Amanhã, sábado, é um grande dia para Marina Silva.
O seu novo partido, cujo nome ainda não está fechado, apenas sabe-se que será Rede-alguma-coisa, organiza um evento em Brasília para apresentar-se oficialmente à nação. Agora falta recolher 500 mil assinaturas e criar a legenda.
Há uma grande boa vontade na mídia em relação à Marina Silva. A mídia corporativa, com seus pendores de oposição, vê na ex-ministra – com razão – uma aliada na luta para apear os petistas do Planalto.
Ninguém deve subestimar Marina Silva. Em 2010, ela agregou uma quantidade impressionante, e eclética, de eleitores independentes: evangélicos, jovens de classe média, votos de protesto, gente interessada no meio ambiente, antipetistas não-tucanos.
Outro erro, porém, seria superestimá-la. O eleitor evangélico, por exemplo, ou mesmo católico, não vê mais razões para suspeitar da presidente, que trabalhou com muita prudência para desfazer a rejeição desses setores a sua pessoa. Dilma perdeu os chifres e o rabo. Não será mais possível usar o desconhecimento do eleitor sobre a ex-guerrilheira para assustá-lo com profecias diabólicas. O eleitor agora conhece a presidenta. Conhece os problemas de seu governo e seus defeitos pessoais. A aprovação de Dilma é altíssima, ponto final.
Perdido o eleitorado religioso, o desafio de Marina será captar o voto jovem, o de “protesto”, e os udenistas. Estes setores, sobretudo os dois últimos, estarão também na mira de Aécio Neves, que terá seguramente um discursto bem mais assertivo neste sentido, além de uma quantidade de recursos infinitamente superior.
Sobrará para Marina Silva o eleitor jovem de classe média, anti-governista e udenista por natureza. Seu principal adversário, neste segmento, será um eventual candidato do PSOL. O sucesso de Marina Silva, portanto, estará condicionado à habilidade para costurar uma articulação, mesmo que tácita, com a ultra-esquerda de oposição. Mas haverá, também aí, um problema grave: os financiadores de Marina são, principalmente, ricaços “sustentáveis”, como o cineasta Fernando Meirelles, o dono da Natura, Luiz Seabara, e a herdeira do Itaú, Maria Alice Setúbal. Com tais aliados, será uma operação delicada articular-se com setores socialistas radicais.
Hoje foi publicada, no Globo, com grande destaque, uma reportagem sobre os primeiros desafios do novo partido de Marina. Segundo a matéria, a presidenciável estaria tendo problemas para atrair políticos tradicionais, em função das regras “inusitadas” sugeridas para a legenda. São elas: limite de até 16 anos para o exercício do mandato parlamentar; veto a doações de empresas “não-sustentáveis”; cota para candidatos “avulsos”.
Algumas dessas regras, na minha opinião, são francamente antidemocráticas. Outras, simplesmente carolas. Impor um limite de 16 anos, por exemplo, pode até soar bonito, por estimular a renovação política, mas esse é o tipo de mudança que deveria ser votado numa reforma política, para valer para todos os partidos. Não faz sentido uma legenda mutilar, unilateralmente, um direito que os parlamentares de todas as outras legendas possuirão, de oferecer ao eleitor, e não à uma regra partidária, a decisão de renovar ou não o seu mandato.
Quanto às doações, vale o mesmo raciocínio. Uma legenda que pretende disputar, à vera, o poder, tem de disputar com outros partidos em condições iguais. Regras de financiamento tem de valer para todos. A posição da nova legenda seria mais construtiva se deixasse claro, desde já, que reforma política deseja para o Brasil. Além do mais, entre as empresas que não poderiam doar ao novo partido, estão as fabricantes de bebidas alcóolicas. Gostaria de saber qual o sentido dessa proibição a não ser um preconceito carola contra o uso do álcool. Considerando que o partido aceitará doações de empreiteira, a jogada contra fabricantes de cerveja ou cachaça – que aliás, segundo consta, não são grandes doadoras – me parece apenas demagógica e marketeira.
A parte mais curiosa do novo partido de Marina, todavia, é mesmo a sua disposição de abrir uma (não pequena) cota para candidatos avulsos, sem comprometimento com as bandeiras da legenda. Na minha humilde opinião, é uma proposta absolutamente antidemocrática, quase golpista, perigosíssima, porque lançará no Congresso indivíduos absolutamente livres para se venderem a qualquer tipo de lobby. A proposta é o corolário último da campanha de despolitização e criminalização da política promovida pela mídia. Um partido, com todos os seus defeitos, é um colegiado onde os parlamentares precisam discutir duas ideias antes de apresentá-las na casa legislativa. Livres desse “estorvo”, que aliás, já é quase nulo (mas existe, em tese), um parlamentar será um radical livre que participará de uma votação sem o mínimo compromisso com sua legenda, agregando um fator de instabilidade extremamente nocivo a governabilidade de um país. Conviver com as instabilidades, atrasos e surpresas naturais de uma democracia já é algo extremamente delicado, quando se pensa, por exemplo, no país que mais cresce no mundo, como a China; mas vale a pena em virtude do atributo mais importante para o mundo ocidental, a liberdade. Não é racional, porém, produzir mais um fator de instabilidade, pondo em risco a credibilidade e o sucesso dos regimes democráticos, criando um legislativo coalhado de representantes sem qualquer compromisso partidário, ou seja, cuja atuação não passará pelo filtro estabilizador dos acordos entre as legendas e o Executivo.
