Acusações contra Pizzolato lembram Dreyfus e Kafka

A história de uma farsa – Capítulo 1

Pizzolato, o único  “judeu” na diretoria do BB

Para melhor entender um acontecimento que envolve pessoas, façamo-lo a partir do ponto-de-vista individual. Talvez possamos nos comunicar mais produtivamente se começarmos nossa história a partir de um personagem menos visado, como Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil. Iniciar uma abordagem sobre os erros no julgamento do mensalão a partir de Pizzolato tem a vantagem de evitarmos, por enquanto, a furiosa politização provocada pelos nomes de Dirceu e Genoíno, os mais graduados na hierarquia petista. E as falhas inúmeras encontradas na denúncia contra Pizzolato tem o potencial de fazer ruir um edifício acusatorio cada vez mais condenado por suas deficiências estruturais.

A história de Pizzolato lembra a saga do tenente francês Albert Dreyfus, pintada com tintas kafkianas. Dreyfus era o único judeu entre os oficiais suspeitos de uma traição a um governo estrangeiro, e por isso foi apontado, com base em provas falsas e ilações enviesadas, como culpado de espionagem. Era inocente, mas virou um símbolo máximo do ambiente de guerra midiática que tomara conta da França ao final do século XIX, quando políticos e donos de jornais disputavam a primazia de quem melhor manipulava a opinião pública. O ódio profundo nascido das lides entre dryfusards e antidreyfusards, e o proselitismo político que se fazia em torno da questão, nos remete à deliberada campanha udenista deflagrada por setores da mídia e da oposição quando se percebeu o uso político que se poderia dar aos escândalos de caixa 2 protagonizados por Marcos Valério e PT.

O nosso Dreyfus é Henrique Pizzolato. Era o único petista numa diretoria só de tucanos, todos indicados para seus cargos na era FHC, numa instituição antes e hoje controlada e presidida por executivos identificados com o PSDB. Foi capturado a dedo. Era o único “judeu” no grupo. A maneira como tudo acontece, por sua vez, lembra uma trama de Kafka: um suceder frenético, galopante, ininterrupto de acusações vagas, mal formuladas, confusas, embora invariavelmente pesadíssimas porque expostas com grande sensacionalismo midiático.

Como se um procurador e um juiz tivessem o poder de dizer que você é chinês, e provar isso, independentemente de seu passaporte ser brasileiro, você ter cara de brasileiro e falar português fluentemente como só um brasileiro poderia fazer. Não importa, você é chinês e pronto, decreta o juiz, batendo o martelo. Os jornais todos divulgam no dia seguinte, em manchetes garrafais, que ficou provada sua origem chinesa. E ai de você se quiser protestar.

A acusação contra Pizzolato é simplesmente surreal. Diferentemente de Dirceu e Genoíno, que ao menos incorporam fantasmagóricas responsabilidades políticas pelo “esquema” de compra de apoio político, contra Pizzolato há uma acusação bem direta: de ter sido o responsável pelo desvio dos R$ 73,8 milhões que a Visanet pagou a DNA Propaganda. A denúncia serviria para caracterizar os recursos que Marcos Valério, um dos sócio da DNA, distribuiu a parlamentares, como dinheiro público, com isso enfraquecendo a tese de caixa 2 defendida pelos réus.

Entretanto, os documentos comprovam quatro erros crassos na denúncia. A Visanet é privada; Pizzolato não tinha qualquer ingerência no contrato entre a empresa e a DNA Propaganda; ele nunca foi o responsável pela relação entre o banco e o fundo de publicidade da Visanet; os serviços de publicidade foram realizados.

A DNA Propaganda, hoje praticamente destruída, não era uma agência fictícia. Era a maior agência de publicidade de Minas Gerais, detendo praticamente todas as contas das estatais mineiras, da Telemig (então controlada por Daniel Dantas); havia crescido à sombra do tucanato. Vinha ganhando mercado, obtendo prêmios locais e internacionais, incomodando grandes firmas de São Paulo.

