Nelson Werneck Sodré publicou, em 1966, um livro intitulado A História da Imprensa no Brasil, que também poderia se chamar, a História Negra da Imprensa brasileira. Infelizmente, é um livro esgotado, apesar de tão fundamental para a compreensão da nossa história política. Pode ser baixado, no entanto, neste site.
Sugiro a leitura do último capítulo, a Crise da Imprensa, do qual reproduzo e comento alguns trechos:
Com frequência, (…) vira-se as grandes empresas jornalísticas empenhadas em campanhas de destruição: havia como que palavra de ordem, e todas começavam o côro, concentrando suas baterias até demolir o objetivo que visavam.
(…) Essa imprensa ajudara, pois, a criar o clima que tornara possível todas as arbitrariedades, o estado de sítio, o estado de guerra, o Estado Novo como coroamento.
A primeira grande campanha conjunta da imprensa brasileira, já bastante concentrada em grandes grupos, num momento do capitalismo brasileiro e mundial em que o lançamento de um periódico demandava uma monstruosa quantidade de capital, visou criminalizar a Aliança Nacional Libertadora (ALN), caracterizando-a como uma entidade comunista, financiada por Moscou.
Sodré aborda também um fator que hoje não se fala: a influência determinante, sobre os jornais, de agências de publicidade estrangeiras. Hoje esse problema é ainda maior.
O autor narra inúmeros casos em que campanhas da imprensa brasileira, financiadas por grupos estrangeiros, resultaram em danos irreversíveis ao interesse nacional. Importante: falamos basicamente dos mesmos grupos que operam até hoje. E ainda há jornalistas metido a politizados que repetem o clichê de Millor (válido apenas na ditadura) sobre a necessidade do jornalista ser “de oposição”. Ok, pode ser de oposição, mas um cidadão consciente da história política de seu país precisa conhecer o triste papel desempenhado pela imprensa brasileira. Uma coisa é ser “de oposição”, outra coisa é usar isso como desculpa para ser um marionete bem remunerado de um jogo de poder onde a imprensa sempre atuou contra o interesse nacional.
Por exemplo: a campanha dos Diários Associados, de Chautebriand, contra a construção de uma usina própria para o projeto da ferrovia Central do Brasil. Os jornais defendiam que o governo contratasse a canadense Light, ao invés de construir uma fonte de energia própria e autônoma. Financiados pela própria Light, grande anunciante na imprensa brasileira, conseguiram seu objetivo: o governo desistiu de construir uma usina; mais tarde, desistiria até mesmo de uma política ferroviária.
A mesma coisa aconteceu ao petróleo. Durante décadas, a imprensa brasileira, sustentada por interesses alienígenas, atacou de todas as formas os esforços nacionais para se libertar da dependência de petróleo estrangeiro.
Sodré observa que mesmo Getúlio, durante seu governo democrático de 1950 a 1954, fez uma série de concessões políticas antinacionalistas em função das pressões sofridas por meio da imprensa. Em 1953, a Petrobrás tornava-se lei, mas os antinacionalistas não desistiam:
só havia, agora, um caminho para destruí-la, o interno, o administrativo. Para isso foi nomeado seu primeiro presidente um de seus inimigos, Juraci Magalhães, cuja providência inicial foi contratar nos Estados Unidos, para chefe de prospecção, Mr.Link, o geólogo mais bem pago do mundo, encarregado de “provar” que, fora dos reduzidos campos baianos, o Brasil não tinha petróleo.
Antes disso, a imprensa conseguira uma vitória política espetacular: associar toda e qualquer defesa do Estado e postura nacionalista como “comunista”, o que, no clima de guerra fria que então se vivia, correspondia a uma criminalização da política.
Tratava-se de demonstrar que os defensores da solução estatal eram comunistas e, sendo os comunistas bandidos depravados, não deviam ter o direito a exteriorizar suas opiniões, antes deviam ser rigorosamente punidos por isso. Assim o patriotismo mobilizado para a defesa da riqueza nacional, em caso concreto, passava a ser encarado como crime.
Com isso, manifestações populares em favor de uma política nacionalista para o petróleo foram duramente reprimidas. Mais tarde, quando o Clube Militar (então um entidade nacionalista, com pendores de esquerda, bem diferente do triste ninho de golpistas que iria se tornar anos depois) iniciou debates também favoráveis a uma política nacionalista, iniciou-se, na grande imprensa, uma violenta campanha contra essa instituição.
a imprensa mobilizada pelas agências de publicidade norte-americanas concentrou ali os seus fogos: dezenas de militares tiveram suas carreiras cortadas, foram presos, processados, condenados, e alguns torpemente torturados: era, no fim das contas, uma imprensa mobilizada para acabar com um órgão de imprensa, a Revista do Clube Militar. Entre editoriais, notas, entrevistas, tópicos, notícias, contra o Clube Militar, contavam-se por centenas, diariamente, os ataques.
