(Publicado na coluna de Ancelmo Gois deste domingo, 24/02/2013)
A nota é um acinte à inteligência que figuraria bem na capa do site do Tea Party. Se Ancelmo dissesse que a pobreza não é o único fator a explicar a violência urbana, tudo bem. Repare que ele abre a nota num tom que exclui a possibilidade de haver polêmica sobre o tema. Trata-se de “mais um estudo que revela”. Ele podia, se quisesse estimular o debate, ou simplesmente provocar, dizer que é “mais um estudo que questiona”. Mas não. O estudo, assim como os escritos de São Paulo, “revela”. E o que revela, que a pobreza não é um “fator relevante”.
Os números apresentados são uma falácia em vários sentidos. Não se mede pobreza com dados sobre aumento da renda média, pela razão óbvia que estes ocultam eventuais pioras na distribuição de renda. A renda média pode aumentar numa cidade, e ao mesmo tempo, a sua pobreza. Também não fala em questões fundamentais, como a oferta de serviços públicos, e qualidade da moradia, o que também caracteriza a pobreza. Uma família pode até experimentar aumento de sua renda, mas se ao mesmo tempo piora o sistema de saneamento básico de seu bairro, terá a sensação de piora de sua qualidade de vida.
Por fim, seria completamente idiota achar que a melhora na renda provocaria uma queda imediata nos índices de violência urbana. Há um intervalo infelizmente obrigatório, porque não basta um aumento de alguns percentuais na renda do trabalho médio de uma comunidade para convencer um criminoso profissional a largar sua vida relativamente fácil.
A pobreza não é o único fator a explicar a violência urbana. Há fatores culturais, circunstâncias históricas, até mesmo geográficas (uma comunidade castigada por seca ou enchentes poderá observar aumento da violência), índice de saneamento básico, qualidade dos serviços de saúde, educação, sentimentos de otimismo e esperança contrapostos à sensação de medo e desespero. Racismo, baixa auto-estima, pouca qualificação para o mercado de trabalho, oferta insuficiente de lazer, também são fatores que explicam a violência urbana. Aliás, esses fatores todos também são associados ao conceito de pobreza, que tem um lado subjetivo e outro relativo. Eu posso até aumentar minha renda um pouco, mas me sentir ainda mais pobre do que antes, se a vida de meus vizinhos melhorar ainda mais. O ser humano apenas compreeende a realidade através da comparação, da dialética.
Gois poderia dar uma olhada no Estadão do mesmo domingo, onde há reportagem que também “revela” uma realidade ainda dura para os brasileiros. Apesar da melhora de inúmeros índices sociais, o saneamento básico experimentou uma melhora insignificante. Obviamente, há milhares de brasileiros que não se conforma com isso e mergulham no perigoso mundo do crime. A situação é particularmente grave no Nordeste, o que explicaria a aparente contradição trazida por Gois.
Afirmar que a pobreza não é um fator “relevante” no aumento da violência urbana, talvez nem o mais obtuso e radical teórico de extrema direita seria capaz de fazer.