O contrato entre a Visanet e a DNA era perfeitamente legal. Uma empresa que opera no mercado de cartões de crédito contrata uma das maiores agências do país para realizar campanhas publicitárias. As campanhas são realizadas. As auditorias não encontraram nenhuma irregularidade nas campanhas. Há gravações e documentos que comprovam a sua realização.

Quanto aos bônus de volume pagos pelos meios de comunicação à DNA Propaganda, os quais foram considerados, irresponsavelmente, por Joaquim Barbosa, como uma transferência indevida de recursos pertencentes ao BB, também não houve irregularidade. O pagamento de bônus de volume, apesar de eticamente questionável, é uma prática regulamentada no país, e configura uma relação totalmente privada entre meio e agência. Ou seja, entre uma empresa como a Globo, por exemplo, e a DNA. O BB ou o Visanet sequer são informados sobre seus valores.

“Eles estatizaram a Visanet”, ironiza Pizzolato, que vive hoje um período de recuperação moral e emocional.

O lendário jornalista Raimundo Pereira comprou a briga de Pizzolato e vem usando a sua revista Retrato do Brasil para fazer uma denúncia duríssima, embasada em documentos, contra os erros flagrantes de Joaquim Barbosa quando analisa o caso Visanet. Alexandre Teixeira, combativo blogueiro carioca, faz o mesmo através do blog MegaCidadania.

O acordo entre a Visanet e os bancos parceiros sugeria que estes indicassem um gestor com responsabilidade para propor campanhas publicitárias da Visanet e apontar nomes de agências. Aí temos outro intolerável erro de Joaquim Barbosa, porque ele sempre teve em suas mãos, e o ignorou, um laudo com os nomes dos gestores do fundo de 2001 a 2005. Todos “tucanos”. Pizzolato não estava entre eles. Durante o período em que se celebra contrato com a DNA, o gestor era Léo Batista, que assumiu o cargo em 2002, ainda no governo FHC, e ficou até abril de 2005.  Trata-se do laudo 2828, mais um entre inúmeros documentos que, apesar de comprovarem a inocência de Pizzolato, foram sistematicamente ignorados, omitidos e até mesmo ocultos pela acusação.

Por onde se olhe a denúncia de Barbosa contra Pizzolato no caso Visanet, se vê apenas um despudorado falseamento da realidade, e a única explicação para isso seria a tentativa de ajustar a realidade à teoria.

Pizzolato, que há mais de sete anos vive um terrível pesadelo moral, acusado por um crime do qual não apenas é inocente, mas que seria impossível de cometer, procura transparecer serenidade e até um pouco de bom humor quando analisa os primeiros trovões que anunciaram a tempestade.

Para a oposição udenista, Pizzolato foi uma vítima útil, uma peça importante no jogo para derrubar o governo. Mesmo no campo da esquerda, as preocupações sempre se voltaram apenas para Dirceu e Genoíno. Mas Pizzolato também era um quadro importante no partido, com uma bela história no processo de luta que culminou na vitória de Lula em 2002. Um dos fundadores do PT no Paraná, Pizzolato foi presidente do sindicato de bancários, da CUT e candidato a governador em seu estado.

Pizzolato testemunhou muita coisa em 2002,  e seu depoimento ajuda a esclarecer uma série de pontos obscuros quando se procura entender o aparecimento de Marcos Valério.

Continuamos nossa série na segunda-feira de tarde. Ainda estamos só aquecendo!

PS: Diante da importância pública do debate, e porque ainda temos esperança de que algumas injustiças sejam corrigidas no julgamento dos embargos, deixarei os posts abertos. Para pagar ao menos parte deste empreendimento, que não será moleza, conto com a sua generosidade na forma de doações (clique aqui) ou assinaturas do blog O Cafezinho(aqui).

 

Prefácio: Mensalão, a história de uma farsa.

Capítulo 2: O caso Visanet.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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