Reviravolta no julgamento do mensalão

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Fotomontagem com estatueta fascista. O crédito vai para o Esquerdopata

Só de pensar que todo o esforço monumental da mídia para realizar um julgamento político dos réus do mensalão e condená-los sumariamente à revelia de provas, com base em teorias improvisadas e distorcidas, pode ir por água a baixo, nos dá uma medida de quanto a luta política na comunicação ainda vale a pena.

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Estamos experimentando uma emocionante reviravolta no caso do mensalão. Se no início do julgamento, havia perplexidade geral sobre o tema, pois raros tinham conhecimento dos autos do processo, e depositavam alguma confiança na imparcialidade dos ministros do STF, hoje este sentimento mudou um bocado. Hoje mais pessoas conhecem os autos, seja por interesse político, seja por interesse acadêmico ou jurídico, seja por pura curiosidade, e formou-se uma massa crítica muito substancial que vem debatendo o julgamento do mensalão em termos totalmente diferentes do que vemos na grande mídia. São juristas, filósofos, jornalistas, intelectuais, ou pessoas comuns, que passaram os últimos meses acumulando, em maior ou menor grau, alguma leitura sobre o processo, e hoje se sentem mais seguros para assumirem uma opinião mais assertiva. E os ministros, por sua vez, perderam totalmente a aura sacra que porventura possuíam. Aliás, num debate sobre o tema do qual participei semana passada, um jurista mencionou que ao menos uma consequência positiva derivou-se do julgamento: a dessacralização do STF. Ele lembrou que, hoje, no Brasil, as pessoas têm grande liberdade para criticar o Executivo e o Legislativo, mas poucos se sentem à vontade para criticar os ministros do Supremo Tribunal Federal.

A essas reviravoltas no clima no qual se dava debate se somam fatos novos contundentes, que desmoralizam totalmente o julgamento:

  1. O dinheiro do Visanet não era público, e os recursos foram efetivamente usados em campanhas de publicidade. Com isso, cai a tese do uso de dinheiro publico, que foi essencial para gerar manchetes e fundamentar a lógica das acusações. Lembro-me perfeitamente de Ayres Britto agastando a hipótese de caixa 2 porque haveria uso de “dinheiro público”. Asserção duplamente falsa, porque nem houve uso de dinheiro público, nem se houvesse seria algo que excluisse conceitualmente o crime de caixa 2. 
  2. A contratação, por João Paulo Cunha, de um serviço de assessoria e publicidade foi atestada legalmente pelas instituições que o investigaram, mas o STF procurou simplesmente ignorar esses documentos, atendo-se apenas aos resultados de uma CPI ultrapolitizada.
  3. A teoria do domínio de fato foi vergonhosamente manipulada e distorcida.

Enfim, há um entendimento crescente de que o mensalão foi um capítulo vergonhoso na história do Supremo Tribunal Federal, que foi cooptado covardemente por uma publicidade esmagadoramente opressiva.

As trapalhadas e grosserias dos ministros do STF, nas últimas semanas, não apenas jogam luz sobre o que fizeram durante a Ação Penal 470. Elas são o resultado dela, porque transformou ministros que deveriam agir com reserva, em uma espécie de terceiro parlamento. Para aprovar qualquer iniciativa mais polêmica, é preciso aprovar na Câmara, no Senado, ter o aval da presidência da república e dos ministros do STF.

Em parte, isso é culpa dos próprios parlamentares, que correm para o STF na primeira dificuldade.  É o que acontece agora com a nova lei que procura coibir a bagunça partidária ao determinar que se um parlamentar muda de partido, o seu tempo de TV e os recursos partidários correspondentes  a sua participação no Legisltivo ficam com seu partido original, com o qual se elegeu. É uma lei moralizadora, e se há um casuísmo gritante – porque se concedeu tempo e dinheiro ao PSD, isso não tira a virtude da lei. Ela deveria ter sido feita antes do PSD. Antes tarde do que nunca.

Interessante ver os chiliques do PSDB e mídia contra uma decisão soberana do Congresso. A declaração de Rodrigo Rollemberg, líder do PSB, comparando uma decisão tomada pela maioria esmagadora dos parlamentares (a lei foi aprovada com 240 votos, com apenas 30 contrários), com o Pacote de Abril, conjunto de leis imposto no auge da ditadura, é simplesmente ridícula.

Entrentanto, nesse jogo de interesses, onde a base governista procura, naturalmente, dar as cartas para as eleições de 2014, duas consequências políticas de monta saltam aos olhos:  uma é a união da própria base, em especial PMDB, PT, PSD. De outro lado, o surgimento de um novo bloco de oposição, formado por PSDB e PSB.

O centro político brasileiro está vivo e se movimentando. Alguns analistas hoje prevêem dificuldades para Dilma em 2014, em função dessa convergência crescente de interesses entre seus principais adversários: Aécio Neves, Eduardo Campos e Marina Silva.  Só que não podemos esquecer o seguinte:

  1. Os três, por mais que se abracem e beijem entre si, tiram votos uns dos outros. 
  2. Os três representam segmentos bem diferentes do eleitorado. Mesmo que se unissem num segundo turno, isso não significaria que os eleitores iriam pelo mesmo caminho.
  3. Os três terão muito pouco tempo de televisão e enfrentam terríveis dificuldades para encontrar palanques decentes fora de seus estados de origem. A articulação de Campos para fazer de Serra candidato a governador de SP pelo recém-criado MD, e usá-lo como palanque, é um tanto desesperada, e não leva em conta a enorme rejeição de José Serra.

A maior força da oposição em 2014 não é Eduardo Campos, nem Marina, nem Aécio. O seu maior trunfo continua sendo o apoio da grande mídia, que lidera um bloco de poder formado por legendas de oposição, intelectuais vendidos, banqueiros infelizes com juros baixos e setores reacionários do judiciário e do MP. É um dos blocos de poder mais influentes no país. Raymondo Faoro chamaria tal bloco de “estamento”, e rememoraria o triste papel que esse mesmo “estamento” desempenhou no país nos últimos 60 anos.[/s2If]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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