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A ressaca do gigante

Pondo de lado as teorias de conspiração, não se pode negar a autenticidade e a magnitude dos protestos que tomaram conta do país.

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Os debates sobre as manifestações talvez tenham sido o seu melhor saldo. O professor Wanderley Guilherme dos Santos escreveu artigos brilhantes sobre o tema, mas naturalmente – e felizmente! – não houve consenso sobre a sua avaliação. A visão de Santos é bastante crítica. Entretanto, muitas outras inteligências têm se manifestado com otimismo.

Essa é uma diferença interessante para a grande mídia, onde parece haver uma linha geral oriunda dos altos escalões. Todos os colunistas, com raríssimas exceções, seguem fielmente essas ordens. No início, bateram em uníssono. Depois, quando se percebeu que as manifestações poderiam causar dano à popularidade do governo federal, passaram a bater palmas. Eles só pensam em bloco único. A blogosfera, não.

Independente, porém, da opinião da mídia, e pondo de lado as teorias de conspiração, não se pode negar a autenticidade e a magnitude dos protestos que tomaram conta do país.

Eu também publiquei algumas análises bastante negativas das manifestações de junho. Não vou me repetir, mas gostaria de analisar o próprio ambiente de debate. O assunto gerou uma polarização dentro da esquerda. Os setores mais radicais gostaram dos protestos, mesmo que tenham ficado assustados com a saída do armário de extremistas de direita e o espancamento de militantes e sindicalistas.

Um amigo chegou a cunhar a expressão esquerda anti-rua para se referir ao setor que alimentava uma visão negativa dos protestos.

Na minha opinião, ainda há muita incerteza sobre a nova conjuntura política. Sempre me irritei com posições dúbias, ou pusilânimes, em que se dá razão a um e a outro, produzindo-se uma síntese fácil. Mas serei forçado a fazer algo parecido. Isso porque as manifestações realmente abriram uma temporada de lutas renhidas de interpretações sobre o seu sentido e sua orientação. A mídia conservadora, quando tomou consciência da oportunidade à sua frente, passou a manipular abertamente a rebeldia juvenil.

Mas a mídia tradicional também está na berlinda. Os protestos, ao puxarem para o debate setores até então afastados, fez a audiência dos blogs crescerem de maneira excepcional. E assim como a popularidade dos políticos despencou, a mídia, também vista como um agente político tradicional, passou a ser vista com muito mais desconfiança.

Daí que não se trata apenas da busca de um sentido. Os intérpretes das manifestações também querem “seduzir” os setores rebelados. E o fazem justamente elaborando análises adocicadas. É o caso de quase todos os políticos. Ninguém até o momento arriscou qualquer crítica às manifestações.

Voltamos então ao velho dilema, que é quando a própria análise, mesmo se pretendendo objetiva, se torna uma arma de luta política, que pode se voltar contra ela mesma.

A coisa se torna mais complexa porque o ambiente não apenas se tornou mais polarizado, também ficou mais truculento. Todos parecem ter ficado mais intolerantes. Os extremos, à direita e à esquerda, voltaram a mostrar suas garras.

Como diria Lênin, o que fazer?

A complicação decorre justamente pela existência de uma massa de jovens ainda sem definição ideológica, cujos votos e energia transformadora não podem ser subestimados. E o fato de não terem ideologia definida atiçou a voracidade dos agentes políticos.

Santos mostrou-se cético em relação a esses jovens. Luis Nassif e outros, do lado oposto, viu neles o germe de um mundo novo.

Bem, eu também sou cético, mas admito que há uma coisa nova nascendo. Talvez seja como um bebê barulhento, sujo de sangue e placenta, chorando forte e com dificuldade de respiração.

Fernando Brito, do Tijolaço, diz que devemos nos esforçar para levar utopias para as novas gerações, sob o risco de que elas enveredem para o lado mais fácil, para o conservadorismo egoísta que os meios de comunicação vendem dia e noite.

Não estou seguro de que possuímos estas utopias. As respostas que os manifestantes procuram talvez ainda não tenham nascido. Talvez não existam, ou as perguntas foram mal formuladas.

Talvez – e acho que isso é o mais provável – as respostas não dependam de nós. Elas serão fornecidas pela história, pelo jogo de forças, pelos erros que fatalmente continuaremos a cometer ao longo das próximas décadas. Quem seria tolo o suficiente para acreditar que nossa vida, a pátria, o destino da humanidade, serão um mar de rosas, uma sequência tranquila de episódios felizes, intercalados por passeatas “pacíficas”?

Por outro lado, que espécie de urubu, de mau agourento, preveria apenas cataclismas e desgraças, para nosso país e o mundo?

O homem é um ser dialético, insatisfeito e irônico. Em momentos de turbulência, a paz se torna um bem inestimável, e em momentos de paz aspira por agitação e conflitos para superar o tédio.

Por via das dúvidas, o mais prudente é permanecer cético, mas estrategicamente otimista. Não vejo outra saída senão apostar no debate, na ciência e no bom senso. Trabalhar, estudar, votar. Como dizia o bardo, o que será, será.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Mauro

30/07/2013 - 20h29

As manifestações produziram um efeito colateral benéfico, que foi a corrida em busca de informações fora da grande mídia, mas eu temo que não seja suficiente para evitar um outro efeito colateral , um golpe da direita americanizada nas eleições do ano que vem, os EUA vão adorar.


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