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Meu post de ontem, sobre Eduardo Campos, foi razoavelmente discutido nas redes, e acho que vale a pena fazer alguns esclarecimentos.
Campos dificilmente será “inimigo” de Dilma Rousseff e Lula. Seria uma contradição, após defender por oito anos as gestões petistas, e participar delas. Não me parece impossível que haja uma jogada ensaiada entre o próprio Campos e Dilma, com objetivo de prender a atenção da mídia aos círculos governistas. E mesmo que não haja, o resultado é o mesmo. A entrada de Campos meio que blinda o governo Dilma contra a verdadeira oposição, representada pelo PSDB. As críticas de Campos ao PMDB fazem parte dessa estratégia. Para Campos, mesmo que em 2014 acabe não sendo candidato, vale a pena posar de candidato virtual agora, para projetar seu nome.
Essa é uma teoria. Uma outra hipótese seria que Campos viria sim como um agente da oposição, aliado da mídia, PSDB e Marina Silva. Quer dizer, isso num segundo turno. No primeiro turno, Campos viria apenas com apoio de alguns partidos desgarrados da base aliada, como PDT e PR.
Mesmo assim, mesmo que isso represente um risco para a situação, e uma luta mais dura para o PT, acho que a entrada de Campos seria benéfica para o jogo democrático, enriquecendo o debate político-eleitoral. Teríamos mais pluralidade de posições, mais ideias na mesa.
Ou não?
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Um comentarista no blog do Nassif, Douglas da Mata, fez algumas observações bastante inteligentes sobre o meu post, que foi publicado por lá. Achei que valem a pena serem publicadas aqui:
O futuro é opaco, como alguém já disse. Outros dizem que toda vez que medimos algo, o transformamos.
A mais lógica das obviedades, que como tal, poucos enxergam.
Não há como determinar quais são as jogadas da disputa. Sabemos por ouvir dizer: da mídia, e do que vaza pelos próprios interessados, etc.
Mas ainda assim, há algumas pistas sobre as quais poderemos nos debruçar:
01- Não há o menor sintoma de que Dilma tenha perdido o controle de sua articulação política, sua influência e trânsito junto aos parlamentares e dos conflitos dentro desta base aliada.
02- Nenhum presidente que se preze, manipula o tabuleiro com uma só qualidade de peças: logo, Dilma morde a PGR com o PMDB, e assopra com Eduardo Campos. Advinha que é a árbitra deste conflito que ameaça o pescoço do Gurgel? Pois bem, ela!
03- De sua distância segura, argumenta que é um problema dos partidos alilados em relação a PGR, e não de governo!
04- O estimulo ao enfrentamento ao PMDB pelo PSB nada mais é que um aviso ao PMDB: vocês não são a última bolacha do pacote! E pode funcionar com sinal trocado!
05- De quebra, este mis-un-scéne coloca em parafuso as estratégias da oposição, na medida que um importante interlocutor governista toma a bandeira anti-PMDB nas mãos. Uma jogada de efeito, e que surtirá muito efeito nas negociações que vêm por aí.
Eduardo Campos sabe da inviabilidade de sua candidatura, e só a colocará na rua com anuência da presidenta, nunca contra ela.
Sabe que não vence sem o PMDB, inclusive!
E tudo o que o PMDB quer é que ele dê motivo para que seu espaço no governo seja reduzido e a vice caia no colo do PMDB, novamente.
Li uma resenha do filme chileno No, recentemente, e creio que já citei ela aqui: o publicitário, personagem principal do filme, traz para a cena uma premissa básica que contraria o colorário de teses para consubstanciar o discurso da campanha, mas que, na opinião dele, nunca seriam captadas pelo senso comum: para o publicitário, as pessoas mudam por medo ou esperança.
É isto.
Não há no cenário que se avizinha nada que faça a população sentir medo de Dilma, Lula ou PT.
Não há na oposição (ou em Campos) nenhum sentimento de esperança a ser explorado.
Ainda que a economia degringole, e isto é muito difícil, é a percepção de que Dilma é capaz de cuidar de todos e resolver os problemas(esperança) que a coloca como favorita.
Enquanto resta a oposição o medo da população de que eles estraguem tudo de bom que foi feito até agora, ainda mais se houver uma ameaça real a estas conquistas.
Quando vejo Eduardo Campos, me recordo muito do ex-governador do nosso estado, RJ, hoje deputado e líder do PR, anthony garotinho, ou como chamamos por aqui, napoleão da lapa(bairro onde nasceu em Campos dos Goytacazes).
Tinha uma aliança alinhavada com o PT, via Zé Dirceu, um projeto estratégico, que incluiu Bené como vice, e uma plataforma que o lançaria como vice de Lula, ou como nome de peso na futura aliança de 2002, para colocá-lo como alternativa de poder dentro desta coalisão.
Pois bem, napoleão da lapa quis invadir a Rússia sem combinar com os russos e o inverno, teve 15 milhões de votos para presidente, e quase sumiu do mapa político nacional.
Está confinado para sempre a chefe de olligarquia regional.
Mas eu acredito que Eduardo Campos não é tão idiota, e nem tão apressado. Mas se for, azar o dele.