As bruxas de Vladimir

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O filósofo Vladimir Safatle, em sua coluna de hoje, faz duras criticas à decisão de José Genoíno de assumir uma vaga na Câmara, e condena severamente o PT por não ter feito, até o momento, uma autocrítica em relação às práticas políticas supostamente reveladas a público durante o julgamento do mensalão.

O artigo de Safatle merece uma análise, não apenas pelo texto em si, mas por resumir uma posição bastante disseminada em alguns círculos de esquerda. Um comentarista do Nassif usou uma expressão divertida e precisa para descrevê-la: udenismo gauche.

Vamos usar aquele sistema de comentários intercalados, e ao final fazemos uma análise geral. O texto de Safatle segue em negrito, o meu em fonte normal.

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O fim do mensalão

Vladimir Safatle

O retorno de José Genoino à Câmara dos Deputados é sintoma de uma bizarra compulsão de seu partido em relação ao chamado mensalão.

É compreensível levantar discussões sobre a extensão e a profundidade das penas, assim como sobre a necessidade de punir com o mesmo rigor a vertente tucana do escândalo. Não é aceitável, porém, agir como se nada tivesse ocorrido, como se o julgamento fosse simplesmente um complô urdido contra a esquerda brasileira.

O texto de Safatle é fraco. O PT jamais agiu como se nada houvesse acontecido. Houve protesto contra a interpretação do que aconteceu feita pela Procuradoria e aceita passivamente pelo STF, após uma pressão gigantesca, diária e opressiva da mídia.

Ao afirmar que os condenados no mensalão não seriam desligados do partido, ao aceitar organizar uma contribuição para auxiliar tais condenados a pagarem as multas aplicadas pelo STF e, agora, ao achar normal que alguém condenado em última instância assuma uma vaga no Congresso, o PT age como um avestruz que coloca a cabeça na terra e erra de maneira imperdoável.

Safatle incorre no erro de mencionar o julgamento do STF sem entrar no mérito deste. Talvez o PT cometa um erro político ao transmitir solidariedade aos condenados. Mas erraria da mesma forma se agisse de outra forma. Há um entendimento, por parte de importantes setores políticos, que o julgamento foi injusto. É com base nessa convicção, que não é só do PT, mas de milhares de militantes, intelectuais, juristas e comunicadores, que o partido tem se manifestado de maneira crítica ao julgamento e, ao mesmo tempo, se solidarizado com alguns réus.

O mínimo a ser feito depois do julgamento era apresentar uma autocrítica severa para a opinião pública. Tal autocrítica não deveria ser apenas moral, embora ela fosse absolutamente necessária.

Autocríticas devem ser feitas o tempo inteiro, mas a partir do momento em que o STF assume uma postura abertamente oposicionista e, em vários sentidos, profundamente antidemocrática, não cabe ao PT, em meio aos ataques que vem sofrendo, apenas mostrar a outra face. Ora, acabamos de ver Luiz Fux admitir alegremente a politicagem suja que protagonizou para ser indicado ao STF. Ele também não deveria fazer autocrítica? Ninguém é perfeito. Pedir que o PT fizesse autocrítica no momento em que se encontrava no pelourinho do STF, e justamente no auge de um processo eleitoral, é pedir que o partido se suicidasse politicamente. Nenhum partido, desde que este se entenda como legítimo representante de determinados interesses sociais, tem o direito de se entregar ao inimigo.

Ela deveria ser também política, pois se trata de compreender como o maior partido de esquerda do Brasil aceitou, em prol do flerte com as práticas mais arcaicas de “construção da governabilidade”, esvaziar completamente as pautas de transformação política do Estado e de aprofundamento de mecanismos de democracia direta.

Safatle incorre na tradicional arrogância do teórico de gabinete que pretende dar lições de moral àqueles que lidam com problemas políticos e administrativos complexos. Uma coisa é estudar, no conforto de uma sala na USP, as práticas de “construção da governabilidade”. Outra é efetivamente construir a governabilidade. A “transformação política do Estado”, por sua vez, só pode ser realizada, se excluirmos uma alternativa revolucionária violenta, a partir do poder, ou seja, a partir de vitórias eleitorais e construção de alianças políticas. Ou seja, voltamos aonde partimos. Isso não quer dizer que não possa haver transformação, e sim que estas são lentas e o ritmo destas seguem o voto popular. Quanto aos “mecanismos de democracia direta”, o principal deles é o sufrágio universal, que segue se consolidando no país. De resto, não há nenhum consenso sobre a validade ou qualidade de outros mecanismos de democracia direta num país tão grande e complexo como o país. Estes mecanismos ainda estão em estudo.

