O “gigante” vai mudar a Firjan?

Em tempos de mudança, com jovens nas ruas exigindo transparência e combate à corrupção, não se pode esquecer que o aparelho social não envolve apenas o Estado. Todas as instituições, inclusive as privadas, devem se engajar no empenho coletivo para melhorar o país. Inclusive porque há órgãos privados que são financiadas principalmente com dinheiro público.

É o caso da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Para 2013, o seu orçamento oficial vem basicamente da contribuição de duas entidades: o Senai-RJ, com orçamento de R$ 493,92 milhões; e o Sesi-RJ, com R$ 587,19 milhões.

A Firjan, através do Sistema Firjan, controla, portanto, um total de R$ 1,08 bilhão, recursos oriundos de taxas parafiscais que incidem nos salários dos trabalhadores das indústrias.

Esses recursos, por serem públicos, por virem do suor de trabalhadores e empresários da indústria, não existem, naturalmente, para dar uma vida de luxo aos dirigentes de uma burocracia privada. A função do Senai está expressa em seu nome: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. No momento em que o Rio vive uma grande carência de mão-de-obra especializada, que tende a se agravar ainda mais, as pessoas deveriam refletir: onde estava a Senai este tempo todo, onde estava a Firjan? Algumas indústrias fluminenses estão sendo obrigadas a importar mão-de-obra estrangeira para suprir a carência de trabalhadores minimamente qualificados para alguns serviços.

O Sesi (Serviço Social da Indústria), por sua vez, tem como função oferecer serviços de saúde e lazer, entre outras coisas, a seus membros.

De que adianta querermos mudar o Brasil, cobrar de governos, senão fazemos o dever de casa nem em nossas instituições privadas?

Em artigo recente sobre as manifestações, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos nos conta uma história sobre a democracia ateniense, que é não apenas o modelo no qual o Ocidente se baseou para criar nosso atual sistema político como também a fonte de inspiração de nossos valores ideológicos mais profundos. Uma fonte comum, reitere-se, para todas as ideologias democráticas, à esquerda e à direita.

A ágora ateniense não era a praça carnavalesca, divertida e caótica que às vezes parece ser a visão da democracia de alguns. Os cidadãos que sugeriam políticas públicas – e todos podiam fazê-lo – tinham seus atos, discursos e nomes inscritos num livro de registros. Se, mais tarde, as políticas sugeridas não dessem certo, o cidadão era penalizado.

Ou seja, a democracia, em sua origem, implicava em responsabilidade.

Voltando à Firjan, seria um absurdo descobrir, por exemplo, que os valiosos recursos controlados pela instituição, que tem uma origem pública, estivessem sendo usados para bancar jatinhos, helicópteros e hotéis cinco estrelas em Paris do atual presidente, ao invés de serem aplicados na formação profissional dos industriários.

A elite econômica e política do estado do Rio de Janeiro tem hábitos muito parecidos entre si. Apreciam o luxo. Mas isso é normal. É hipócrita quem disser que não gosta de mordomia. O problema é quando se utilizam de recursos públicos para fazê-lo.

Seria melancólico descobrir que os recursos do Senai e do Sesi, ao invés de aplicados rigorosamente conforme os objetivos a que deveriam se destinar, estão sendo usados para dar a seu presidente as mordomias a que ele se habituou a usufruir com o dinheiro de sua família.

O gigante que sai às ruas deve entender a seguinte equação: os governos têm obrigação de aprimorarem constamente o uso que dão aos recursos públicos. Mas para melhorar o país é preciso crescer economicamente, para que o Estado receba mais recursos. Recebendo mais recursos, o Estado pode inclusive reduzir o peso tributário para alguns setores econômicos e sociais. Para haver crescimento econômico, todavia, a indústria tem de aumentar a sua produtividade, o que só é possível se houver mais mão-de-obra qualificada. Como fazer isso se os recursos do Senai são mal aplicados pela Firjan?

É incrível a quantidade de histórias escabrosas que surgem quando alguém fica tempos demais no comando de uma instituição. Suponho que a própria pessoa que permanece um período excessivo numa posição de poder tende a perder a noção dos abusos constantes que comete. É uma espécie de síndrome de Luis XV. O sujeito acaba por achar que o luxo lhe cabe por direito divino.

No caso de Eduardo Eugênio Gouvea Vieira, que almeja superar a ditadura militar em permanência no poder, as histórias que se acumulam à sua volta tem adquirido às vezes uma coloração meio sinistra. Algumas delas:

1) Fez a Firjan gastar milhões com a compra e reforma de uma mansão em Botafogo apenas por uma questão nostálgica – ele teria passado a infância no local.

2) Arrecadou, junto à elite fluminense, uma enorme quantidade de recursos, para recuperação de uma área afetada pela tragédia climática recente na região serrana, mas o critério dos locais recuperados teria sido a proximidade das propriedades que possui no Vale do Cuiabá, em Itaipava, e não a intensidade das perdas humanas e materiais.

3) Usa helicópteros para ir a reuniões em Niterói, quando poderia ir perfeitamente de aerobarco. Para Brasília, sempre vai de jatinho fretado, em função de sua ojeriza ao ambiente plebeu de um vôo comercial comum.

4) Viaja a Paris várias vezes ao ano e fica no hotel Plaza Atheenee, cujas diárias de quase R$ 4.000 são pagas, como de resto todas as despesas do presidente da Firjan, com os recursos que recebe do Senai e Sesi; ou seja, dinheiro público. Às vezes, por causa de uma reunião de meia hora numa cidade da Europa, ele permanece por lá uns 10 dias, sempre lançando a conta na Firjan.

Interior de um aparmento do Hotel Plaza Atheenee, onde Vieira costuma de hospedar em Paris

5) Histórias nebulosas durante a contratação do plano de saúde Golden Gross, em 2008, e a sua renovação recente. Histórias essas que se agravaram quando se soube que o encontro da indústria fluminense, realizado em setembro último, no Hotel Club Miditerrane, foi patrocinado pela mesma Golden Cross.

Esses são alguns casos que circulam no entorno de Eugênio Vieira, e como em breve haverá eleições, é normal que eles comecem a ser contados com um pouco mais de indiscrição. Numa eleição em que apenas 103 sindicatos tem poder de voto, o boca a boca pode ser mortal.

Entretanto, pode ser que venham à tôna, ainda esta semana, mais do que simples histórias… Uma denúncia documentada e auditada por entidade imparcial teria um efeito arrasador na reeleição de Eugênio Vieira – e salutar para setores da indústria fluminense que se sentem subrepresentados na atual gestão.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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