O senador Aécio Neves, em sua coluna semanal para a Folha, mostra-se justamente preocupado com a inflação. Seu artigo, todavia, peca pelo convencionalismo vazio, artificial, típico de quem escreve como que procurando se livrar, rapidamente, de uma obrigação. A noite é uma criança, não é mesmo?
O artigo inteiro poderia ser resumido a esses dois parágrafos, extraídos do próprio texto:
São exatamente os segmentos da população que não têm como se defender da inflação e sentem mais intensamente o peso do aumento de serviços essenciais, como planos de saúde e alimentação, inclusive de produtos da cesta básica.
Segundo o INPC, os alimentos consumidos no domicílio ficaram 10,6% mais caros no ano passado. Em Belém (PA), o aumento chegou a 14,2%. Das regiões metropolitanas pesquisadas, a concentração dos índices acima da média nacional no Norte e no Nordeste é perversa.
O artigo incorre no erro mais comum entre economistas, que é ler as estatísticas sem imaginação. Não se imagina uma reação óbvia do povo: se o preço da batata sobe muito, ele a substitui por mandioca. Em 2012, por exemplo, aconteceu algo formidável. Segundo o IBGE, o preço da carne caiu!
Esta aí algo que o assessor que escreveu o artigo talvez tenha esquecido. Nos dois últimos anos do governo de seu partido, o preço da carne subiu substancialmente: 12,18% em 2001 e 14,60% em 2002. E nos dois primeiros anos do atual governo, o preço da carne se manteve bem abaixo da inflação média nacional: 3,60% em 2011 e -0,67% em 2012.
Aliás, a inflação registrada nos quatro anos do segundo mandato de Fernando Henrique ficou bem acima daquela que observamos nos primeiros anos da atual gestão. A inflação nos anos de 1999 a 2002 ficou em: 8,94%, 5,97%, 7,67% e 12,53%, respectivamente. Em 2011 e 2012: 6,5%¨e 5,84%.
Observando mais de perto, a situação fica ainda mais desconfortável para Aécio Neves: em 2002, as duas principais fontes de proteína para crianças e adultos, o leite e a carne, registraram uma inflação de 20,22% e 14,60%. Dez anos depois, em 2012, a inflação desses mesmos produtos ficou em 5,3% e -0,67%.
Naturalmente, a variação dos preços de cada item se dá em virtude de circunstâncias específicas, muitas delas independentes das políticas governamentais. Mesmo assim, achei que valia a pena fazer um contraponto.
O senador também expressou uma preocupação especial com a inflação dos alimentos em Belém, onde, de fato, registrou-se a maior alta entre as capitais: + 14%. Preocupante. Mas deve-se ponderar que no ano anterior, Belém havia registrado a inflação mais baixa do país, em especial para os alimentos, cujos preços subiram apenas 5,59% em 2011.
Sem querer minimizar um fato grave como o aumento da inflação numa cidade com tantos problemas sociais como Belém, não devemos esquecer que os pobres dessa cidade têm a sua disposição uma oferta imensa de produtos locais típicos, a maioria dos quais sequer figura nas estatísticas do IBGE. Estes formam uma lista tão comprida, que é melhor nem citar por aqui. Lembremos apenas do açaí, considerado por muitos especialistas como o alimento mais poderosamente nutritivo do planeta.
Eu gosto de ir fundo nos temas. Então vamos analisar a inflação de cada item alimentício na cidade de Belém:
Descubro alguns fatos interessantes para quem está realmente preocupado com a situação dos pobres de Belém, e não apenas tentando rascunhar, às pressas, um artigo de oposição:
- Belém foi a capital onde o preço da carne mais caiu em todo país. A inflação da carne, na cidade de Belém, ficou negativa em -2,04% em 2012.
- O preço do açúcar, alimento fundamental na dieta do mais pobre, também caiu mais fortemente em Belém do que em outras capitais: – 5,99%. O preço do sal em Belém também cresceu menos em Belém do que na média nacional: 8,46%.
- A inflação dos alimentos em Belém foi puxada, sobretudo, por dois itens: farinhas e massas, e óleos e gorduras.
Enfim, considerando a situação geral da inflação dos alimentos em Belém, conclui-se que os pobres de lá tiveram que reduzir o volume de farinha e usar menos óleo de cozinha, mas puderam consumir mais carne, mais sal e mais açúcar.
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Passemos agora a outros assuntos.
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Hoje foi publicado no Diário Oficial da União, a lei que, em tese, irá reduzir em 20% o preço da energia no Brasil.
A energia é uma questão central no país e naturalmente afeta o debate político. No Estadão, José Roberto Toledo lembra que São Pedro não é filiado ao PMDB e, portanto, não teria interesse em ajudar o governo (e o país) a se livrar de eventuais problemas no setor. Toledo está certo, mas seu artigo ficaria melhor se desse uma espiada nas páginas dos institutos de metereologia, que prevêem bastante chuva para os próximos dias, em especial para São Paulo. Se fizesse isso, o colunista chegaria a conclusão que São Pedro tampouco é tucano – verdade essa que Lauro Jardim, da Veja, também já constatou, ao noticiar a melhora do nível dos reservatórios.
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Às vezes eu gosto bastante de ser analista de mídia, e ler diariamente vários jornais. Aprende-se muita coisa. Hoje, por exemplo, topo com um inteligentíssimo artigo do filósofo gaúcho Denis Rosenfeld, publicado no Estadão e no Globo. A primeira frase é simplesmente brilhante!
