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O fiasco e o bom senso

Não é racional pensar que, no atual contexto político em que vivemos, a solução para nossos problemas nascerá da depredação de pontos de ônibus, destruição de concessionárias e saques a lojas de roupa.

7 comentários
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Algumas considerações sobre o 7 de setembro

Talvez possamos usar a velha filosofia para explicar o fiasco das manifestações no dia 7 de setembro. Heráclito de Éfeso advertia que jamais podemos entrar no mesmo rio, pois as águas serão diferentes e nós mesmos também já somos outros.

O plano de repetir no último dia 7 as “jornadas de junho” quis o impossível. As pessoas não eram as mesmas. Talvez fossem os mesmos indivíduos, com os mesmos nomes, dispostos a voltar à rua portando os mesmos cartazes que portaram em junho. Mas estavam diferentes, com novos pensamentos, novas desconfianças, novas estratégias. E quando olharam para as ruas, também não reconheceram o que antes lhes parecera tão convidativo. A histeria conservadora poluiu as águas daquele rio, e as pessoas desistiram de nadar.

Passado o susto, mergulhemos sem medo no coração da polêmica. As manifestações de junho dividiram corações e mentes, na própria esquerda. Todos os radicalismos ganharam um prestígio súbito e surpreendente. Pessoas até então pacatas, com opiniões moderadas e democráticas, de repente passaram a defender o quebra-quebra e a violência.

Todas as frustrações contra a democracia e contra as instituições políticas, acumuladas desde o fim da ditadura, vieram à tôna, com extrema virulência. Colaborou para isto, certamente, a omissão do Estado na propagação de valores propriamente democráticos, somada à campanha frenética dos grupos de mídia, poderosos herdeiros do regime militar, para desqualificar o sistema político.

É uma campanha bem feita, inteligente, que surte efeito nas melhores cabeças. Muitas vezes, aliás, é melhor assimilada pelas pessoas mais instruídas.

O que não significa, naturalmente, que as instituições não sejam passíveis de crítica, não sejam problemáticas, e que a corrupção não seja um dos grandes problemas nacionais.

Entretanto, não é racional pensar que, no atual contexto político em que vivemos, a solução para nossos problemas nascerá da depredação de pontos de ônibus, destruição de concessionárias e saques a lojas de roupa. Esse tipo de coisa só tem um valor compreensivelmente catártico em momentos de fúria antirracista ou em situação de catástrofe social. Admitir que manifestações políticas antigoverno tem direito de apelar à violência é abrir caminho para o caos. Porque aí todo grupo de oposição, mesmo durante o governo mais correto socialmente, se sentirá no direito de agir igual, gerando uma cultura de “vendeta” que levará a maioria a defender uma solução autoritária para reestabelecimento da ordem.

Não se trata de criminalizar a violência popular, nem apelar a um pacifismo radical que flerte com a resignação, mas sim de valorizar a inteligência e prestigiar a democracia.

É inegável que o brasileiro se tornou mais intolerante, e que as ondas de violência continuam repercutindo pelo corpo social. Há pouco, um problema nos trens do Rio gerou uma tal onda de fúria que as pessoas incendiaram vários vagões. Tais coisas agora são comuns em todas as capitais. O anúncio de uma paralisação ou greve de motoristas deflagram rapidamente movimentos para depredar os coletivos.

Aí sim é necessário compreensão, porque apesar de violentas, são manifestações absolutamente focadas. Se as pessoas sofrem a humilhação cotidiana de enfrentar um transporte público sem nenhum conforto, a humilhação se converte em ira quando se vêem desamparadas pelo mesmo serviço, largadas numa rodoviária. São trabalhadores cansados e famintos que só queriam voltar para casa.

