Não adianta tirarmos conclusões de um processo ainda em curso. Ontem tive uma longa conversa com um amigo que participou da passeata no Rio de Janeiro, que me proveu com algumas informações. Houve muita cantoria, muita mesmo, contra a Rede Globo. “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”, e nenhum repórter da emissora poderia chegar perto para não ser agredido. Mas nas circunstâncias, isso não quer dizer muita coisa. As pessoas estava agredindo a tudo e a todos. Militantes partidários também foram fortemente hostilizados. O repúdio à Globo, portanto, tem algo de vazio, porque não é politizado, não integra um movimento de apoio a uma nova regulamentação da mídia, que é uma bandeira dos mesmos partidos que são hostilizados. Aliás, esta foi a principal bandeira dos partidos de esquerda na manifestação do Rio: a regulamentação da mídia. Ou seja, algo concreto para quebrar o monopólio da mídia sobre a opinião pública. Os marchadeiros preferem cantar musiquinhas inocentes contra a Globo a debater objetivamente estratégias democráticas para realização de mudanças.
Acho que a questão posta hoje não é mais tanto ideológica, se o movimento foi ou não capturado pela direita. A juventude em protesto, e os mais velhos que foram na rabeira, não pensam nesses termos. O que vimos emergir, em toda a parte, foi a cabeçorra da antidemocracia. A depredação de patrimônio público, o cerco a sedes de governo, ao parlamento, todos os afluentes do rio desembocam no mesmo lugar: no ódio aos principais símbolos da democracia. A maioria entrou nessa de boa fé. Sempre o fizeram. Esquerdistas, conservadores, apartidários, barbosianos, todos levantaram o braço num só gesto, e o fato de erguerem o braço juntos lhes fez pensar que tinham razão.
Bem, talvez tenham. Talvez eu tenha me enganado. Talvez todas as estatísticas estejam erradas. IBGE, IPEA, ONU, pesquisas de aprovação, nível de desemprego. Talvez o Brasil esteja realmente uma merda e eu não tinha percebido.
Talvez seja correto irmos às ruas protestar contra tudo que está aí. Incendiar o Itamaraty, invadir o Congresso, invadir prefeituras e linchar servidores, prefeitos e governadores. Que importa se foram eleitos? O povo, como sempre, vai aplaudir, excitado com o espetáculo dos reis sendo crucificados em praça pública.
A preocupação quanto aos substitutos dos políticos linchados é um ponto menor. Sempre aparecerá um salvador, não importa se um derrotado nas urnas. Os marchadeiros, os fortes, aqueles que gritam nas ruas, no auge de sua saúde e exuberância, e convicções, sempre têm razão. Os tímidos, os doentes, os cidadãos pacatos, assistirão os protestos pela televisão, que agora enfatiza sempre que uma “pequena minoria” partiu para a violência, e se sentirão representados.
É lindo! Essa é a expressão que mais se ouve entre os bem pensantes, as pessoas de coração puro, que sempre viram a política como algo terrivelmente sujo e corrompido. Que importa se as ruas amanhecem destruídas, se o patrimônio público é depredado, se militantes de partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais são brutalizados, se restaurantes, bancas de jornal, agencias bancárias são saqueados, se o protesto é invadido por facções ultraconservadoras? Em Fortaleza, invadiram um shopping, que lindo!
Ah, enfim, o gigante acordou! As ruas estão cheias de gente demolindo pontes, incendiando ônibus, pregando o cancelamento dos grandes eventos esportivos e exigindo que o STF prenda imediatamente os “mensaleiros”, independente dos ritos normais e independente se há erros no processo. Que lindo! Esse é o país que sonhei!
Realmente, agora sim seremos um grande país! Marcharemos todos os dias, ou todas as semanas, paralisando tudo. Que importa se a economia será prejudicada? Que importa se o caos irá trazer desemprego e ruína? Seremos um país melhor! O povo agora só votará em candidatos do bem, os quais agora sim estarão disponíveis nas listas eleitorais. E se não votar neles, faremos protestos, invadiremos a prefeitura, enforcaremos o prefeito e todos os servidores e os substituiremos por pessoas de nossa confiança, elementos impolutos, os meninos que mudaram o mundo, aqueles que sempre combateram os mensaleiros.