A morte é o fim de um ciclo de vida individual, algo próprio da condição humana e animal em geral.
Meu Deus! Que imortal sapiência! Nada mais justo que esse grande pensador tenha espaço semanal em dois dos maiores jornais do país.
O resto do artigo, todavia, recai no lugar comum de tratar Chávez como um ditador. E dá continuidade à ladainha de que o Brasil foi injusto com o Paraguai, porque a deposição de seu presidente se deu conforme a Constituição; e que o Brasil apoia o “golpe” chavista de adiar por alguns dias a titulação do presidente eleito. O pensamento é daqueles que os homens da mídia repetem em uníssono. Dá para imaginar todos os colunistas e editores reunidos num salão, um capuz branco sobre suas cabeças, braços levantados, enquanto um orador vocifera discursos contra Hugo Chávez.
Rosenfeld, como um bom e gentil conservador que é, tem todo o direito de criticar as políticas de Hugo Chávez, inclusive a maneira como seu governo lida com a delicada situação de ver seu líder acometido por uma terrível doença, que poderá lhe tirar a vida a qualquer momento. Seu erro consiste na insistência, esta sim não-democrática, de não enxergar a legitimidade popular de seu governo, cuja força política nasce exclusivamente do sufrágio universal. O povo venezuelano não apenas votou em Hugo Chávez como também elegeu governadores, prefeitos e parlamentares de seu partido. Se Chávez exerce um forte controle sobre o país é porque o povo lhe entregou esse poder. Isso tem um nome: democracia.
O governo chavista faz segredo em relação à doença do presidente? E daí? Os EUA não fazem segredo em relação a um monte de coisa? Deixam de ser democracia por causa disso? O chavismo deve ter lá seus defeitos, como todo governo. Compará-lo com Stálin, porém, é uma cretinice incomensurável.
Interessante observar a profunda ignorância da ku klux kan tupi acerca dos valores democráticos.
Vamos analisar esse trecho, que resume bastante o espírito do artigo inteiro, e de toda essa capciosa (felizmente já derrotada) argumentação golpista que pretendia faturar em cima da doença de Chávez.
Considerar, por exemplo, a posse do presidente para novo mandato, na data aprazada, como uma mera “formalidade” significa dizer que toda a Constituição é, na verdade, uma mera formalidade. Formalidade essa que será seguida ou não conforme os dirigentes totalitários assim o decidirem.
O poder de um presidente é assegurado pelo voto dos cidadãos, e não por uma cerimônia formal de titulação. Isso é tão óbvio que sua negação apenas revela a profunda má fé com que a direita brasileira e latino-americana enxergam a democracia.
O analfabetismo democrático de Rosenfeld patenteia-se mais ainda nesse trecho:
Dirigentes totalitários abominam, sobretudo, a prestação pública de contas de suas ações, pois execram a democracia baseada na liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, assim como o exercício de Poderes Legislativo e Judiciário autônomos e independentes. A “Suprema” Corte venezuelana é “mínima”, sendo nada mais que uma porta-voz do supremo Hugo Chávez.
Em primeiro lugar, há total liberdade de imprensa na Venezuela. Em segundo, vale observar a concepção de democracia dos neoconservadores: procura-se sistematicamente desvalorizar o poder do voto e ampliar o papel dos “meios de comunicação” tradicionais. Blogs, esses são sujos, não valem para a democracia. A democracia na América Latina, para Rosenfeld, deve ser sustentada pelos mesmos grupos de mídia que a violentaram nas últimas décadas. E que continuam violentando: quando houve o golpe em 2002 contra Hugo Chávez, apoiado ferozmente pela mídia daquele país (e do Brasil também), os primeiros atos do novo presidente, Pedro Carmona, foi fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal…
Por fim, chega a ser tragicômica a maneira como Rosenfeld se refere à suprema corte da Venezuela, considerando a super-valorização que instituições congêneres de outros países recebem dos lobbies conservadores, sempre que se aliam às mídias corporativas e partidos de oposição, para confrontar presidentes eleitos, como aconteceu em Honduras, no Paraguai e agora, no Brasil.
Supremas cortes não deveriam jamais se curvar à mídia. Mas deveriam se alinhar, sim, de maneira harmônica e prudente, à orientação das urnas, mantendo uma relação respeitosa e, de preferência, simpática, com os outros poderes. A opinião das urnas é a única apuração realmente científica da vontade soberana do povo. O resto é armazém de secos e molhados.
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Finalizando o post de hoje, reproduzo uma nota da Monica Bergamo, da Folha, com informações atualizadas sobre os números do Bolsa Família e Brasil Carinhoso, os dois mais importantes programas sociais do país.
Bolsa Família e Brasil Carinhoso aumentaram 19% em recursos desde 2011
Os programas Bolsa Família e Brasil Carinhoso, voltado para retirar famílias com crianças e adolescente de até 15 anos da extrema pobreza, totalizaram R$ 20,5 bilhões em recursos repassados em 2012. Um aumento de 3,9 bilhões (19,02%) em comparação a 2011. O número de famílias atendidas passou de 13,3 milhões para 13,9 milhões em 2012.
BALANÇO SOCIAL
O valor médio do benefício, ainda que sem reajuste nominal, fechou o ano passado em R$ 144,78. Cresceu em função de o teto de crianças beneficiadas com o auxílio de R$ 32 cada uma passar de três para cinco por família. A média subiu ainda com a inclusão de auxílio a grávidas e mães durante amamentação.
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