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Carta de Andrea a Pizzolato

Emocionante carta de Andrea Haas, esposa de Pizzolato, acusado injustamente na Ação Penal 470 por um crime que não cometeu.

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Por Andréa Haas

Companheiro Pizzolato. Há muitos anos lhe conheci. Época de faculdade… Para mim, época de descobrir, de aprender; mais que o aprendizado acadêmico, aprender sobre a vida, sobre as pessoas. Eram tempos difíceis, de ditadura. Não existia internet, nem celular. Jornais, rádio e tv, como hoje, faziam de conta que a realidade da maioria das pessoas não existia. Torturas, assassinatos, manifestações , greves não “existiam”. Eram tempos de mimeógrafo e “silkscreen”, de DCE e reuniões “secretas”, de algum “louco”, na hora do intervalo, subindo num banquinho e desandando a falar “abaixo a ditadura”. Neste tempo te conheci. Falando muito, de um jeito irônico, desafiador, despertando curiosidade. Você conquistava pessoas. Falava em solidariedade, em “coletivo”. Subvertia a “ordem”, dita, normal, apresentando propostas e projetos, polêmicos, mas viáveis e possíveis. Não tinha jeito… Os colegas eram conquistados, os professores, até o reitor…

Fui conquistada também. Tornei-me uma seguidora de tuas idéias e sonhos. Você me fez compreender que a nós foi concedida a graça de fazer parte do grupo seleto dos que tiveram a sorte de estudar. Mas que esta oportunidade não nos pertencia individualmente, mas pertencia a todos os que não tiveram esta condição. Você me fez enxergar, além de mim, e ver muitas pessoas, sem estudo formal, mas com enorme capacidade de enfrentar grandes dificuldades. Pessoas que lutavam para sobreviver ao dia presente, sem saber se, no dia seguinte, teriam o que dar de comer a seus filhos. Pessoas que, sem titubear, compartilhavam o pouco de comer com “estranhos”. Pessoas inteligentes e muito sábias, pois aprenderam a essência do que é ser humano: ser solidário. Você me fez ver que, tínhamos muito a aprender e, de nossa parte, poderíamos oferecer nosso pequeno saber para melhorar condições básicas de vida destas pessoas.

E assim te acompanhei pela vida. Sempre acreditando na força dos grupos sociais, lutando pela organização das associações de bairro, dos grupos de mulheres, dos sindicatos, dos sem terra, da CUT e do PT. Sempre disposto a transformar sonhos e ideais em realidades possíveis. Sempre pensando em todos, sempre almejando um mundo melhor e mais igualitário.

Vencemos?

Sim, com certeza! Juntamente com muitos. Muitos que sofreram, foram torturados, presos, foram assassinados, perderam empregos, perderam famílias, foram obrigados a sair do país. Todos acreditavam num sonho: um Brasil democrático, um Brasil para TODOS. Sinto orgulho de haver participado contigo das madrugadas de colar cartazes, das passeatas e greves “barra pesada”, de sentir-nos grãos de arroz na multidão Pelas Diretas Já; de havermos visto em “carne e osso”: Paulo Freire, Prestes, Ulisses Guimarães, Brizola, Mercedes Sosa, Henfil e Betinho. Lembro, emocionada, da vitória de Lula, Fome Zero, encontrar pessoas viajando pela primeira vez de avião, a primeira geladeira, pessoas comprando carne e iogurte no supermercado…

Companheiro Pizzolato, a vida nos reserva surpresas. Inimagináveis. Assim, num piscar de olhos, tua vida deixou de ser tua. Teus princípios, tua história e conduta foram esquartejados, enterrados e, por cima, jogaram sal. Fizeram crer que tua existência foi criminosa, te tornastes um bandido, dos piores, devendo ser banido do convívio com a sociedade, encarcerado, enjaulado, como exemplo para futuras gerações, para que ninguém ouse repetir o que fizestes, para deixar claro que a justiça existe para punir criminosos, sem tréguas, exemplarmente, eficazmente.

Companheiro Pizzolato, somos seres imperfeitos. Buscamos a felicidade, buscamos o prazer. Há pessoas que vivem pelo prazer de fazer sofrer; há pessoas que buscam reconhecimento profissional individual, custe o que custar; há pessoas que têm prazer em ficar ricos, muito ricos, mesmo que sua vida não seja longa o suficiente para gastar todo o dinheiro adquirido; há pessoas que têm prazer em ter poder, poder para decidir; há pessoas que “vendem a alma” por minutos de fama.

Reze por eles. Reze, pois, eles farão outros sofrerem e, eles, sofrerão muito. A felicidade deles é fugaz, é passageira. Felicidade pessoal, individual é uma busca sem fim e, mais que tudo, nunca será encontrada.

Tenha claro que não é uma injustiça com você, particularmente. É maior, é pior. Idéias e ideais estão sendo julgados. Uma forma de governar está sendo julgada. Uma visão de sociedade igualitária está sendo julgada.

Você foi necessário para que a trama fizesse sentido. A mentira do “dinheiro público” para condenar… Todos. Réus, partido, idéias, ideologia.

Não deixe que eles façam você acreditar que é culpado. Não é verdade. As provas estão aí, as provas são documentos. Documentos são irrefutáveis. Quem os lê sabe que uma grande injustiça está sendo feita.

Companheiro Pizzolato, tenha certeza que não estás sozinho. Tenha certeza que tua luta não foi em vão. Ser justo ou injusto não depende de cor, de gênero, de credo ou de partido político. Para ser justo é preciso ter princípios. É preciso ser honesto, primeiro consigo mesmo. Justiça é verdade. Somos muitos os que acreditamos na verdade e, por ela, justiça será feita.

QUEM TRAZ NO CORPO ESSA “MARCA”, POSSUI A ESTRANHA MANIA DE TER FÉ NA VIDA …

E para nós, a “MARCA” é a VERDADE.

Amanhã será novo ano. Não desejarei que justiça seja feita somente a você. Aprendi, com você, que somos parte de um todo. Aprendi, com você, que TODOS têm os mesmos direitos. Aprendi, com você, que se UMA pessoa estiver sendo injustiçada, não há justiça.

Companheiro Pizzolato, continuarei aprendendo… SEMPRE.

Assim, humildemente, desejo a TODOS, muita paz, fraternidade e JUSTIÇA. Comprometo-me: seguir lutando!

Sua companheira, com muito orgulho,

Andréa Haas

PS O Cafezinho: Querida Andrea, não tenho outras palavras a acrescentar a esta carta tão bonita que não essas singelas, do Chico, que tanto emocionaram os que lutavam contra a ditadura: amanhã vai ser outro dia.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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