Raio-X do espírito animal

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Festina lente, diz um provérbio romano, um oxímoro que significa algo como, “apressa-te, mas com prudência”. A máxima me parece adequada para ilustrar os dilemas da nossa política econômica. Temos que ampliar nosso crescimento, por exemplo, mas sem produzir inflação. Os problemas de infra-estrutura devem ser enfrentados com urgência, e ao mesmo tempo é preciso intensificar a vigilância sobre a corrupção que assola as obras públicas e fortalecer as instituições que protegem o meio ambiente.

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Pra cada necessidade premente se contrapõe uma outra, igualmente importante, que a contradiz, e às vezes a imobiliza. Como impulsionar rapidamente a produção agropecuária nacional, tão importante para a economia brasileira, para o emprego e para a segurança alimentar do mundo, e simultaneamente evitar a disparada no preço das terras e o consequente recrudescimento do processo de concentração fundiária? Como facilitar o acesso às últimas tecnologias sem que isso provoque aumento excessivo das importações de artigos chineses, pese negativamente na balança comercial e sufoque qualquer tentativa de produção doméstica?

Claro, para isso existe a política, mas os movimentos econômicos possuem uma força descomunal que arrasta qualquer vontade política, e ai de quem se meter em seu caminho. As forças econômicas avançam como as águas impetuosas de um grande rio em época de cheia. A política apenas tenta imprimir-lhes um pouco de ordem, construindo barreiras em algumas margens e puxando canais para escoar o excesso de água para regiões secas. Poderíamos dizer que a política, de certa maneira, parasita a economia, o que não é uma metáfora totalmente negativa. São os bilhões de bactérias que trazemos no intestino que nos permitem processar os alimentos que consumimos.

Aí residem, paradoxalmente, o maior acerto e o maior erro de Karl Marx. Ele acertou ao entender a economia e as relações de trabalho que a movimentam como o motor fundamental da história. Mas errou ao pretender controlar as águas do rio. Foi um erro dialético, por assim dizer, porque dele nasceram muitas coisas boas. Afinal, não fossem as lutas trabalhistas, ainda estaríamos na idade média.

A vantagem dessa teoria é que ela ameniza o mérito de indivíduos e partidos. O desenvolvimento brasileiro nos últimos dez anos não seria mérito do PT. A própria eleição de Lula seria fruto da enorme pressão para libertar forças econômicas e sociais há décadas oprimidas por interesses estranhos ao país. Por outro lado, é claro que o PT, Lula e Dilma têm méritos. Eles entenderam corretamente para onde corriam as águas, e construíram as barreiras certas para que estas servissem para melhorar a vida do povo, não para inundar cidades.

Os indicadores econômicos divulgados nos últimos dias revelam que, apesar da lentidão, estamos no caminho certo. A economia cresce vagarosamente, mas com pleno emprego. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), ligada ao governo de São Paulo (portanto, imune a um suposto chapa-branquismo petista), o desemprego em dezembro caiu para 4,4%, índice que corresponde ao emprego pleno, nível que somente os países mais desenvolvidos do mundo atingiram em momentos de bonança. A CNI divulgou que o faturamento da indústria nacional cresceu 2,5% em novembro, sobre o mesmo mês do ano anterior, após dois meses de queda.

A indústria brasileira vive a mesma crise vivida por todas as indústrias ocidentais: a concorrência de uma Ásia fortemente agressiva e incrivelmente inovadora, cujos índices de produtividade industrial crescem ano a ano, impondo um enorme desafio a empresários e trabalhadores ocidentais. Nos países desenvolvidos, muitos setores industriais foram simplesmente abandonados, e a economia teve que migrar para o setor de serviços. Nos EUA, houve o surgimento de novos pólos econômicos ligados à tecnologia, mas a indústria se mantém viva em parte por causa das bilionárias despesas governamentais em pesquisa e armas de guerra.

Diante deste cenário, a resistência da indústria brasileira tem sido bastante razoável. Confira o desempenho industrial por setor. É interessante notar que há uma certa disparidade entre os números da CNI, que lidam com valores, e os do IBGE, que estudam a produção física. Ambos são importantes, mas acho que se deve prestar ainda mais atenção aos valores, porque indica antes a qualidade do que a quantidade da produção industrial. E a generalização medíocre da produção industrial a simples números não dão conta da complexidade do setor. O que é mais importante: produzir tratores, aviões e IPADs, ou guarda-chuvas, carrinhos de plástico e chinelos de borracha?

No acumulado de 11 meses de Janeiro a Novembro, o faturamento real das indústrias cresceu 2,8% sobre o ano anterior, e o rendimento real de seus trabalhadores subiu 5,2%. Analistas liberais tem torcido a boca para o aumento dos salários na indústria, dizendo que isso é um mau sinal. Não acho. Salários maiores indicam que o crescimento tem acontecido em setores de maior intensidade tecnológica. A tabela da CNI confirma isso. Os setores cujos faturamentos mais cresceram em 2012 foram: máquinas e equipamentos; máquinas e materiais elétricos; e material eletrônico e de comunicação.

 

A CNI também pesquisou a intenção de investimento dos empresários brasileiros e descobriu que 85,4% pretendem investir em 2013, contra um total de 80,2% que efetivamente investiou em 2012.

O IBGE divulgou, ainda esta semana, que as vendas do comércio varejista cresceram 12% no acumulado dos últimos 12 meses.

Também esta semana, o Banco Central divulgou a sua estimativa para o crescimento econômico em novembro, e os números surpreenderam positivamente: crescimento de 0,4% em novembro, sobre o mês anterior; 2,67% sobre mesmo mês de 2012. Crescimento inclusive de 3,2% sobre novembro de 2010, que foi um ano extraordinário. Os dados estão ajustados sazonalmente. Em 12 meses, o crescimento  continua baixo, 1,32%, mas a tendência é que este número cresça substancialmente ao longo dos próximos meses.

O Banco Mundial divulgou, também esta semana, seu relatório sobre a economia global e previu um crescimento de 3,5% para a economia brasileira em 2013 e 4,1% em 2014. É uma previsão excelente para o Brasil, porque os investidores internacionais naturalmente levam em consideração as análises do Banco Mundial. Os EUAdeverão crescer 1,9% em 2013 e 2,8% em 2014. União Europeia, por sua vez, deve crescer -0,1% e 0,9% em 2013 e 2014. Por isso chega a ser engraçado quando o Estadão, tendo em suas mãos números comparativamente tão otimistas para a economia brasileira, faz um editorial intitulado:  Uma grande e assustadora interrogação.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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