O diretor de redação do Brasil 247, Marcos Damiani, reverbera um alerta que já vem ecoando há tempos na internet: os togados estão repetindo a mesma trajetória dos milicos de 64. Mídia, udenismo, antipolítica, mar de lama, os ingredientes são iguais. “As vivandeiras como a presidenciável Marina Silva e seus seguidores — podem, quarenta e cinco anos depois, estar criando novos monstros. Com um DNA assemelhado ao dos signatários e executores do ato jurídico chamado Ato Institucional Nº 5, de 13 de agosto de 1968.”
Leia o artigo.
CANETA DE GILMAR PESA COMO OS TANQUES DE 1968
Por Marcos Damiani, no Brasil 247
1968. O general Costa e Silva e os militares à sua volta não gostaram do discurso do deputado Marcio Moreira Alves, de 2 de setembro, com críticas à ditadura. No dia 13 de outubro, com o jamegão do ministro Gama e Silva, da Justiça, e todo um aparto de tanques, jeeps e soldados a seu favor, foi baixado o AI-5, que fechou o Congresso.
2013. O senador Rodrigo Rollemberg e outros políticos não gostaram do projeto de lei do deputado Edinho Araújo, em votação em 24 de abril, com restrições à criação de novos partidos. Na mesma hora em que o texto estava sendo votado, portanto quebrando espetacularmente a marca de Gama e Silva, com o jamegão de Gilmar Mendes e todo o aparato estatal misturado naquela tinta, o Congresso foi fechado. “Comunique-se com urgência o presidente do Senado Federal”, redigiu Gilmar (mais). Minutos depois o senador Renan Calheiros reagia derrubando a sessão. As luzes se apagaram em seguida.
Por sorte, na noite desta quarta-feira 8, ninguém com acesso ao STF procurou Gilmar Mendes para fechar também a sessão que discutiu a MP dos Portos. Sem interferências indevidas de fora para dentro, na forma de uma peça jurídica claudicante ou dos tanques da ditadura, o Congresso pode continuar cumprindo seu papel.
Quarenta e cinco anos depois do AI-5, o Brasil sofreu, outra vez por uma canetada saída do Poder Judiciário, o encerramento das atividades do Congresso. Em 1968 foram dez meses de interrupção de atividades. Em 2013, já são 14 dias de crise institucional, com a matéria não podendo voltar a ser discutida. A prevalecer a liminar, que o ministro Gilmar Mendes recusou-se a ele próprio suspender, estão abertas as portas do Supremo para quem levar um deputado pela mão com um pedido de fechamento total do Congresso. Alô, capitão Bolsonaro e seus iguais, algum interesse?
A pergunta não é descabida. Atos jurídicos de interferência de um poder sobre o outro sempre encontram adeptos. Na mídia, prestando, é claro, mais um servicinho editorial, Reinaldo Azevedo, de Veja, apressou-se em publicar toda a gloriosa liminar gilmariana (acima), mas sem nenhum comentário. Nem precisava. Parabéns, Lenildo, quer dizer, Reinaldo garoto! Essa realmente foi coerente!
TONTURAS _ Os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Alves, estão um tanto confusos em meio à crise aberta, mantida e desenvolvida por Gilmar, cuja atitude é vista como inédita em todo o mundo. Renan não teve reflexo para, no momento em que o papel lhe chegou as mãos, devolver a afronta a Gilmar na forma de um questionamento direto, ao menos perguntando-lhe por telefone se tinha assinado a liminar em sã consciência. Mendes sabia que, com aquilo, poderia ter sua biografia comparada a de Gama e Silva? Que, se o Congresso não agir como cordeiro, os efeitos de uma crise institucional já custaram ao País, a partir daquela canetada, a cassação de 110 parlamentares federais, 160 deputados estaduais, 163 vereadores, 22 prefeitos e, atenção, quatro ministros do próprio STF? Que esse foi o tamanho do prejuízo do AI-5, além do ainda mais caro em vidas dos que resistiram? Lembre-se que o Congresso daquele tempo recusou-se a cumprir a ordem judicial para cassar o deputado Marcito, e por isso em seguida foi fechado por novo ato jurídico – e a força que o acompanhou.