Sodré descreve uma das estratégias da imprensa para debilitar o governo nacionalista de Vargas:
A campanha de 1951 e 1952 visara o grupo militar [nacionalista]; tratava-se agora de liquidar a imprensa que o apoiara, representada quase que tão somente pelo vespertino oficioso da Última Hora. Toda a imprensa concentrou-se, então, em demonstrar o óbvio: que esse jornal só se tornara possível pela concessão de grandes empréstimos nos estabelecimentos oficiais de crédito. Foi a operação que ocupou a grande imprensa em 1953 e que se arrastaria por alguns meses: era necessário pôr a descoberto os empréstimos levantados pelo vespertino, esquecendo aqueles levantados, nas mesmas condições, ou piores, pelos outros jornais. Rafael Correia de Oliveira, em sua coluna do Diário de Notícias, mostrava como não era possível, quando menos por coerência, atitudes diversas ante fatos iguais, e acusava os Diários Associados de se terem aproveitado mais dos estabelecimentos oficiais de crédito do que a Última Hora, posta sozinha no pelourinho.
O historiador revela ainda uma outra omissão de Vargas, que apesar de presidente, não controlava totalmente o aparelho do Estado:
(…) o presidente da república foi ainda induzido a transferir ao Estado de São Paulo [em virtude de articulações do sr.Julio Mesquita com Vicente Rao, do Itamarati] a concessão do canal da Rádio Eldorado que, uma vez montada, aliou-se à Radio Globo na propaganda do golpe.
E aí, após atingir seriamente a Última Hora, os jornais passam a concentrar suas baterias na “liquidação do governo Vargas”.
O curioso, novamente, é a repetição do mesmo filme: as mesmas empresas que hoje atacam o governo e fazem campanhas em côro, agiram da mesma forma na década de 50, sempre unidas contra toda causa nacionalista. Por trás disso tudo, uma enorme rede de corrupção montada por grupos estrangeiros que não queriam nenhuma mudança na lei de remessa de lucros, e pelas agências de publicidade, também controladas por estrangeiros, que defendiam os interesses das empresas.
O suicídio de Vargas desmontou a articulação golpista, que no entanto tentou novamente dar o bote em 1961, impedindo a posse de Jango. Mas…
(…) vencido em 1961, o movimento antinacional e antidemocrático retraiu-se, organizou-se e preparou, longa e meticulosamente a investida que lhe permitiria a vitória. (…) toda a grande imprensa, articulada em côro, participou dessa preparação psicológica, como o rádio e a televisão. (…) Foi a última “operação” montada pela imprensa empresarial em nosso país.
Sodré narra, por fim, a introdução de revistas norte-americanas no Brasil, as quais, nos EUA, recebiam subvenções estatais indiretas, por meios de isenções fiscais, de maneira que a sua expansão no mercado brasileiro acabará obedecendo também a políticas desvinculadas do interesse nacional. As últimas páginas da obra de Sodré são dedicadas a detalhar o processo pelo qual o grupo Time-Life remeteu ao Grupo Roberto Marinho, apenas “de fevereiro a novembro de 1965, nada menos que 2,8 milhões de dólares, correspondendo, em moeda brasileira, a aproxidamente 6,14 bilhões de cruzeiros”.
Assim temos a empresa que mais batalhou pela instalação de uma ditadura pró-EUA recebendo o seu merecido prêmio, com aval o governo brasileiro!
E hoje ainda temos que ler um imbecil político como Nelson Motta escrever as seguintes asneiras em sua coluna:
Não podemos permitir que o Zé Dirceu tente cercear a palavra da imprensa independente, que não depende de favores do governo e vive de anunciantes privados que pagam para divulgar e promover seus produtos e serviços nos veículos que atingem o maior público com mais credibilidade.
Grande mentira. Para afirmar que não dependem de favores do governo, a Globo, a Folha e o Estadão deveriam devolver os bilhões que receberam, sempre como favor, de todos os governos, desde a década de 50, sem falar nas concessões públicas, no recebimento de recursos estrangeiros, no ilegal acordo Life-Time, na destruição de seus concorrentes, permitindo que reinassem, oligopolisticamente, num dos maiores mercados publicitários do planeta.
Assim como tem obrigação de reparar o dano causado a raça negra pelo regime escravista, e propor políticas de redistribuição de renda para sanar séculos de iniquidade social, o governo brasileiro tem uma dívida histórica com a liberdade de expressão e a pluralidade política, que são princípios constitucionais. Para isso precisa alocar recursos em órgãos que não aqueles mesmos que, historicamente, defenderam golpes, deles se beneficiaram e até hoje repetem as mesmas estratégias de criminalizar a política, manchar a democracia e fomentar os pendores golpistas dos estamentos superiores do funcionalismo público (conforme denunciava Faoro) e da classe média.