Mesmo compreendendo, todavia, não podemos nos deixar levar por um cinismo tão grande, travestido de “visão política”, que nos faça apoiar esse tipo de ação. Por que são ações fundamentalmente estúpidas. Se o serviço de transporte é ruim, certamente não é depredando a estação e os veículos que ele irá melhorar. Ao contrário, o sofrimento apenas irá aumentar. Se há motivo para protesto, o povo deve reagir com inteligência, visando o seu próprio bem estar, e não o contrário.

Quebrar estações de trens não melhorará o transporte público, assim como destruir hospitais não resultará em melhores serviços de saúde.

O brasileiro precisa ser estimulado a participar mais da construção da cidadania. Em vários países desenvolvidos, as famílias participam de projetos coletivos para ajudar a escola pública e os postos de saúde do bairro. O cidadão tem que ajudar o Estado. De que adianta jogar lixo nas ruas e depois fazer passeatas contra a prefeitura pedindo mais limpeza? A lei da transparência, sancionada pela presidente Dilma, permite aos cidadãos checarem as despesas de qualquer órgão estatal; de posse de comprovantes que identificam desvios, podem protestar com foco e objetivo.

Qual o sentido em exigir serviços públicos melhores de um lado, e sonegar impostos, de outro?

Neste 7 de setembro, por exemplo, um grupo de jovens mascarados de classe média destruiu o elevador do metrô do Largo do Machado, prejudicando todas as pessoas com dificuldade para usar escadas rolantes, como cadeirantes e idosos. Qual o sentido disso?

Precisamos ser tolerantes com esse redespertar da consciência política. Ela nasce gritando, disforme e faminta. Logo adquirirá hábitos mais civilizados e democráticos. Mas temos que incentivar que esta consciência amadureça rápido, e se torne mais inteligente e responsável. Quanto mais crítica, aguda, politizada a consciência do povo, mais necessário (e eficaz) que seja prudente e civilizada.

É triste constatar a quantidade de intelectuais metidos a black bocs que, ao invés de estimular soluções concretas e inteligentes, se comprazem em ver o circo pegar fogo. Também estes foram derrotados no último dia 7. O povo vê com bons olhos o surgimento de uma postura mais crítica, mas felizmente ainda guarda o bom senso de não apoiar uma violência idiota e sem foco.

 

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Leandro_O

10/09/2013 - 09h18

Pior que esses protestos de “quebra-quebra” são os protestos feitos por marginais, bandidos. Quando veem que a pessoa não tem dinheiro, a queimam viva, ou então a esfaqueiam. Quando a criança não para de chorar, protestam atirando na nuca da criança. E todo mundo acha isso normal, como se bandido fosse assim mesmo. Não, não é. Nosso direito penal está falido. Nossos exemplos não existem, porque falar em exemplos é falar em moral, e é um pecado mortal falar sobre isso, muitos pensam que isso seria um clamor para a volta da ditadura. Diante do quadro atual só vejo que as coisas vão piorar.

carlos-fort-ce

10/09/2013 - 07h53

se o foco dos mascarados é o enfrentamento com a polícia, aqui e no exterior, pois o movimento é mundial, como o povão e suas reinvidicações se inserem nessas batalhas? por osmose? sendo bucha de canhão? a troco de que? quem beneficia?
portanto, miguel, parabéns pela análise.

ANDRE

09/09/2013 - 23h47

segue informação, açao da corja amiga do aecio em minas;

TJMG anula ação contra Aécio na área de saúde

Senador Aécio Neves (PSDB-MG) era acusado do “desvio” de R$ 4,3 bilhões de recursos da saúde, na época em que foi governador de Minas

Senador Aécio Neves (PSDB-MG) era acusado do “desvio” de R$ 4,3 bilhões de recursos da saúde, na época em que foi governador de Minas

O senador Aécio Neves (PSDB-MG), provável candidato do PSDB à
presidência da República em 2014, já não precisará mais se preocupar com
questões judiciais daqui até a eleição.

