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A corajosa autocrítica partidária de Roberto Amaral

O vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, publicou há pouco um artigo no qual prega a não destruição de pontes entre os partidos do campo progressista. Cita nominalmente PT, PCdoB, PSB e PDT, como legendas que tem um legado em comum e objetivos similares. Pede a seus dirigentes para distinguir entre as diferenças táticas (e eleitorais) […]

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O vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, publicou há pouco um artigo no qual prega a não destruição de pontes entre os partidos do campo progressista. Cita nominalmente PT, PCdoB, PSB e PDT, como legendas que tem um legado em comum e objetivos similares. Pede a seus dirigentes para distinguir entre as diferenças táticas (e eleitorais) e as semelhanças estratégicas (ideológicas).

É um artigo bonito, talvez até meio ingênuo, do ponto-de-vista político, tanto que o 247 explorou uma contradição: o fato de Amaral criticar economistas neo-liberais que hoje estão ao lado de Marina Silva, sua correligionária e maior companheira de Eduardo Campos, presidente do PSB e pré-candidato a presidente da república.

Mas contradições fazem parte da política. Amaral faz também a luta interna de ideias, alertando seus próprios companheiros de partido.

Ademais, concordo com Amaral. É preciso fazer política com P maiúsculo e buscar convencer, unir e transformar. Os horizontes de uma revolução ainda estão distantes, diz Amaral. Mas não sempre estiveram, digo eu, inclusive às vésperas das revoluções?

De qualquer forma, a postura de Amaral é a de uma verdadeira liderança, imbuída de senso histórico e preocupada com as armadilhas que a vaidade traz ao campo progressista. É, na verdade, uma corajosa autocrítica. Ao seu próprio partido. E das mais duras.

*

De tática e de estratégia

A eleição presidencial, do ponto de vista político-ideológico, será travada em condições mais difíceis para o campo progressista.

Por Roberto Amaral, vice-presidente do PSB.

Tática e estratégia são termos bastante conhecidos pelos militantes da esquerda, pois, de certa maneira, foram importados da guerra (Clausewitz, 1832) para a política, pela práxis do chamado marxismo-leninismo. A vitória, objetivo final da guerra, é a soma de conquistas e, às vezes, de derrotas, táticas. A história está repleta de exemplos paradigmáticos e um deles, dentre tantos, é o das retiradas táticas de Kutuzov, preparatórias da vitória da Rússia sobre Napoleão e o Exército francês. Com todos os riscos das simplificações, ouso dizer que estratégia (que se pode definir, latu senso, como a arte de explorar as condições de luta em proveito de determinado objetivo) é, politicamente, o objetivo final, e a tática, a ação instrumental – meio, ou, se quiserem, o movimento, ou guerra de posições (Gramsci), esta muito condicionada pelas circunstâncias.

O pleito de 2014, já em curso, coloca na cena adversários eleitorais, e, de certa maneira, adversários políticos, na medida em que tivermos visões políticas — visão de mundo e de Brasil–, distintas (O suposto é que comunistas, socialistas, social-democratas, trabalhistas, liberais, conservadores et caterva as tenham). Adversários que deverão se definir, e se possível se distinguir entre si, em face de problemas concretos, como saúde, educação e segurança, mazelas que não são causa, mas efeito da ordem capitalista, que os socialistas combatem.

Deles é a inimiga estratégica (final), provedora de todas as injustiças sociais cevadas pelo Estado de classes e seu testamento de desigualdades econômicas, políticas e sociais, das quais resultam (pois não caíram dos céus) a disfunção da saúde pública (e não da saúde privada), a disfunção da educação pública (e não da educação privada), a disfunção da segurança pública (e não da segurança privada). O que não funciona é o SUS. O Sírio-Libanês e os Einsteins, como seus quejandos, funcionam muito bem. Para quem pode pagar. O campo progressista combate, tendo como adversário estratégico o campo conservador. Táticas, entretanto, podem ser as divergências que sempre ocorrem em nosso campo, na busca incessante de definir o melhor meio de enfrentar o inimigo estratégico, hoje, como ontem, pronto a suprimir conquistas democráticas e sociais, pois esta é a essência do capitalismo.

