Pizzolato é inocente, já a Globo…

O pior conselheiro da justiça é o ódio. Quantos livros e filmes não foram feitos sobre a injustiça de condenar um inocente? Eu me lembro, por exemplo, de um belíssimo filme do Clint Eastwood, com Sean Penn e Tim Robbins nos papéis principais. Trata-se de uma parábola que se repete a todo momento na vida real. Em português, o título do filme é Sobre meninos e lobos (Mystic River, no original). Baseado no excelente romance homônimo de Dennis Lehane, conta a história de três rapazes criados na mesma vizinhança classe média baixa de Boston. Um deles é sequestrado ainda criança por um grupo de tarados, sofre abusos, e consegue fugir. Mas fica marcado para sempre. Jamais será um “lobo”.

Os outros se desenvolvem emocionalmente. O personagem de Sean Penn chama-se Jimmy. É um sujeito autoconfiante, casado com uma mulher bonita e com três filhas fortes e saudáveis. Tem quarenta e poucos anos e, após aventuras delinquentes na juventude, torna-se dono de um pequeno mercado no bairro. A trama começa com o assassinato da filha de Jimmy. Depois de algumas horas de busca, a polícia encontra seu corpo numa vala de um parque. Jimmy, que saía da cerimônia de primeira comunhão de suas outras filhas, do segundo casamento, reconhece o carro da filha e se dirige ao parque para saber o que houve. A cena em que o policial lhe comunica, apenas com o olhar, a morte de sua filha é uma das mais dramáticas que já assisti. Vários policiais seguram o pai desesperado, que se debate e grita de dor.

Jimmy não tem paciência para esperar a polícia fazer a investigação e prender o assassino. Tomado de ódio, quer vingança imediata, e as suspeitas recaem sobre o personagem de Tim Robbins, o frágil Dave Boyle, o garoto que fora sequestrado e estuprado na infância. Jimmy mata Boyle, mas pouco tempo depois descobre que cometera uma injustiça. O assassino era o irmão ciumento do namorado da sua filha. Um garoto surdo e com problemas mentais.

Mas Jimmy é um “lobo” e o filme termina com ele ao lado de suas filhas e esposa, novamente seguro de si, forte e feliz.

No julgamento da Ação Penal 470, temos uma situção similar. De um lado, temos um imenso ódio social acumulado, contra a corrupção, contra a classe política. Parte deste ódio é legítimo, em virtude de séculos de opressão e desvios sistemáticos de dinheiro público.

Aí entra o maquiavelismo sem limites dos donos do poder. Cientes de que este ódio atingiu um nível perigoso, precisam encontrar bodes expiatórios. A sociedade precisa viver uma catarse! Com um pouco de sorte, os bilhões desviados do escândalo do Banestado, da privataria, sonegados via paraísos fiscais, serão esquecidos por um tempo. Todo mundo só pensará no “mensalão”. Os exageros são constantes. Será chamado de “o maior escândalo de corrupção da história”, mesmo que movimente valores muito inferiores a qualquer outro escândalo.

O golpe principal, contudo, é atribuir-lhe um valor simbólico libertador. Pela primeira vez, o Brasil verá poderosos sendo condenados! O fato destes poderosos serem pessoas sem posses, ou seja, sem poder real nenhum, não interessa. A ficção se impõe sobre a realidade. O Brasil não pode mais voltar atrás. Foram anos de investimentos numa determinada narrativa, enterrando-lhe bem fundo na mente de milhões de brasileiros.

Só que há um problema. A denúncia é inepta. A mídia brasileira jamais deu espaço para que os réus defendessem seus pontos de vista; se o fizessem, todos ficariam chocados com a desonestidade gritante da Procuradoria e do relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa.

Entretanto, é um processo grande, deliberadamente bagunçado, discutido no meio de uma atmosfera de intolerância. Os protestos de rua agora estão sendo usados para acentuar o clima de linchamento. Em editoriais, ou disfarçadamente via publicação de cartinhas neste sentido, os jornais fazem ameaças veladas aos STF, dizendo que as “massas” chegarão às suas portas caso haja revisão das penas ou anulamento de alguma condenação. Voltamos à barbárie.

Por outro lado, nem todos são massa de manobra. Nem todos aceitam o destino de rebanho obediente que a mídia tenta nos impor. As ruas também protestaram contra os meios de comunicação. Os mesmos meios que pretendem pressionar o STF a cometer uma das maiores injustiças de sua história.

O trabalho de debate e contraponto que milhares de internautas vêm fazendo há algum tempo, tentando oferecer à sociedade uma visão alternativa sobre o processo do mensalão produziu também uma massa crítica. Nunca um processo penal foi tão estudado, de forma tão coletiva. Além disso, o fator tempo nos beneficiou, pela primeira vez. Tivemos a oportunidade de examinar os documentos, alguns deles disponibilizados apenas há pouco tempo. Tivemos tempo de raciocinar.

Mais que nunca, está claro que o mensalão é uma abominável ficção, em que se pegam alguns casos de caixa 2 nas eleições de 2002 e 2006, juntam-se com outros fatos que não tem nada a ver, e se cria uma história onde já não importa a verossimilhança. Manda quem é dono da bola e do campo. Um conluio ideológico e político, que ainda está por ser esclarecido pela história, entre a Procuradoria Geral da República, membros do STF e a mídia, produz as condições ideais para criar uma realidade paralela e condenar os réus.