Esse é o limite da situação criada por Gilmar: colocar em risco a democracia brasileira. Não se trata de exagero. Tome-se outro exemplo do que pode fazer a pressão indevida sobre o Congresso. Em 1983, portanto há 30 anos, em plena votação da emenda Dante de Oliveira, que restabelecia as eleições diretas para presidente, o general Newton Cruz colocou seus tanques na rua para garantir que o presidente João Figueiredo fizesse prevalecer as suas Medidas de Emergência. O objetivo foi alcançado. Pressionado, o Congresso derrubou as diretas, que só iriam acontecer seis anos depois.
Como vai ser agora? Sob a pressão da toga, cuja peça será apreciada sem data marcada pelo procurador geral da República, Roberto Gurgel, o que vai acontecer com o projeto de lei do deputado Edinho Araújo? Ele não poderá ser jogado para baixo do tapete. Ou agacham-se todos dentro do Congresso ou vai ser como? O que propõe o senador Pedro Simon, que manchou sua biografia ao somar-se às vivandeiras de Judiciário que foram pedir ao próprio Gilmar Mendes o que mesmo? Que mantivesse a decisão de interditar o rito normal do Congresso. País da piada pronta, na verdade o Brasil é o País da tragédia pronta. Como se diz em qualquer roda de amigos, graças ao rebaixamento do coloquialismo brasileiro para o campo da grosseria, isso tem tudo para dar merda. Ou, se não é assim, então está tudo beleza, é isso?
A solução da, sim, crise Gilmar Mendes está entre as vítimas primeiras da decisão do juiz, mas estas têm de agir de modo diferente ao que vai sendo feito. Em lugar de posar com risinhos para fotografias em torno do próprio ministro, a quem foram por uma segunda vez, na terça-feira 7, num encontro sem testemunhas, confabular em torno da liminar, os presidentes do Senado e da Câmara deveriam contrapor outro instrumento jurídico de igual porte para barrar o que pode ser visto, a rigor, como uma traquinagem contra a democracia brasileira. E se a moda das liminares que fecham o Congresso pega? Como estaremos?
SOLUÇOS _ Cobra-se do executivo uma política econômica de desenvolvimento a dois dígitos e inflação perto de zero. É o que o governo quer fazer. Mas será possível até mesmo manter o comando sobre a complexa economia brasileira com o País soluçando de crise entre Judiciário e Legislativo em crise entre o Legislativo e o Judiciário? Isso tem de acabar de uma vez por todas, de modo exemplar e definitivo.
O presidente do STF, Joaquim Barbosa, não é um homem enérgico, cheio de razões? Pois, de pé ou sentado, poderia dar uma basta a essa romaria de políticos pedintes de soluções ao pé dos tapetões de seu gabinete e ensinar-lhes uma lição de democracia. Convoca o plenário, derruba a liminar, acaba com a crise. Mas alguém espera mesmo isso de Barbosa?
O deputado Henrique Alves agora vai correr atrás, outra vez de maneira semi-formal, digamos, do procurador Gurgel. Enquanto isso, políticos que gostaram da medida de Gilmar lotam o gabinete do presidente do STF, Joaquim Barbosa, pedindo a sua prevalência. Alves é réu em processo no STF, mas não precisa temer por si. Afinal, uma coisa é uma coisa, outra, outra. Ou elas se confundem?
DNA _ Jogando tanto peso na informalidade no tratamento ao Judiciário, os políticos — e especialmente as, repita-se, vivandeiras como a presidenciável Marina Silva e seus seguidores — podem, quarenta e cinco anos depois, estar criando novos monstros. Com um DNA assemelhado ao dos signatários e executores do ato jurídico chamado Ato Institucional Nº 5, de 13 de agosto de 1968.