No mesmo dia em que Marina Silva e Eduardo Campos celebravam seu casamento, circularam notícias de que a agora aliada de Ronaldo Caiado havia feito um desabafo durante a madrugada:
“A minha briga, neste momento, não é para ser presidente da República, é contra o PT e o chavismo que se instalou no Brasil – disse Marina.”
Na mesma reunião, ela faz outra afirmação bombástica:
Marina reclamou muito de perseguição dentro do governo e do PT contra ela. Disse que seria muito pior se fosse para um nanico como o PEN ou PMN.
– Eu seria desossada com muito mais facilidade. Seria tratorada. Eu sei que tem mais de duas mil pessoas pagas com dinheiro público para acabar comigo nas redes sociais – disse Marina.
A grande mídia, naturalmente, adorou, sobretudo a primeira afirmação; a segunda é tão delirante que não colou muito.
De qualquer forma, ambas causaram perplexidade em setores do campo progressista que ainda viam alguma luz em Marina, porque são frases que apenas tínhamos visto na boca de um José Serra, ou demais figuras de baixo calão da direita nacional.
A primeira frase é uma idiotice. No aniversário de um amigo, sábado à noite, meus amigos riam e rebatiam: “poxa, quem dera que o governo do PT fosse chavista!”
A segunda frase é uma infâmia, uma irresponsabilidade. Numa democracia, qualquer um pode falar o que bem entende, sobretudo no terreno da política, e por isso mesmo a calúnia sempre foi entendida, desde os primórdios da democracia, na Atenas antiga, como uma das maiores ameaças à liberdade.
Aristóteles, em sua obra Política, explicava que: “É preciso (…) impor um freio à audácia dos caluniadores, impondo fortes multas contra aqueles que se aventurarem a fazer acusações mal fundadas”.
Montesquieu, no Espírito das Leis, também reitera, diversas vezes, que a calúnia política é um dos maiores perigos da democracia, justamente porque desmoraliza a liberdade de expressão.
Numa democracia, repito, todo mundo pode falar o que deseja, e isso é bom e todo mundo fica feliz. Mas se essa liberdade for usada, mormente por quem tem acesso aos meios de comunicação (caso de Marina) para fazer acusações mal fundadas, então ela estará agredindo não apenas seus adversários políticos, mas desqualificando o próprio sistema.
No contexto político atual, a acusação de Marina tem um agravante. Ela se soma à campanha da mídia de criminalizar a política. Ao falar que mais de 2 mil pessoas recebem dinheiro público para falarem mal dela nas redes, ela quis dizer que o PT paga dois mil mensaleiros no país. É uma acusação mentirosa e covarde, porque anônima e generalizante. Desqualifica e criminaliza não apenas a política, os políticos e a militância, mas envenena o próprio ambiente de debate. Os militantes que a criticam o fazem porque tem convicções. Marina Silva prestou um serviço sujo à velha mídia, ou seja, jogou contra as suas próprias ideias sobre um novo fazer político, que deveria usar mais as redes, a internet, a mobilização social espontânea.
Só a rede da Marina é do bem? A rede que não lhe rende homenagens é “paga com dinheiro público”?
Marina Silva deu uma contribuição maravilhosa à campanha de criminalização da política. Agora não apenas todos os políticos são “ladrões”; também os militantes são mercenários.
O caso de Marina é grave. Ela ficou psicótica. A acusação de “chavismo” é bem clara; ela incorporou o discurso da mídia contra a esquerda latino-americana e a falácia segundo a qual a Justiça desses países estaria corrompida. É uma falácia porque quando a Justiça alinhava-se à direita, aí se tratava de uma justiça independente e isenta. Quando a mesma Justiça começa a dar alguns ganhos de causa à esquerda, ou simplesmente bloquear os tapetões da direita, aí vira chavista.
É uma falácia típica de quem não compreende o fenômeno democrático. Quando um povo elege um representante, ele expressa um desejo, que envolve todas as instituições. O mesmo movimento que leva o povo a votar em massa em Chávez, também contamina, democraticamente, o Judiciário.
