Nesta primeira manhã (quase) fria do Rio, navegando por meus blogs preferidos, concluí que, apesar de todos os problemas, a América Latina experimenta a passagem mais genuinamente democrática de sua história. Na Venezuela, Maduro foi eleito com pequena margem de diferença, assim como Obama também o foi. Mas ganhou, incontestavelmente, assim como Obama, apesar do jus sperneandi de Capriles, seu adversário. Quer dizer, jus sperneandi não. Em alguns casos, há direito para se espernear. Outros, não. Contestação de resultado eleitoral apenas é válida quando embasada em denúncias muito objetivas e abrangentes, e com apoio de observadores internacionais. Não sendo assim, exala forte cheiro de vira-latice e demonstra falta de respeito para com o processo democrático do qual se acabou de participar. Se a oposição insistir na ladainha de fraude, perderá o prestígio que porventura tenha acumulado com setores da população que apostaram nela como alternativa democrática.
De qualquer forma, o desempenho da oposição venezuelana mostrou que há disputa política interna, e que mesmo um governo “revolucionário”, com grande aprovação popular, cujo líder máximo acabou de ser enterrado em circunstâncias pomposas, terá de continuar mostrando resultados concretos para garantir sua aprovação.
Isso é muito bom. Numa democracia madura, eleições não são ganhas por “mitos’, nem por promessas mirabolantes ou propaganda revolucionária. Não porque o povo não aspire por mudanças revolucionárias, nem seja insensível às promessas mirabolantes de ter sua vida melhorada. E sim porque o povo é saudavelmente cético, e prudentemente desconfiado.
O resultado na Venezuela ensejou uma análise do site Carta Maior a alertar o PT a “botar suas barbas de molho”, porque indicaria um desgaste dos governos de esquerda na América Latina.
Acho essas comparações meio forçadas. Desgaste é um problema de todo governo.
Entretanto, é fato que a América Latina tem imensos pontos em comum. Hobsbawm, o historiador inglês que escreveu a Era das Revoluções, poderia ter publicado um livro sobre o nosso continente intitulado A Era dos Golpismos, estabelecendo os elos que interligam a sucessão de golpes de Estado que derrubaram governos democráticos desde Árbenz, em 54, na Guatemala, até Allende, no Chile, em 1973.
Hoje vemos velhos reacionários acusando os então jovens dos anos 60 e 70 de não acreditarem em solução democrática… Ora, é um escárnio. Um jovem de 20 anos em 1966 não acreditava em solução democrática pela simples razão de que, em todos os países da América Latina, governantes eleitos democraticamente vinham sendo sistematicamente derrubados por golpes aplicados por militares, alta burguesia e embaixadas americanas.
Mas se partimos desse histórico em comum, que gerou vários problemas semelhantes em nossos países, não é científico apontar uma convergência política para as diferentes nações latinas. A tendência é antes o oposto. As diferenças, mesmo pequenas, gerarão soluções diferentes que levarão a caminhos diferentes
O que não significa que deixem de existir influências cruzadas; por exemplo, que governos conservadores eventualmente bem sucedidos (mesmo que provisioriamente, como a 1ª gestão de FHC) não influenciem vitórias conservadoras em nações vizinhas. E vice-versa.
É uma visão um pouco pessimista, porque implica na aceitação de que o sonho de uma América Latina unida, com uma só moeda, uma só instituição fiscal, sistemas de empregos, saúde e transporte integrados, ainda vai demorar um bocado para se tornar realidade. A união da América sulista ainda é um sonho pelo qual temos de lutar, porque é, no longo prazo, a única maneira de não sermos engolidos pelos grandes blocos econômicos do planeta: China, EUA e União Europeia; mas os interesses econômicos encastelados em cada país latino ainda atrasarão essa meta por um bom par de décadas.
Para o Brasil, não faz diferença quem ganha na Venezuela. Quer dizer, economicamente, é melhor para nós um “bolivariano”, porque a Venezuela chavista tem priorizado fazer negócios com o Brasil. Por outro lado, não creio que um governo não-chavista promoveria qualquer mudança substancial nas relações comerciais entre Brasil e Venezuela. Tanto é assim que o principal adversário de Maduro, o opositor Capriles, usava a imagem de Lula como símbolo da moderação política que gostaria de ver predominante no país.
Os desafios brasileiros estão dentro de nossas fronteiras. No momento, a atmosfera política é de rara estabilidade. Os jornalões e seus colunistas parecem absorvidos no esforço de construir, nem que de forma ainda puramente conceitual, uma oposição minimamente unida. As campanhas de desestabilização encontraram uma trégua, até porque elas custam muito mais esforço do que antes. Houve tempos em que nossos barões derrubavam um ministro, ou um político qualquer, em uma semana. Nos últimos tempos, levam meses. No caso de Renan Calheiros, tentam derrubar há anos, e não conseguem.
O poder dos jornalões se diluiu no fluxo cada vez mais colossal de dados que a internet oferece diariamente aos cidadãos. O que os barões da mídia conseguem, hoje, é deixar os anti-petistas ainda mais anti-petistas, até quase o ponto da patologia. Eu tenho conhecidos assim. De tanto ler Globo e Veja, o sujeito vive à beira de uma síncope nervosa. Considera o Brasil uma merda, abraça todas as falácias ultraconservadoras da mídia, mas viaja frequentemente à França, onde o tamanho do Estado, os programas sociais, o peso do funcionalismo público e a carga tributária, estão anos-luz à frente da realidade brasileira.
Para nossa sorte, eles não conseguem ampliar seu “público”. Não com esse discurso. O brasileiro comum hoje, de classe média, quer dar risada assistindo “Porta dos Fundos” no youtube; não lhe interessa os chiliques histéricos, sintatica e ideologicamente obscuros, de um Arnaldo Jabor…