O zero enquanto arma

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Selarón, artista da Lapa, responsável pela maravilhosa Escada de Azulejos que liga a Joaquim Silva ao bairro de Santa Teresa, foi assassinado esta semana no Rio.

Ainda não os li, mas sei que existem livros que abordam a história do zero. Uma pesquisa superficial na internet diz que a ideia do zero surgiu no ocidente na Idade Média, mas era conhecido desde priscas eras entre babilônios, hindus e maias.

O zero pode ser, todavia, uma poderosa arma. Posto à direita de qualquer algarismo, ele cresce como um boato: o 5 vira 500, ou 5000.

No Brasil, o zero faz sucesso na Procuradoria Geral da República. Em entrevista à Folha, Roberto Gurgel faz afirmações constrangedoras para quem procurava alguma consistência no julgamento do mensalão.

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Durante toda a entrevista, o procurador tangencia o problema da falta de provas para a condenação do “núcleo político”. Uma hora fala em “prova diferenciada”, depois diz que “não há prova direta”. Em determinado momento, Gurgel faz uma declaração curiosa:

De nada adianta você ter fatos e fatos, dezenas deles, em relação aos quais você não consegue estabelecer uma prova minimamente consistente.

A frase embute um paradoxo: se não há “prova minimamente consistente”, o que ele quer dizer com “ter fatos e fatos, dezenas deles”?

Com o mensalão, a Procuradoria parece ter iniciado um movimento parecido ao do cinema novo: tudo começa com uma ideia na cabeça, o resto é detalhe.

O procurador em seguida diz que o mensalão seria a “ponta do iceberg”.

Entretanto, como é uma pessoa muito responsável, e preocupado em não politizar a Procuradoria, complementa:

Não tenho ideia, nós não temos elemento para dizer se isso representava 1/3, ¼, não dá para quantificar- mas temos a percepção de que haveria muito mais que em relação ao que não foi possível provar.

Com isso, Gurgel consegue realizar mais uma proeza. Atacar politicamente o PT sem jogar nenhuma pedra. Ele simplesmente joga no ar uma acusação abstrata.

Depois do grampo sem áudio, da condenação sem prova, agora temos uma acusação sem… acusação. Gurgel seria um ótimo representante do Machartismo norte-americano.

O PT é um iceberg de crimes… Mas não apresento provas, nem sequer dou uma ideia de que tipo de crimes se trata? Corrupção, terrorismo, tráfico de mulheres e crianças?

A parte mais emocionante da entrevista é quando ele fala de José Dirceu.

Então veja que, na verdade, nós reunimos toda uma série de elementos de prova que apontavam para a participação efetiva dele. Agora, claro, não é aquela prova direta. Em nenhum momento nós apresentamos, nem poderíamos fazer, ele passando recibo sobre uma determinada quantia ou ter uma ordem escrita dele para que tal pagamento fosse feito ao partido ‘X’ com a finalidade de angariar apoio do governo.

Observe que até a sintaxe de Gurgel é de um mentiroso. Ele abusa de expressões como “então”, “veja”, “na verdade”…

Tudo que ele faz é tangenciar a questão mais grave desse julgamento: a ausência de provas. Daí ele se apoia exclusivamente na teoria do domínio do fato. O máximo que Gurgel conseguiu foi coisas como:

Em relação ao José Dirceu o Ministério Público demonstrou a participação dele em reuniões, ou episódios como aquele que estavam lá [o ex-tesoureiro do PT] Delúbio Soares, [o ex-secretário geral do PT] Sílvio Pereira e fazia-se um determinado acerto com algum partido e dizia-se: ‘Mas quem tem que bater o martelo é o José Dirceu’. Aí, ou ele dava uma entrada rápida na sala ou dava um telefonema para ele e ele então dizia: ‘Está OK, pode fechar o acordo’.

É muito ridículo acusar Dirceu de fazer exatamente o que consistia o seu trabalho: reunir-se com dirigentes do seu partido e lideranças partidárias, e costurar os necessários e inevitáveis acordos políticos que antecedem qualquer votação no Congresso.

Gurgel incorre naquele preconceito que Raymondo Faoro via se cristalizar na elite do funcionalismo público contra a classe política.

O jurista e historiador percebia, na superação da fase oligárquica da república brasileira, o surgimento de um outro estamento, com características igualmente oligárquicas: a elite burocrática, que inaugura uma nova nova fase do patrimonialismo brasileiro. Diz Faoro, à página 830, de Os Donos do Poder:

(…) a elite burocrática [nos países em formação], a intelligentsia que absorve as técnicas do capitalismo industrial, preocupada com a eficiência da modernização econômica e social, tenta se autonomizar, desdenhando dos políticos, para ela simples agitadores, ignorantes, incapazes e corruptos.

De um lado temos os “concursados”, que em geral atribuem os privilégios da educação que receberam exclusivamente a seus próprios méritos; de outro, um bando de políticos sem qualidades pessoais próprias, sem educação superior, sem refinamento, devendo seu poder exclusivamente ao sufrágio dos eleitores, sobretudo da maioria pobre e ignorante.

A pior consequência do julgamento do mensalão foi mesmo a enorme deseducação política da sociedade. A criminalização da política não terá outra consequência senão torná-la ainda mais clandestina. Os políticos continuarão a fazer acordos partidários, antes e depois de eleições. Com ou sem votações importantes. Envolvendo ou não recursos de campanha. Isso não é “realpolitik”, não é “pragmatismo”. É a realidade da democracia, e o desdobramento natural de seus princípios. Tudo deve ser negociado entre as forças contrárias. Os interesses são postos na mesa, pesados, avaliados, ponderados, e daí saem os melhores candidatos, as melhores propostas de governo.

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Complementando o que escrevi ontem, segue mais um gráfico do Balanço Energético Nacional 2012:

 

 

Observe que a energia hidráulica corresponde a 82% da matriz elétrica brasileira. Ou seja, é claro que precisamos de chuva. Esse é um problema, sim, da nossa matriz, mas é também a razão pela qual ela é a menos poluente do mundo. O Brasil deve continuar investindo – como está – em ampliar a diversidade da nossa matriz. Termoelétricas, eólicas, nucleares, biodiesel, estamos investindo em tudo, tentando assegurar um cenário de fornecimento estável de energia no país.

*

A especulação em torno da questão energética movimenta bilhões de reais. Ontem, as ações das empresas de energia, que haviam caído fortemente na véspera, experimentaram uma vigorosa recuperação. É na volatilidade do mercado financeiro que se ganha (e se perde) dinheiro. A imprensa oposicionista faz parte do jogo.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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