No caso do Brasil, precisamos de mais chavismo. O Judiciário e o Ministério Público ainda são atrelados a valores do passado.
Por isso é tão importante respeitar incondicionalmente a Constituição, e por isso o voto de Celso de Mello a favor dos embargos infringentes foi tão importante. Os reclamos contra excesso de recursos até podem ser válidos, mas mudanças tem de ser feitas pelo Congresso Nacional, após longos debates dos quais participe a comunidade jurídica e a sociedade civil como um todo, e não por decisões casuísticas e autoritárias de um tribunal influenciado opressivamente pela mídia.
O respeito à Constituição permite que juízes, mesmo tendo uma ideologia política (conservador, chavista, o que for), se atenham à letra da lei e respeitem princípios consagrados ao longo de séculos ou mesmo milênios de teoria democrática.
Hoje o Globo revela que ainda não engoliu a derrota dos infringentes, e publica mais um editorial contra os recursos, com argumentos inacreditavelmente hipócritas, falando em justiça para “ricos” e “poderosos”. Se o Globo estivesse interessado em justiça para ricos e poderosos, deveria publicar uma matéria sobre a sonegação de seus proprietários, e mandar seus repórteres investigarem o roubo do processo na Receita Federal. Este caso até hoje não está explicado, e por isso mesmo a ferida continua aberta e purulenta. O escândalo fiscal da Globo virá à tôna com muita força em 2014, quando os Marinho tentarem golpes baixos para influenciar as eleições. Ainda tem muito caroço nesse angu…
A acusação de Marina revela uma pessoa cega pelo ódio, pela inveja, e já contaminada pelo conceito de classe de suas andanças pela Casa Grande. As tertúlias com a herdeira do Itaú, com certeza, devem ser regadas a clichês antichavistas. Mas o povo não entende isso e a esquerda, que tirou Marina do meio da floresta, menos ainda.
Marina jamais poderá fugir ao fato de que ela veio do PT. Foi o Partido dos Trabalhadores que mobilizou recursos, financeiros, políticos, humanos, para elegê-la. Marina nunca usou dinheiro do próprio bolso, porque ela nunca o teve. Não foi o Itaú, nem a Natura, que salvaram Marina de uma vida medíocre no Acre e a alçaram a grande liderança nacional. Foi o PT. Ela terá que conviver com isso durante a vida inteira. Não é por outra razão, que os militantes do PT não engolem Marina. Eles sabem que ela usou o partido como trampolim.
A sua entrada no PSB, por sua vez, representa um mergulho de cabeça numa piscina de incoerência. O PT é um partido cheio de problemas e contradições, e de vez em quando alguém enche o saco e sai do partido. Isso é normal. Todo mundo entendeu quando Marina saiu do PT e entrou no Partido Verde. Ela é ambientalista. Havia uma lógica cristalina e um simbolismo justo na mudança.
Entrar no PSB, contudo, não faz sentido, porque o PSB jamais foi ambientalista. Ao contrário, acaba de receber em suas fileiras ninguém menos que Ronaldo Caiado, o maior inimigo dos ambientalistas do Brasil. E todas as contradições e problemas do PT, o PSB também os tem, e talvez em grau ainda mais avançado, visto que é uma legenda com menos tradição de democracia interna.
Não quero satanizar Marina Silva. Mesmo movida a ódio, inveja e ressentimento, entendo que ela tem algumas boas ideias para o Brasil. Em seu discurso ao lado de Campos, ela falou em aproveitar melhor a energia solar. Concordo inteiramente. Só não concordo que tenhamos de abdicar de hidrelétricas por causa disso. Temos que usar tudo a nosso alcance para nos tornarmos uma nação rica e justa: hidrelétricas, pré-sal, sol, fissão atômica, vento.
Também sou fã da natureza, e acho que o futuro da humanidade é se submeter a políticas ambientalmente sustentáveis.
Só não acho que Marina Silva tenha condições políticas e (agora eu vejo) sequer psicológicas para liderar esse processo.