Se os militantes de partidos políticos resolverem ir às ruas para protestar contra nossas decisões, serão justamente linchados por nossos aliados. Sempre haverá homens fortes, musculosos e agressivos a nosso lado, para espancar os mensaleiros com bandeiras vermelhas.
Todos à rua, meu povo! Sem violência, sem violência! Mas sejamos compreensivos com a revolta do povo, oprimido há séculos por mensaleiros. Deixemo-los extravasar, incendiar um Itamaraty aqui, uma Assembléia Legislativa ali, um Congresso acolá. São coisas que não servem de nada mesmo!
Veremos emergir uma juventude politizada, finalmente! Não mais doutrinados por livros marxistas, mas exercendo a justiça com as próprias mãos. Uma passeata por semana transformará nossos jovens em intelectuais preparadíssimos!
Agora, sempre que houver um problema qualquer num hospital público, saberemos o que fazer! Iremos quebrar o hospital, destruir as âmbulâncias, depois nos encaminharemos à secretaria de saúde para xingar e agredir os servidores. Claro, nem todos precisam fazer isso. A maioria permanecerá em frente ao hospital, pacífica, apenas interrompendo o trânsito. Mas pagaremos os advogados de nossos vândalos.
Política se faz nas ruas! Hasta la victoria, siempre!
Não, meus caros. Isso tudo é uma ironia de mau gosto. Eu acredito no poder de protestos, mas com foco específico, organizados, com sua pauta discutida previamente em debates intensos. Não acredito que uma avalanche de ingênuos, desmiolados, oportunistas, arruaceiros, maria-vai-com-as-outras, possam trazer mudanças para melhor. O Brasil está sofrendo uma crise aguda de idiotia política. Acabamos de assistir, em pleno século XXI, o nascimento de um novo tipo de fascismo, apoiado por gente bonita e alguma cultura, que se autointitula progressista, mas que pelo jeito não se horroriza com o espancamento de militantes partidários, e acredita que a violência – verbal ou física -, e não o voto, é a melhor forma de se obter conquistas políticas. Viva o Brasil.
Fernando G. Trindade
24/06/2013 - 09h59
Dois ‘insights’ sobre as manifestações que ora ocorrem por aqui e por ali.
1) Primeiro o espanto de Gândavo, lá no Século XVI:
“A lingua deste gentio toda pela Costa he huma: carece de tres letras, não se acha nella F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente.”
Pero de Magalhães Gândavo / Tratado da terra do Brasil
2) Depois, o susto do Frederico, no Século XIX:
“O Eterno Retorno é um conceito não acabado em vida pelo próprio Nietzsche, trabalhado em vários de seus textos (Em “Assim falou Zaratustra”; aforismo 341 de “A gaia ciência”; aforismo 56 de “Além do bem e do mal”; e trechos dos fragmentos póstumos, que podem ser encontrados no livro “Nietzsche” da coleção “Os Pensadores”, da Abril Cultural). Ele mesmo considerava como seu pensamento mais profundo e amedrontador, que lhe veio à mente durante uma caminhada, ao contemplar uma formação rochosa.
Um dos aspectos do Eterno Retorno diz respeito aos ciclos repetitivos da vida: estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocorrem no presente e se repetirão no futuro.” Da Wikipedia
alex
24/06/2013 - 09h29
QUE LINDO! QUE MARAVILHA!
Ouço todo santo dia um monte de jornalistas falando isso…”que linda essa juventude”.
Boechart, da BandoNewsFM, por exemplo … Adoro ele, mas acho arriscado o que vem fazendo. Ele tem audiência.
Pois um amigo meu foi na passeata da Paulista semana passada junto com algumas pessoas do escritório. Disse que ouviu um reporter de rádio peguntando para as pessoas o que era a PEC 37. Não sabiam! Mesmo as que carregavam uma plaquinha na mão.
Pergunto: que catso é isso?
Quem meteu na cabeça dos indignados essa luta pela PEC 37?
Por este motivo Miguel, os “loucos de cati” deste país vão aproveitar a ignorancia dos revoltados para se infiltrar.
É baba!