Por Ana de Hollanda, ex-ministra da Cultura
Seria inevitável que eu abordasse, em algum momento, um tema extremamente polêmico, que vem provocando discussões mais passionais do que seria desejável, levando-se em conta sua complexidade e todos os elementos a ele ligados.
Participei nos dia quatro e cinco deste mês de junho, em Washington, do World Creators Summit, evento que se desenrolou em dezenas de mesas de debates, tratando questões voltadas para o direito intelectual sob as mais variadas óticas e tendências.
Promovido pela CISAC – Confederação Internacional de Autores e Compositores, o encontro abordou não só assuntos relacionados à música, mas também à literatura, ao audiovisual, às artes visuais e discutiu amplamente formas de como todas essas áreas podem se desenvolver no mundo contemporâneo, com apoio dos meios digitais.
Acolhendo um público de cerca de setecentas pessoas, o Creators Summit contou, em suas variadas mesas, com a participação de músicos, compositores, artistas plásticos, fotógrafos, cineastas, atores, escritores, jornalistas, blogueiros, professores, diretores de TV, parlamentares, representantes governamentais, dirigentes de associações e até representantes de sites de busca.
As discussões foram riquíssimas ao provocar reflexões sobre as diversas leis de proteção à propriedade intelectual, num momento em que a internet e uma possível pirataria exigem revisão dessas leis.
Praticamente todos os países participantes promoveram ou estão promovendo uma reforma em suas leis. Os Estados Unidos, que hospedaram o encontro e ocuparam grande parte das mesas, estão se preparando para revisar sua lei de Copyright. A cobrança por uma maior proteção ao direito do autor foi tema recorrente em quase todas as mesas de norte-americanos. Do outro lado do planeta o Parlamento da Índia, país que adotava o Copyright, aprovou no ano passado a mudança para a Lei dos Direitos de Autor, nos moldes da nossa.
Apesar das duas leis defenderem a propriedade intelectual, há uma diferença considerável entre o Copyright (direito de cópia) e a lei de direitos autorais conforme a conhecemos. Na primeira os direitos pertencem a quem registra a obra, seja ele autor, empresa produtora, editorial, fonográfica, cinematográfica, televisiva, ou outro que adquira a obra e passe a ser o detentor de seus direitos para exploração. Nas leis de direito autoral, além do direito conexo, o criador da obra é o detentor do direito. Seu direito moral é inalienável. O artigo 5º da Constituição Brasileira, parágrafo XXVII, prevê que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.
Na Inglaterra, a lei do copyright foi criada pela Rainha Ana no início do século XVIII para proteger as casas editoriais de obras literárias. A lei do direito autoral que, além do direito patrimonial, protege também o direito moral, foi criada na França (Droit d’Auteur) no século XIX. Pesquisando o assunto, tomei conhecimento de que ainda no espírito dos ideários da Revolução Francesa, escritores, em especial de Victor Hugo, encabeçaram uma forte campanha pelo reconhecimento do direito do autor. Essa origem é reconhecível no perfil adotado pela lei. A partir daí os dois modelos de leis que protegem a propriedade intelectual foram adotados pelos outros países. Os anglo-saxônicos, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Austrália, com adesão do Japão e alguns outros mais que, em geral, adotam uma política e um sistema jurídico voltados prioritariamente para os aspectos econômicos, seguem Copyright. Outros países, a exemplo da França, como a maioria dos europeus e latino americanos, de tradição mais humanista, adotaram o modelo de lei do direito de autor.
Simplificando o quadro, o que pode ser constatado é que uma lei prioriza o produto e a outra, a nossa, o autor do produto. Ao assistir no Brasil atual um movimento rancoroso contra o direito do autor, partindo de algumas pessoas que se intitulam “de esquerda”, não posso deixar de indagar: que esquerda seria essa que se empenha radicalmente a favor das grandes corporações econômicas da indústria e da internet, contra o criador, profissional que vive de sua própria criação?
Ana de Hollanda assina a coluna quinzenal Grão-Fino, no blog O cafezinho.
GUI MALLON
23/06/2013 - 14h39
Ana de Hollanda está coberta de razão. A discussão do direito autoral, como foi levada no Brasil pelas ONGs durante a administração dela, na verdade foi pretexto para uma luta pelo poder. A “esquerda” que protestava contra Ana perdeu acesso automático a verba pública (principal razão dos protestos)e, agora, está sendo redefinida no Brasil. Principalmente depois das últimas manifestações, em que movimentos institucionalizados ou partidos e suas bandeiras estão sendo expulsos à tapa das ruas.
Na verdade, a questão é mais profunda ainda: A digitalização e a internet abriu um caminho sem volta. O único produto que ainda resiste é o livro de papel – que não tardará a ser substituído pelo e-book, tornando-se “piratável” como qualquer outro. Então a questão será: Como sobreviverá o criador, o indispensável inaugurador do novo?