Inicio a semana indicando uma magnífica reportagem de Natalia Viana, da Agência Pública, que desmascara as imorais, ilegais e engordativas intromissões do governo americano no cenário político da América Latina. Sempre contra a esquerda, naturalmente. Viana conta a história de um argentino-americano chamado Eduardo Fernandez, e me fez lembrar do filme O Alfaiate do Panamá, do diretor John Boorman, inspirado no romance de Grahan Greene, Nosso homem em Havana.
O imperialismo americano produziu uma infinita rede de parasitas que ganham a vida exagerando um suposto “perigo vermelho” nas repúblicas tropicais. Se até os anos 70, esses pretensos espiões eram perigosos, hoje se tornaram verdadeiros palhaços de si mesmos, remanescentes corruptos dos “gloriosos tempos” da luta anti-comunista. Não quer dizer que ainda não representem um risco à estabilidade democrática no continente. Dinheiro em grande escala faz a diferença em qualquer parte. A reportagem revela, por exemplo, um aumento extraordinário de recursos para determinada agência americana pouco antes do impeachment relâmpago de Fernando Lugo. Mas o golpe contra Lugo foi dado pelo próprio Congresso paraguaio. A nossa sorte é que esses caras devem embolsar a maior parte dos recursos, antes de doar para grupos de oposição.
Se uma coisa aprendemos revisitando a história da América Latina, é que embora admitindo que os americanos sempre estiveram ao lado dos golpistas, a maior culpa pelos golpes é mesmo nossa, de nossas elites, nossa mídia, nossa despolitização e nossa covardia. Se o Brasil tivesse escutado Brizola e reagido, teríamos outra história, outra auto-estima, ao invés de estarmos, até hoje, discutindo política a reboque da mesma mídia que produziu o estado de espírito que tornou possível a ditadura.
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O Brasil hoje está na curva da estrada que leva a seu desenvolvimento. Há, de fato, uma tremenda ansiedade no ar. Cresceu exponencialmente a quantidade de recursos alocados para as grandes obras de infra-estrutura, investimentos em educação, e houve deslocamento tectônico das classes sociais, todas empurradas para cima em termos de poder aquisitivo e perspectiva de vida. Se a roda econômica passa a girar muito mais rápido, também cresce o número de erros.
Talvez seja um erro colossal, por exemplo, entregar os portos à iniciativa privada, através dos programas de concessão que o governo vem realizando. Talvez na curva da estrada, na qual entramos acelerando a uma velocidade cada vez maior, topemos com um caminhão vindo no sentido contrário.
Eu sou partidário do modelo europeu de fortalecimento do Estado e das estatais. A Europa vem apresentando problemas financeiros, mas não por causa de seus portos públicos.
Roberto Requião, ex-governador do Paraná e senador pelo PMDB, e José Valente, um especialista em infra-estrutura ligado ao PT, fazem uma oposição dura à MP dos Portos, justamente por entregar portos públicos à sanha privada. Esse tipo de decisão, contudo, não mobiliza a sociedade, e os políticos terão que arcar com as consequências de seus atos. O governo é soberano para tomar decisões importantes, e também há gente muito capaz defendendo a MP dos Portos. O empresariado defende com unhas e dentes, o que não é necessariamente um mal sinal, visto que será ele que irá pagar pelos serviços.
Esse tipo de concessão privada apenas poderia funcionar se o governo garantisse uma regulamentação democrática e severa, fortalecendo os órgãos de controle, para que a medida não represente uma perda de soberania, nem um desastre em termos de custos e corrupção.
O Brasil tem tudo para dar certo, e qualquer medida pode ser bem sucedida, desde que o Estado jamais deixe de investir na capacitação de seus funcionários e no aprimoramento dos órgãos supervisores.
O enorme volume de ações, obras e investimentos do governo implicará, como já disse, em aumento de erros, algumas vezes por culpa de incompetência da máquina burocrática, outras por ingerência política, além dos inevitáveis acidentes de percurso. Eu suponho que o povo brasileiro seja até relativamente tolerante com os erros, desde que não os interpretem como má fé, ou não vejam o governo ter a humildade fundamental de corrigir os desvios.
As pessoas votam em seus representantes políticos para que tomem decisões, mesmo que arriscadas. A gestão petista na Petrobrás cometeu erros? Possivelmente, mas é risível achar que essa constatação nos levaria a entregá-la de novo ao controle tucano.
Não dá, a esta altura do campeonato, para ter medo e desacelerar. O Brasil precisa desesperadamente aumentar seu crescimento econômico, para melhorar serviços públicos e infra-estrutura, elevar a auto-estima de seu povo e dar-lhe condições de se aprimorar intelectual e espiritualmente. Esta urgência explica porque a sociedade, por mais que alguns setores critiquem a presidenta (como eu critico, por exemplo, a sua política de comunicação), tem lhe conferido uma espécie de cheque em branco em termos de popularidade.
Mas de uma coisa podemos estar certos. Se na virada da curva, o Brasil topar com um caminhão em sentido contrário, este virá, seguramente, com um logotipo da Globo no parachoque. Por isso, vale o alerta para o governo. Ele nadará em águas tranquilas enquanto não cometer um erro. O dia em que este acontecer, entenderá porque havia tanto receio, em suas bases sociais, com a concentração absurda e medieval da nossa mídia.