A denúncia toda, porém, tem uma falha estrutural. Há um ponto no casco que ficou desguarnecido e pode ser rompido a qualquer instante. Na verdade, já foi rompido pela blogosfera, e um dia vai chegar à massa. Um dia, o gigante vai descobrir que foi enganado, e aí quero ver quem vai segurar a sua fúria contra quem o enganou. O caso de Henrique Pizzolato é esta falha. É onde se pode romper o casco do navio e afundá-lo.

Qualquer estudante de direito que tiver acesso aos documentos entenderá que Pizzolato é inocente. E no entanto, foi condenado por unanimidade por todos os ministros do STF.

A denúncia contra Pizzolato é totalmente absurda. Diz o relator, Joaquim Barbosa, em seu voto, onde seguiu integralmente a orientação da Procuradoria:

Quanto a esses recursos, o Procurador-Geral da República apontou quatro repasses principais, que somam quase R$ 74 milhões de reais, sem que houvesse sido prestado qualquer serviço (…)

Mentira! Os serviços da DNA foram prestados. A revista Retrato do Brasil apresentou provas de todas as campanhas de publicidade realizadas pela agência. A DNA prestava serviços ao Banco do Brasil desde 1994. Era a principal agência de publicidade em Minas Gerais. Sua ascensão se dá na era tucana. A última sequência de contratos da DNA com o BB começa em 2000. Alguns meses antes de Pizzolato assumir a diretoria de marketing do BB, uma diretoria inteiramente composta por funcionários nomeados no governo FHC, sem nenhuma ligação com o PT (muito pelo contrário) decide pela renovação do contrato. A DNA recebe as melhores notas dos altos executivos do BB, incluindo Claudio Vasconcelos, gerente de Propaganda e Marketing, o único com poder real para interferir na transferência de recursos de marketing do BB para o Fundo Visanet e deste para as agências de publicidade. Quando Pizzolato assume o cargo de diretor de marketing, no dia 17 de fevereiro, recebe em sua mesa toda a documentação contendo a decisão favorável de seus superiores para renovação do contrato. A ele coube apenas assinar, dias depois, um simples parecer sobre o tema, como lhe competia.

Os documentos mostram, ainda, que o Fundo Visanet jamais foi público. Tinha sido criado na era FHC por uma das maiores empresas do mundo no ramo de cartões, e contava com a colaboração dos principais bancos do país. Mas o seu controle final, por regulamento, pertencia à Visanet.

O BB participava do fundo Visanet como acionista e não fazia aportes financeiros – toda verba vinha de uma porcentagem sobre cada compra realizada com os cartões Visa. A gestão do fundo era feita por um comitê independente e o representante do Banco do Brasil nesse comitê era o funcionário Léo Batista dos Santos, jamais citado na Ação Penal 470.

A afirmação da Procuradoria, chancelada pelo relator, é absurda:

O Procurador-Geral da República salienta que “O valor que compõe o Fundo de Incentivo Visanet é público, de propriedade do Banco do Brasil”

A mídia jamais discutiu ou ofereceu aos leitores um debate minimamente equilibrado onde pudéssemos apontar esses erros grosseiros para o grande público.

Outro trecho do relatório de Joaquim Barbosa:

Segundo o Procurador-Geral da República, “o crime consumou-se mediante a autorização, dada por HENRIQUE PIZZOLATO, de liberação para a DNA Propaganda, a título de antecipação, do valor acima referido de R$ 73.851.000,00. HENRIQUE PIZZOLATO, pessoalmente, assinou três das quatro antecipações delituosas (…). Os recursos foram transferidos para a DNA Propaganda sem a comprovação, entretanto, dos serviços que teriam justificado tão vultoso pagamento.

Mais mentiras. Os três documentos assinados por Pizzolato não são “antecipações delituosas”, e sim pareceres internos sem nenhum poder deliberativo. E Pizzolato assinou junto com outros três diretores, cujos nomes sequer são citados na Ação Penal 470. Tudo é absurdo. O dinheiro da Visanet NÃO era público e Pizzolato não tinha acesso a ele. Os únicos executivos do BB com algum poder sobre o Fundo Visanet era a vice-presidência do Banco e a gerência de Propaganda e Marketing.

A procuradoria e Joaquim Barbosa não se preocuparam sequer em evitar contradições lógicas. Pizzolato é acusado pelo desvios do “bônus de volume” para a agência de Marcos Valério.

Os desvios teriam sido praticados de duas maneiras. Primeiramente, através de violações a cláusulas do mencionado contrato, que teriam permitido a apropriação, pela DNA Propaganda, de valores correspondentes ao bônus de volume, que supostamente deveriam ter sido devolvidos ao Banco do Brasil. O réu HENRIQUE PIZZOLATO, na condição de Diretor de Marketing do Banco do Brasil, teria permitido as mencionadas violações contratuais (…)

Ué? Se Joaquim Barbosa diz que os serviços da DNA não foram prestados, como então foram pagos bônus de volume?

O casco do mensalão está furado. A Ação Penal 470 envergonha a Justiça Brasileira. Pizzolato é inocente, mas ele não é um “lobo”. Não é um cara agressivo, astuto e maquiavélico como tantos outros, que hoje sorriem, autoconfiantes, sem ligar para a assombrosa injustiça que ele e sua esposa vem sofrendo há anos. Quanto à Globo, bem. O Cafezinho acaba de descobrir com quem Joaquim Barbosa aprendeu a montar “corporation” na Flórida… Mas isso é assunto para o próximo post…

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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