Duas semanas atrás, a procuradoria-geral da República arquivou uma
representação apresentada por adversários políticos, que questionava seu
patrimônio pessoal. Ontem, Aécio teve mais uma vitória, quando o Tribunal de Justiça
de Minas Gerais arquivou, por unanimidade, uma ação judicial que
apontava supostos desvios de R$ 4,3 bilhões na área da saúde, no tempo
em que ele foi governador de Minas Gerais (2003-2008).

Na decisão, os desembargadores do TJMG chegaram até a questionar as
motivações da procuradora que apresentou a ação, uma vez que o caso de
Minas foi semelhante ao de vários outros estados. Na prática, o que se
questionava era se recursos aplicados em saneamento poderiam ou não ser
enquadrados como investimentos em saúde e os juízes entenderam que sim,
concluindo, portanto, que não teria havido desvios.

Até antes dessa decisão, a pendência judicial
alimentou uma intensa guerrilha de informações na internet. Setores
mais próximos ao PT disseminavam a informação de que Aécio teria
desviado R$ 4,3 bilhões da saúde, em proveito pessoal. O PSDB, por sua
vez, acusava o PT de utilizar a ação para patrocinar uma campanha
difamatória contra Aécio na internet. Depois da decisão de ontem, o caso
tende a murchar também nos meios digitais. As informações são do Brasil247.

Matheus Loureiro

09/09/2013 - 23h07

A PM está fazendo nas ruas o que faz na favela, altamente repressiva e intolerante. Acho que o povo conseguiu foco para causas interessantes como desmilitarização da PM e democratização da mídia. Há aqueles que socam o ar ‘contra a corrupção’, mas a desobediência civil é necessária, de certa forma, se não fosse pela mais violenta resistência à repressão, os protestos seriam como passeio escolar em que os professores (policiais) acabaria com a festa rapidamente. É lamentável ver pontos de ônibus, elevador para cadeirantes e idosos destruídos. Mas é necessário ter consciência que a esquerda que temos aqui no Brasil é extremamente reacionária e, de certa forma, conservadora. Não sei se falta coragem ou interesse. Mas o Brasil pouco se fala em reforma agrária, o próprio MST está descontente com o atual ‘governo de esquerda’, os bancos continuam lucrando bilhões. Claro, que é necessário ter muita coragem e independência para peitar essas grandes corporações, tão infiltradas na política. Mas não vejo progresso nesse percurso apertando a mão de Paulo Maluf ou formando base aliada com o PMDB. Falta coragem, a esquerda no Brasil foi assassinada pela ditadura. Temos um governo de pseudo-esquerda (mais para centro-esquerda) que está privatizando a maior reserva de Petróleo do Brasil, o que já é um absurdo ser explorado pela Petrobras, é maior ainda por empresas estrangeiras. O pré-sal é um perigo ambiental ser explorado, o pré-sal de Santos é mais profundo que o do Golfo do México, e a catástrofe lá foi absurdamente grande. Não vamos generalizar e condenar toda a manifestação por atitude de minorias, houve excessos por parte de alguns manifestantes e houve excessos por parte da polícia. Há a necessidade da participação popular e da livre manifestação para que certos problemas sejam resolvidos. Mas é de se aplaudir como acabou o 7 de Setembro, um protesto que foi organizado pela extrema-direita, pela família Bolsonaro, não houve, quase, vozes de pessoas pedindo golpe. Altamente repressivo, a resposta deve ser na medida, e os protestos, não devem parar, deve ter mais organização e foco. Desmilitarizar a PM e democratizar a mídia é muito importante.

migueldorosario

09/09/2013 - 20h30

testando

Miguel do Rosário

09/09/2013 - 19h41

teste

[email protected]

09/09/2013 - 18h40

um dos problemas do Brasil de hoje é que não há uma oposição – seja de esquerda ou direita – sensata e propositiva. Não tem agenda, não tem propostas. Agora, a extrema-direita deu pra depredar as cidades. Isso gera um movimento contrário aos propósitos de qualquer oposição séria. E aí o governo fica sem uma bússola segura para aprumar seu rumo.


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