A teoria de Nogueira é certíssima. Hoje em dia, no Brasil, é muito fácil falar mal do PT ou do governo. Porque vivemos uma democracia, e o PT tem tradição democrática de lidar tranquilamente com a crítica (diferente de alguns partidos, que promovem censura em redes sociais, e pedem a “cabeça” de jornalistas).
Na verdade, criticar o PT virou a coisa mais politicamente correta que há. Politicamente incorreto seria, numa plateia de riquinhos, elogiar o PT. Ou fazer uma piada que zombasse do ódio da mídia à Lula.
Politicamente incorreto seria fazer piada com a sonegação da Globo. Aí sim teríamos um humor corajoso. O humor que caras como Danilo Gentili fazem é humor de puxa-saco da elite financeira. Chapa branquismo da pior espécie.
Por isso são tão decadentes.
O humor chapa branca de Danilo Gentili e assemelhados
Por Paulo Nogueira, no Diario do Centro do Mundo.
Falei já aqui do que é jornalismo chapa branca: é escrever tudo aquilo que os donos das companhias de mídia querem que você escreva. Você ataca as pessoas e as ideias das quais os barões da mídia não gostam. E é altamente positivo para os favoritos dos empresários jornalísticos, como Joaquim Barbosa e José Serra.
Isto é o jornalismo chapa branca, na versão brasileira do novo milênio. Alguns jornalistas têm dificuldade extrema em reconhecer isso. Dias atrás, a jornalista Míriam Leitão disse que jamais escreveu ou disse qualquer coisa que não fosse ideia exclusivamente dela.
Temos então um caso raro: o de uma absoluta, torrencial, intransponível coincidência de ideias entre os donos da Globo e Míriam Leitão. Eles não devem discordar sequer sobre a escalação da seleção brasileira.
O fenômeno da “chapa-branca-que-não-parece-chapa-branca-mas-é” está presente também no humorismo brasileiro. Seus representantes se apresentam como “politicamente incorretos”, mas quem acredita nisso acredita em tudo.
Como os jornalistas chapa branca, os humoristas chapa branca investem contra pessoas que o chamado “1%” – cuja voz é precisamente a Globo – detesta.
Você já os viu fazer humor politicamente incorreto com a compulsão de sonegar da Globo, por exemplo? Não viu. E não verá. As boas relações com a “turma do dinheiro” são vitais para que os humoristas chapa branca ganhem convite para participar (ou até liderar) programas de rádio e tevê, e para que sejam incluídos em eventos empresários nos quais o cachê é uma beleza.
Um desses humoristas me chamou particularmente a atenção num vídeo que circulou pelo Twitter estes dias: Danilo Gentili.
No vídeo, sob olhares de Lobão e de Olavo Carvalho, Gentili conta uma história que, segundo ele, resume o Brasil: a dele mesmo.
Vou abreviar: ele diz que, por ter nascido num cortiço em Santo André, sabe que os pobres brasileiros detestam a “praga chamada PT”. Sua certeza se funda em bases científicas: os amigos pretéritos de cortiço. Eles xingavam Lula. Os votos e as pesquisas, naturalmente, não são nada diante da amostragem de Gentili.
A “livre iniciativa” o salvou. Gentili se refere à “livre iniciativa” como um fundamentalista evangélico fala da salvação pela “palavra” – a bíblia.
Pesquisei sobre Gentili depois de ver o vídeo. Vi que ele ficou furioso porque a Folha disse que a comédia Mato sem Cachorro, na qual ele trabalha, faz sucesso de bilheteria mesmo sem ter nenhum humorista famoso. Ele se considerou injustiçado, porque é “famoso”.
Vi também uma piada que ele fez quando Dilma era candidata. “Muita gente vai votar nela porque foi presa e torturada”, disse ele. “Eu não. Se ela foi presa e torturada é porque é idiota.” Isso é o que se chama de analfabetismo político num grau irremediável.
Nelson Rodrigues disse certa vez que se a televisão é de baixo nível é porque seu público também é, e o baixo nível de ambas as partes, por isso, fica justificado e mutuamente absolvido. Vale o mesmo para Gentili – e derivados — e sua plateia.
Aquele tipo de piada com Dilma é “politicamente incorreto”. Mas, na verdade, é “economicamente correto”, ou chapa branca. Você não brinca com os donos do poder econômico. Com eles, você é dócil como um poodle amestrado. Abana o rabinho a um estalo dos dedos.
Você granjeia fama como um “rebelde”, “iconoclasta” – sendo exatamente o oposto disso, um defensor sem graça e sem causa do establishment.
Sobre o Autor: O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.