A decisão do governo de trazer 4 mil médicos cubanos criou um fato político interessante. Política é feita de símbolos, e Cuba é o símbolo mais polêmico, mais profundo e mais romântico da esquerda brasileira.
Entretanto, não creio que, à exceção de neuróticos de extrema-direita, alguém tema que esta iniciativa seja um ensaio para o PT deflagrar uma revolução cubana no país.
Ao contrário, a medida ajuda a distensionar um pouco a relação entre o governo e os setores mais orgânicos e engajados da esquerda organizada, que vem fazendo uma crítica (muitas vezes com razão) cada vez mais severa aos recuos políticos e ideológicos do PT e da presidenta.
O governo identificou que a saúde pública é o principal motivo de angústia dos brasileiros, que o problema é mais grave nas pequenas cidades e lugares isolados, e que não havia interesse dos médicos de trabalharem nessas regiões.
Então lançou um programa, o Mais Médicos, aberto em primeiro lugar para os médicos brasileiros, os quais, influenciados pelas entidades de classe e pela mídia, não demonstraram entusiasmo por ele, nem mesmo diante de um salário de R$ 10 mil, três vezes superior ao piso da categoria, além de auxílio-mudança de até R$ 30 mil.
Ao contrário, o Brasil testemunhou o corporativismo egoísta e reacionário entre os médicos, como se a profissão deles não tivesse nenhuma responsabilidade diante dos problemas da saúde pública brasileira.
A grande mídia, com sempre faz com qualquer iniciativa do governo que vise ajudar o mais pobre, já desatou uma forte campanha contra a vinda dos cubanos.
Desta vez, porém, o governo acertou na mosca. Primeiro fingiu que recuou, lá no início do programa, em julho. Apanhou um pouco da esquerda, mas conseguiu adiar essa polêmica para mais tarde, quando o programa estivesse mais consolidado.
E agora, de supetão, anuncia a vinda de 4 mil médicos cubanos, que começam a chegar dentro de alguns dias.
Engraçado ver a mídia tentando usar as contradições políticas no interior das instituições para desqualificar o programa.
A Folha estampou hoje manchetão na primeira página:
A posição do procurador citado pela Folha não durou algumas horas. Seu chefe, o procurador-geral do Trabalho, deu uma opinião bem diferente:
De qualquer forma, esta é uma polêmica que beneficiará o governo. Há um fator aí de coragem, de enfrentamento, que faz despontar uma luzinha de esperança em relação a muitas outras demandas populares ainda não cumpridas, entre elas a democratização da mídia.
O rechaço à vinda de cubanos parte apenas daqueles setores que já não votam em Dilma Rousseff, ou no PT. A maioria da população não tem preconceito nenhum contra Cuba e seus médicos. Muito pelo contrário, em breve aparecerão imagens e vídeos desses médicos atendendo em comunidades carentes do interior que terão excelente impacto junto à opinião pública.
Trata-se de uma medida que, finalmente, fala à voz das “ruas”, visto que a bandeira por uma saúde pública melhor era a mais presente nas jornadas de junho.
O governo deveria lançar algum programa de impacto, na área de saúde, também nas grandes cidades.
Bienvenidos camaradas!