“Nós somos o que vocês foram; nós seremos o que vocês são”, era o refrão nacionalista dos esparciatas. Segundo Renan (o filósofo, não o alvo dos udenistas), essa frase, em sua simplicidade, seria o hino resumido de toda pátria. Ela representa uma verdade triste, gloriosa ou feliz, a depender do país e da maneira como seus líderes e seu povo superam os desafios.
Neste momento em que um campo político comemora dez anos de poder, eu acho que, mais importante do que louvar os avanços, é mais consequente, para a nação, discutir os erros. No caso da política de comunicação, e mais especificamente na política de comunicação para a internet, temos um quadro estarrecedor de retrocesso.
Eu passei a tarde inteira analisando os números da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), de 2011 e 2012, compilando, editando, tabelando, sintetizando. Os resultados que obtive são surpreendentes. Faço aqui um recorte político, como eu acho que deve ser feito, porque na esfera da comunicação se discutem os valores que forjarão o caráter nacional. Entendam bem: não acho que os debates políticos devam ser liderados ou guiados por governos. Não acho que governos ou mesmos partidos tenham desenvoltura ou criatividade para guiar qualquer debate cultural, moral, político ou ideológico. Eles participam do debate, como qualquer um dos atores do circo social. Mas não o lideram. Isso é uma responsabilidade da sociedade civil.
Entretanto, num país cujo ambiente jornalístico foi devastado por grupos de mídia que apoiaram e sustentaram uma ditadura justamente para isso, para ampliarem seu poder e seu controle sobre o pensamento nacional, cabe ao Estado defender os princípios mais importantes da Carta Magna, o pluralismo político e a liberdade de expressão. É preciso, por assim dizer, reflorestar o meio ambiente jornalístico e cultural.
Infelizmente, não é isso a que estamos assistindo. Segundo a Secom, a maioria esmagadora da publicidade federal veiculada na internet concentrou-se em mãos de grupos de mídia conservadores, o famigerado PIG (partido da imprensa golpista). Se considerarmos que Globo, UOL, Folha, Estadão, Abril, RBS, e também as americanas Microsoft, Fox e Yahoo, podem ser classificadas, sociologicamente, na categoria PIG, então este recebeu, em 2012, nada menos que 72,2% de toda publicidade oficial investida na rede mundial de computadores, ou seja, R$ 4,77 milhões de um universo de R$ 6,6 milhões.
Observe que o site da Fox, um canal ligado à mais extremista direita norte-americana, recebe 40 vezes mais que o blog do Nassif. Apenas o UOL, pertencente ao grupo Folha, recebe 16% de toda publicidade federal voltada para a web. Não sabia que o site da Fox no Brasil era um dos mais visitados do país… Ou mesmo que o fosse, que merecia tantos recursos públicos.
O pior, contudo, ainda está por vir. Os mesmos grupos que drenam para si quase toda a verba federal veiculada na internet são os mesmos que recebem a maior parte dos recursos destinados para outras mídias. O PIB de 2012 pode ter sido fraco, subindo apenas 1,6% sobre o ano anterior (ou 1,35% em números dessazonalizados), mas a publicidade federal destinada às empresas do grupo Globo cresceu 36% em 2012, atingindo R$ 49,64 milhões, ou 43,6% de toda a publicidade federal no ano.
Os números da Secom não incluem estatais e agências reguladoras: referem-se apenas à publicidade da presidência e dos ministérios. A lógica que regula a publicidade das estatais, porém, é a mesma. Se considerarmos a publicidade de prefeituras, governos estaduais, além dos poderes Judiciário e Legislativo, todos seguindo a mesma tendência, pode-se inferir o tamanho do buraco que estamos cavando.
Em 2012, o governo aumentou em 110,2% a verba destinada à internet. Parece muito, mas não é, visto que o aumento da publicidade destinada a jornais cresceu mais, 120%. Ou seja, o único instrumento que a sociedade democrática possui para tentar reestabelecer o equilíbrio no debate de ideias, a internet, tem sido sobejamente negligenciado pelo governo. E uma reforma no direcionamento da publicidade federal não precisa, necessariamente, de uma nova regulamentação da mídia para ser levada a cabo (embora isso fosse o ideal). Precisa sim de vontade política e o senso de que há mudanças que não podem mais ser adiadas.
As verbas federais para internet, se comparadas à participação dos jornais, ainda são muito pequenas. A pluralidade e o alcance da internet hoje são muito superiores aos da imprensa escrita.
Alguém poderia me acusar de estar atuando em causa própria. Estou sim! Francamente, não consigo entender qual o estímulo ao pluralismo polítco e à liberdade de expressão existe em dar todo o dinheiro para Globo, UOL e Abril e quase nada para a blogosfera. Ao contrário, o governo está contribuindo para a concentração midiática e para a pobreza de ideias. Nesse momento, em que a grande mídia começa a atacar diariamente a blogosfera, com editoriais agressivos, acusações hipócritas de receber dinheiro público (quando ela é que engole quase tudo), e até agressões jurídicas, como a feita por Ali Kamel contra Rodrigo Vianna, e o processo da Folha contra o blog Desculpe nossa Falha, é muito decepcionante que um governo supostamente de esquerda, e que também supostamente representa o campo popular, se posicione, na prática, ao lado de nossos adversários. O preço político por esse erro não será pago apenas pelo PT, mas por todo o povo brasileiro. Este será vítima daquele que talvez seja a pior tipo de injustiça: através da manipulação astuta des informações, imagens, e símbolos, setores da mídia o convencem a agir contra si mesmo.
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