Denúncia contra FURP chega ao Congresso

O problema de escrever sobre os escândalos da Fundação para Remédio Popular de São Paulo (FURP) é que não se sabe por onde começar, tantas são as denúncias, todas com abundantes documentos a fornecer indícios de fraudes, superfaturamento e corrupção.

Outro problema é a falta de confiança no Ministério Público de São Paulo, que ou não investiga, ou investiga e depois engaveta.

Os funcionários que encaminharam a denúncia para o Cafezinho, também o fizeram para o Ministério Público, que respondeu apenas protocolarmente ter recebido os documentos, mas informou que até agora sequer distribuiu a denúncia para o setor adequado.

Um dos chefes da máfia, no final de semana seguinte à denúncia, esteve na sede da FURP recolhendo documentos, o que provocou enorme desconforto nos funcionários. A euforia inicial, de que haveria investigação e que as coisas melhorariam a partir dali, deu lugar à um sentimento de frustração, revolta e receio de retaliação.

Entretanto, há pelo menos uma notícia boa. Mais novo titular da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle do Congresso Nacional, o deputado federal Renato Simões (PT-SP), decidiu comprar a briga e tomou a iniciativa de abrir um processo de fiscalização sobre o uso dos recursos federais destinados a essa instituição. O pedido já foi assinado e o próprio Simões deverá ser o relator do processo. Esse pode ser um ponto de partida interessante.

O blog está em contato com o deputado, que lhe prometeu, via sua assessoria de imprensa, mantê-lo atualizado sobre o tema.

Sobre as denúncias, como eu ia dizendo, é difícil saber por onde começar. Mas vamos começar por uma das coisas que, segundo o documento que me foi enviado por um grupo de servidores da instituição, mais incomodam os funcionários: os contratos de alimentação.

Vamos repetir um trecho da denúncia dos próprios funcionários, e depois faremos algumas observações:

Empresa: Convida

Essa é outra empresa sortuda. Está na Furp há anos (muitos anos). Primeiro com o nome de DeNadai e agora como Convida. Ela já esteve envolvida no escândalo de merenda escolar.

Oferece um serviço de péssima qualidade. A Furp já ficou sem pagar essa empresa por um período e chegou-se ao ponto de faltar ingredientes para preparar o almoço para os funcionários. Estava marcado para o dia 21/12/12 o pregão eletrônico para contratar novo serviço de alimentação (página 348 do Anexo 11 – PC 79393 Alimentação). Muitos funcionários estavam esperançosos, mas ao mesmo tempo sabiam que um jeito iria ser dado para que a Convida vencesse. O pregão eletrônico foi suspenso, conforme e-mail encaminhado à Gerência de Suprimentos em 18/12/12, sem que maiores explicações fossem fornecidas (página 385). De acordo com esse e-mail, orientações foram dadas para que o pregão fosse suspenso.

Pergunta-se: Que orientações foram essas? Quem orientou?

Suspeita-se de que haviam muitas empresas concorrendo ao processo e a Convida poderia perder a licitação. Após a reabertura, Convida saiu vencedora, assinando um contrato no valor primitivo de R$ 3.426.000,00 por 12 meses

(página 883). Essa empresa já foi motivo de questionamento junto à ALESP (http://www4.al.sp.gov.br/propositura/?id=576995).

O valor estimado firmado entre Furp e Convida no contrato anterior foi de R$ 15.754.203,40 (página 1738 do Anexo 12 – PC 66707 Alimentação).

*

A Convida tem vários processos em trâmite no Ministério Público de São Paulo. Numa procura rápida na internet, achei acusações pesadas do MP-SP contra a empresa. Um dos inquéritos fala de inúmeras “práticas criminosas” em várias cidades de São Paulo ou mesmo de outros estados, sempre em conluio com prefeituras e empresas públicas. Neste caso, o prefeito de Jandira, interior de SP, teve seus bens bloqueados e depois foi condenado pela Justiça. Mas as empresas continuaram atuando, entre elas a Convida. Talvez o fato do prefeito ser do PT tenha estimulado o Ministério Público e a imprensa a agirem.

No escândalo da merenda no âmbito da prefeitura de São Paulo, tanto MP como imprensa também se mobilizaram porque havia um petista envolvido, Valdemir Garreta, secretário de Comunicação e de Abastecimento da gestão Marta Suplicy. Lá estava a Convida, que mais uma vez escapa incólume.

No caso de contratos com a FURP, as denúncias contra a mesma empresa tem sido engavetadas. Não se investiga nem o suposto corrupto nem o suposto corruptor. O MP paulista é partidário?

Em 2012, um decreto legislativo, referente a um inquérito sobre a licitação vencida pela Convida (antes conhecida por De Nadai) na FURP, avalizou a opinião do Tribunal de Contas do Estado, de que havia vários indícios de fraude e encaminhou a denúncia ao Ministério Público.

DECRETO LEGISLATIVO 2370, DE 24 DE ABRIL DE 2012

(…)
ARTIGO 1 – FICA RECONHECIDA A DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, NO ACÓRDÃO REFERENTE AO PROCESSO TC – 4657/026/97, QUE VERIFICOU IRREGULARIDADES EM CONTRATO FIRMADO ENTRE A FUNDAÇÃO PARA O REMÉDIO POPULAR (FURP) E A DE NADAI RESTAURANTE INDUSTRIAL LTDA.

ARTIGO 2 – EXPEÇA-SE OFÍCIO AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA QUE SEJAM TOMADAS POR ELE AS MEDIDAS CÍVEIS E CRIMINAIS CABÍVEIS.

*

O MP, porém, não tomou nenhuma providência efetiva e a Convida ganhou outra licitação (mais uma vez, de forma suspeita) na FURP ao final de 2012, para desespero dos funcionários, que experimentam, no próprio estômago, a qualidade inferior dos alimentos e serviços oferecidos pela empresa, apesar dos altíssimos valores pagos pela FURP.

 

Renato Simões, deputado federal

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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