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Economia criativa: um belo projeto que não saiu do papel

É nítido que, informalmente, a produção cultural e suas extensões diretas e indiretas movimentam valores bem superiores ao que é contabilizado oficialmente.

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Ana de Hollanda, ex-ministra da Cultura

Ao assumir o Ministério da Cultura senti o peso da responsabilidade de lidar com um patrimônio em grande parte intangível e, por isso mesmo, de dificílima mensuração. Minha estreita relação com o mundo da criação artística e produção cultural no Brasil não me permitia ignorar consideráveis impasses que dificultam as condições de criação, produção, circulação, difusão e acesso aos bens culturais. O país é vastíssimo não só em dimensão territorial como em diversidade cultural. É fundamental não apenas que se respeite as especificidades regionais ou de estilo, como se fomente e estimule toda cadeia produtiva para que o acesso a esses bens se torne realidade aqui e no exterior. Por sinal, lembro que em inúmeros levantamentos internacionais acerca da imagem positiva do nosso país, prontamente se destacam a cultura e a criatividade do seu povo.

Paralelamente, desde o final dos anos noventa do século passado venho acompanhando notícias vindas do Reino Unido e estudos da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas o Comércio e o Desenvolvimento) sobre economia criativa. O novo conceito de economia voltado para a dimensão intangível da criação sublinha o valor agregado à indústria, como, por exemplo, no caso do design, da moda ou da arquitetura. Abarca também vários segmentos desde o artesanato, passando pelas artes, chegando às indústrias culturais e compreende toda a teia que envolve criação, produção, distribuição, circulação, difusão e consumo. Esses levantamentos na economia mundial do século XXI apontaram que os setores criativos são os que mais crescem com sustentabilidade e inclusão. Paradoxalmente, apesar da nossa tão aclamada criatividade e do Brasil ocupar, atualmente, a 6ª posição na economia mundial, ocupamos, timidamente, o 36º lugar em relação aos países exportadores de bens criativos.

É nítido que, informalmente, a produção cultural e suas extensões diretas e indiretas movimentam valores bem superiores ao que é contabilizado oficialmente. Geram um número desconhecido de postos de trabalho temporários, também não computados, principalmente em grandes eventos populares. Não há dúvida de que essa informalidade e as conseqüentes inseguranças social e financeira são altamente prejudiciais não apenas à economia, mas aos profissionais desses setores.

Tais fatores me fizeram ver o quão premente se fazia a busca de meios que estimulassem a sustentabilidade econômica do setor cultural, independente dos eventuais apoios a projetos através de editais públicos e leis de mecenato. Foi esta a razão fundamental para que se criasse a Secretaria da Economia Criativa (SEC), logo no início da minha gestão no Ministério da Cultura. A competente equipe comandada pela secretária Claudia Leitão se debruçou sobre a matéria e desenvolveu o plano da SEC para o período 2011-2014, assim como o arrojado Plano Brasil Criativo. O Plano foi apresentado à Presidenta Dilma que se mostrou interessada e imediatamente incumbiu a Casa Civil de coordenar os trabalhos junto aos onze ministérios envolvidos, para depois chegar às empresas públicas e privadas.

Registro que enquanto se multiplicavam as discussões para a adequação do Plano, a SEC quase nada avançou em relação à responsabilidade que lhe cabia na gestão do projeto dentro do Ministério da Cultura. Me penitencio por não ter percebido a tempo que estava sendo descumprido o primeiro passo: o fundamental mapeamento de toda cadeia produtiva da cultura que, após ampla pesquisa, seria disponibilizado na página oficial do MinC. Previa-se essa ferramenta para que os interessados buscassem informações sobre a produção cultural na sua diversidade, os meios de produção e distribuição e como ter acesso a elas. A criação artística, independente de ingerência governamental, teria condições de impulsionar um dinâmico mercado onde não haveria falta de oferta ou procura. No entanto, antecipou-se etapas seguintes como a criação do projeto Criativa Birôs, voltado para eventuais empreendedores culturais, a ser desenvolvido em parcerias alternadas, mas que, embora bastante anunciados, na realidade ainda não foram implantados. Uma infinidade de seminários passaram a ocupar a agenda da SEC. Porém, além de exposições teóricas e discussões acadêmicas, pouco se avançou em termos de gestão prática do setor. Em meados do ano passado preveni a Secretária ao cobrar, entre outras providências, uma aproximação com os verdadeiros profissionais da cultura, vinculados a outras secretarias ou autarquias do MinC. O objetivo era de que conhecesse melhor o modo prático de funcionamento, necessidades e a forma como cada área busca seu sustento. Não obstante os esforços desenvolvidos, reconheço, com frustração, que praticamente nada se avançou nesses dois anos e meio, vista a ausência de qualquer resultado beneficiando diretamente o setor cultural. Assim, o que, a meu ver, seria o plano inovador da gestão da Presidenta Dilma para a Cultura lamentavelmente pode estar fadado a ser arquivado como um belo projeto teórico que nunca saiu do papel.

PS: o texto acima já estava escrito quando tomei conhecimento, pela imprensa, da substituição da Secretária Claudia Leitão. Faço votos de que o novo secretário avance, com sucesso, nas políticas voltadas para a economia criativa.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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