O socialismo – é sempre bom lembrar – nasce da crítica ao capitalismo (e, dele conseqüente, a ditadura da burguesia sobre o proletariado, do capital sobre o trabalho) e tem como seu objetivo final (ou estratégico) a derrocada do regime de injustiças e sua substituição por uma sociedade sem classes, fundada, portanto, na liberdade e na igualdade. A fraternidade do Iluminismo chega por conseqüência. Mas a Revolução tout court não está posta, e não é uma expectativa vista de nosso horizonte histórico. Por força disso que parece ser uma evidência, aqueles que contestam o capitalismo e o elegem como adversário, socialistas à frente, optaram pela via eleitoral, dentro do capitalismo e segundo suas regras, para a disputa, imediata, do governo, e, remotamente, do poder (quem sabe quando?). Em outras palavras, os revolucionários se tornam reformistas pro tempore. Mas, lembre-se sempre, sendo tática, isto é, imposta pela oportunidade, a opção reformista não implica, necessariamente, renúncia à revolução, a ser pleiteada quando as condições objetivas indicarem seu momento. O problema é que muitas vezes nem reformistas conseguimos ser.

Para os socialistas, portanto, o período eleitoral é também o rico momento de proselitismo, de defesa de suas teses, de difusão de seu programa, de conquista de adeptos. É o momento de falar ‘aos corações e mentes’, de fortalecer suas organizações e preparar as condições favoráveis para uma futura base de governo progressista.

Por força dessas considerações, todos os objetivos eleitorais são táticos, e táticas são as alianças que a lógica dos pleitos impõe, com o peso, inclusive, das contradições programáticas, desde que não se perca de vista o combate ao adversário estratégico.

É o retrato da realpolitik.

A disputa pela Presidência da República, porém, não é irrelevante, ditam nossas derrotas e nossas vitórias recentes.

Significa a intervenção possível, hoje, na realidade que se pretende transformar, em favor do progresso das forças sociais. Se ainda não é possível revolver o Estado de classes, reformulemo-no, fazendo emergir os interesses das massas sotopostas, sempre irmãos dos interesses da Nação, do desenvolvimento, da soberania, donde, no caso brasileiro, a associação entre nacionalistas, socialistas e a esquerda de um modo geral. Dou como exemplo de iniciativa nesse sentido o governo Vargas do período democrático (1951-54). Juscelino, após a inflexão reacionária do regime tampão de Café Filho (1954-1955), reuniu o apoio popular a composições com o capital nacional e internacional. Superou as diversas tentativas de deposição e cimentou o projeto desenvolvimentista. Jango (1961-1964) assinala a primeira grande emergência das massas em todo o período republicano. Mas emergência frustrada pelo golpe militar de 1964. Lula (2003-2011), promove o encontro das grandes massas com o intento varguista da conciliação de classes. Manteve-se no poder, reelegeu-se e elegeu sua sucessora.

Nessa perspectiva, podemos dizer que, com as alianças (ações táticas) possíveis, os governos Vargas (PTB-PSD) e Lula (PT-PMDB, principalmente no segundo quatriênio) lograram perseguir o desenvolvimento (um desenvolvimentismo que eu chamaria de ‘nacional-popular’) do país como ponto de partida para realizar – não a justiça social, porque ela é impossível sob o capitalismo – mas a emergência política, econômica e social das grandes massas, produzindo riqueza e distribuindo renda como meio de reduzir as brutais desigualdades sociais e econômicas que fazem de nosso país um dos mais injustos do Planeta.

O governo Dilma, não obstante a persistente crise financeira internacional, não só dá continuidade ao binômio desenvolvimento-distribuição de renda, como ousa enfrentar o capital financeiro, ao promover a baixa dos escandalosos juros praticados desde sempre em nossa economia. Esbarra, entretanto, no alto preço que o presidencialismo brasileiro, dito de ‘coalizão’, cobra para a governabilidade que fugiu das mãos de João Goulart. Rende-se, no Congresso, à base conservadora, constituída por oportunistas de todos os matizes, sob a liderança paralisante do PMDB. O fato objetivo é que nenhum governo democrático brasileiro conseguiu realizar a reforma do Estado. Os pontos principais das ‘reformas de base’ levantadas por Jango estão dramaticamente atuais.

A disputa, portanto, dar-se-á, no plano programático-ideológico, a partir dessa realidade fática. De um lado estará o nosso adversário estratégico, o campo conservador, que trabalha sob o marco da tragédia que foi o governo neoliberal de FHC, definido como exemplar por Mailson, Malan, Armínio Fraga, Lara Rezende, Gianetti e outros, incensados no cotidiano pela mídia vassala. Do outro lado, o campo progressista, ao qual cabe consolidar e aprofundar essas conquistas da democracia brasileira, ela própria uma conquista, como a distribuição de renda, espargindo seus benefícios por um número ainda maior de brasileiros e, ademais, melhorando a qualidade desses benefícios.

