando perguntado por 247 se tem outro caso em andamento semelhante, em importância política, ao do estouro do ninho de corrupção na Subsecretaria de Receita Municipal da gestão anterior. Sorri bastante mas não responde, é claro: o segredo é a alma do trabalho dele. Mas deu sim uma pista:
– Jornalista faz pergunta difícil, divertiu-se.
NOVAS PRISÕES POR PERTO – Em silêncio, Spinelli está, sim, perto de prender outros funcionários públicos municipais corruptos. Além dos quatro encarcerados na quarta 30, as investigações que ele comanda já levaram outros dois para o xadrez. Após entregar seus dossiês ao Ministério Público, a equipe de Spinelli usa os mesmos dados para concluir processos que levarão a exonerações e perdas do direitos de aposentadoria para os envolvidos.
O controlador nem esperava tanta facilidade para desbaratar a quadrilha que ficou famosa esta semana. “O método que eles montaram para obter dinheiro das construtoras até tinha uma certa engenharia, mas a maneira para escondê-lo foi primária, com tantas aquisições em nome próprio e depósitos diretos em contas correntes pessoais”, espantou-se. “Isso demostra confiança na impunidade, mas aqui isso acabou”.
A quadrilha que deu fama imediata, em São Paulo, a Spinelli era formada pelo ex-subsecretário da Receita Rolilson Bezerra Rodrigues, o ex-diretor de Arrecadação Eduardo Horle Barcelos e os auditores Carlos Augusto Di Lallo Leite do Amaral e Luis Alexandre Cardoso Magalhães. O grupo cobrava propinas de 30% a 50% sobre o valor do ISS – Imposto Sobre Serviço – devido pelas construtoras. Eles tomavam o dinheiro e, em seguida, expediam guias oficiais como se o pagamento com descontos tivesse sido feito normalmente. Na diferença entre o imposto corretamente devido e o que foi efetivamente pago estava a margem para a roubalheira.
APARECEU A ODEBRECHT – Pelo menos sete grandes construtoras aceitaram participar da trama. Depois do nome da Brooksfield, agora é o da construtora Odebrecht que aparece no caso, na qualidade de proprietária de uma empresa com outro nome. O controlador calcula que pelo pelo menos 350 prédios em São Paulo foram construídos e aprovados pelo sistema de pagamento de propina sobre o ISS. Mais de 350! “Preciso ver melhor, mas esse número é maior”, ressalva ele.
Spinelli lembra que, em todo o organograma da Prefeitura, apenas dos integrantes dos departamentos que cuidavam da aprovação de obras nas gestões de José Serra e Gilberto Kassab não eram exigidos documentos sobre o patrimônio pessoal. Assim, os funcionários desses setores poderiam ter grandes variações patrimoniais sem que, dentro da máquina pública, houvesse um mecanismo de checagem contra a acumulação de bens. “Isso é muito estranho”, diz o controlador. “È quase um incentivo ao mau feito”
APROV NA MIRA – A equipe do controlador, neste momento, continua investigando em profundidade os meandros da antiga Secretaria de Finanças e, em especial, os setores ligados a liberações de edifícios. O Aprov, área de aprovações de edificações da Prefeitura, no qual o famoso Hussain Aref Saab, dono de 106 imóveis, brilhou ao contrário, tornando-se sinônimo de corrupção, está na mira de Spinelli.
Neste sentido, o controlador geral agora vai para cima das construtoras que pagaram propinas aos servidores presos. “As empresas não se comportaram como vítimas que sofreram coação, não fizeram nenhuma denúncia”, assinala. “Vamos cobrar todos os impostos não pagos”, garante ele, como quem não tem dúvida de que devolverá dezenas de milhões de reais aos cofres municipais. “Terão de vir aqui e apresentar as notas fiscais referentes aos descontos que obtiveram em suas guias. O que faltar vai ter de ser pago”, simplifica Spinelli.
Bem humorado e rápido, ele aumentou os cuidados com a segurança pessoal. Tudo o que faz, informa ao prefeito Fernando Haddad. Mas guarda para si o momento de levar ao conhecimento do chefe os estágios das investigações. No prefeito, sem dúvida, tem seu fã número um:
– Me orgulho de ter criado a controladoria e ter trazido para São Paulo um quadro da competência do doutor Spinelli, afirma Haddad. Em tempo: antes dessa gestão, nunca antes a máquina municipal tivera um órgão encarregado exclusivamente de fiscalizar a corrupção. No próximo ano, o orçamento da equipe de Spinelli saltará dos atuais R$ 3 milhões para R$ 15 milhões.