Prever o futuro, adiantar os fados, isso é obra de cartomantes, pitonisas e astrólogos. Não possuo esses dons. Posso, porém, ad argumentandum, projetando para 2014 os dados de hoje, afirmar que as eleições presidenciais, do estrito ponto de vista político-ideológico, ressalte-se, travar-se-ão em condições mais difíceis para o campo progressista (considerando-se a ambiência em que se desenvolveram as eleições de 2002 até aqui), posto que, a despeito das inegáveis conquistas dos últimos 10 anos, as esquerdas se acomodaram ao presidencialismo de coalizão e perderam espaço na formulação de propostas governamentais, o que só é amenizado pela evidência de que a direita se apresenta, partidariamente, envolta em contradições internas insuperáveis no eixo São Paulo – Minas. Não tenhamos, entretanto, ilusões. Para o imperialismo americano o Brasil é muito importante, não só do ponto de vista econômico como, principalmente, geopolítico. Na hora apropriada, a direita marchará unida, com o apoio da mídia goebbeliana, a trombetear a revisão histórica das conquistas até aqui havidas e o retorno ao delírio neoliberal.

Essas considerações constituem um longo preâmbulo para a discussão de matéria que me parece mais de fundo: a continuidade da união das forças progressistas e de esquerda, para além do pleito de 2014, que, mirando-se o mundo do alto da ponte, é uma incidência, importante, mas apenas isso para quem pensa em termos históricos. A esquerda orgânica precisa cuidar para que as tricas e futricas (inevitáveis) da disputa eleitoral, a política menor, não se sobreponham ao projeto da grande política, que é a construção das opções populares. E a mais didática forma de os partidos da esquerda – PSB, PT, PCdoB e PDT -revelarem esses objetivos maiores, de união na ação, é avançarem na atuação conjunta no movimento social. No momento em que, justamente, sobreleva a febre eleitoral, é hora de nossos dirigentes contemplarem o futuro que é a continuidade da ação comum nas lutas empreendidas pelos movimentos sociais.

Ademais, qualquer que seja o pronunciamento da cidadania eleitoral, é fundamental, para nosso futuro, que os partidos do chamado ‘campo das esquerdas’ renovem e aumentem substancialmente suas presenças no Congresso, de especial na Câmara dos Deputados, onde, atualmente, somos esmagada minoria, a mercê de transações que se operam à margem da política e de qualquer ordem de ética.

Ninguém, a não ser os anjos no Paraíso e os paranoicos na terra, realiza a política dos seus sonhos na Passárgada que inventou; todos fazemos a política possível (com os dados fornecidos pela realidade) no mundo real, um possível condicionado pela ordem ética de cada um. A preeminência das circunstâncias sobre o sonho, da realidade sobre a vontade, não constitui, porém, um determinismo. Se ao agente político não é dado escolher as condições nas quais vai atuar, cabe-lhe, sempre escolher, livremente, o papel a exercer nas circunstâncias dadas.

Leia mais em www.ramaral.com

*Roberto Amaral é vice-presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ex-ministro da Ciência e Tecnologia e ex-presidente diretor da empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS)

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Marcelo Ferreira Silva

01/11/2013 - 17h16

um partido que tem como aliados maluf, sarney, jader ,roseana e renam pode ser classificado como progressita?

Rosane Regis

31/10/2013 - 16h30

Grande Roberto Amaral!
Mas bem que o PSB podia ter passado sem essa aliança com a REDE.
INDA MAIS, como o próprio dirigente colocou que será no plano programático-ideológico que vai se dar a disputa. E a história do partido socialista o habilitava a não repetir o erro do PT que tornou-se refém do PMDB antes de qualquer enfrentamento.
Ao menos, ler a reflexão abaixo, melhora a auto-estima socialista.
ESQUERDIZA PSB.
ESQUERDIZA PT.
ESQUERDIZA BRASILLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL!

“…A disputa, portanto, dar-se-á, no plano programático-ideológico, a partir dessa realidade fátidica.
… posto que, a despeito das inegáveis conquistas dos últimos 10 anos, as esquerdas se acomodaram ao presidencialismo de coalizão e perderam espaço na formulação de propostas governamentais,, o que só é amenizado pela evidência de que a direita se apresenta, partidariamente, envolta em contradições internas insuperáveis no eixo São Paulo – Minas. Não tenhamos, entretanto, ilusões. Para o imperialismo americano o Brasil é muito importante, não só do ponto de vista econômico como, principalmente, geopolítico. Na hora apropriada, a direita marchará unida, com o apoio da mídia goebbeliana, a trombetear a revisão histórica das
conquistas até aqui havidas e o retorno ao delírio neoliberal.”

Rosane Regis

31/10/2013 - 16h30

Falta agora a auto crítica do PT.

André Mattana

31/10/2013 - 16h02

Se o PSB perde a eleição e a Dilma se reelege, o PSB não vai querer ficar de fora da base. Se o PSB ganha, ele precisaria do apoio dos PT, PCdoB, PDT para governar.


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