Desde que subiu ao poder federal, planos interessantes, como o orçamento participativo, sumiram até mesmo da esfera municipal do PT, o que dirá a discussão a respeito da superação dos impasses da democracia parlamentar.

O orçamento participativo é uma excelente iniciativa, que deveria voltar a ser discutido. Mas não entendi o que foi falado quanto aos “impasses da democracia parlamentar”. A frase de Safatle não quer dizer nada, ou antes, poderia significar tudo. O Golpe de 64, por exemplo, foi uma superação dos “impasses da democracia parlamentar”.

No seu lugar, setores do partido acharam que poderiam administrar a política brasileira com os mesmos expedientes de sempre e, ainda assim, saírem ilesos. Agora, mostram-se surpresos com o STF.

Novamente, a arrogância acadêmica supera a análise objetiva. A que expedientes se refere Safatle? À costura de acordos políticos entre os partidos? A impressão que se tem é que Safatle se rendeu ao discurso criminalizador da política, e entende que o PT poderia ter governado sem fazer política.

Para que todos não paguem por isso diante da opinião pública, há de se dizer claramente que não é a esquerda brasileira que foi julgada no mensalão, mas um setor que acreditou, com uma ingenuidade impressionante, poder abandonar a construção de novas práticas políticas sem, com isso, se transformar paulatinamente na imagem invertida daquilo que sempre criticaram.

Este parágrafo é quase incompreensível. Primeiro usa a expressão “opinião pública” com uma superficialidade arrepiante, mas que constitui um vício típico de que escreve para um grande jornal e circula em determinados meios. Segundo, cai em contradição, ao acusar de “ingenuidade impressionante” setores que ele mesmo, na mesma frase, denuncia por terem abandonado a “construção de novas práticas políticas”. Terceiro porque usa conceitos como “construção de novas práticas políticas” como se houvesse um manualzinho em algum lugar neste sentido. Algo assim: Manual Prático de Novas Práticas Políticas para Governar. Não há. E um partido político, até onde eu sei, deve obedecer a uma série de regulamentos escritos e não escritos, que não têm nada de novo. Que eu saiba, o PT jamais se pretendeu revolucionário, e durante as eleições de 2002, 2006 e 2010, deixou bem claro que seu objetivo era promover desenvolvimento econômico com distribuição de renda, mas fazendo isso através de métodos políticos tradicionais, incluindo alianças partidárias com antigos adversários. O PT ainda hoje é assim, tanto que Lula se encontrou com Maluf para obter apoio do PP e vencer as eleições municipais em São Paulo. Não estou nem entrando no mérito se o PT está certo ou não em agir assim, mas somente que seria hipocrisia se o PT agora fizesse uma mea culpa de seus métodos.

Se uma autocrítica fosse feita, o Brasil poderia esperar que certos atores políticos começassem, enfim, uma reflexão sobre a necessidade do aprofundamento da participação popular como arma contra a corrupção do poder.

Muito bonito, mas absolutamente impreciso. A filosofia política não parece ser a praia de Safatle. Aumentar a participação popular é um objetivo nobre da democracia, mas não há nada que prove que isso seja arma contra a corrupção do poder. Há um ensaio do professor Wanderley Guilherme dos Santos, intitulado Democracia, que fala justamente da relação entre corrupção e democracia. A democracia implica em maior rotatividade de cargos de poder público, oferecendo portanto a um número cada vez maior de pessoas a possibilidade de se corromperem. O que pode reduzir a corrupção do poder é a transparência pública e fortalecimento das instituições de controle.

Ao que parece, no entanto, precisaremos de muito mais escândalos para que tal pauta seja, um dia, colocada em cena.

A conclusão é pessimista, injusta e imprecisa. As políticas públicas de transparência do governo brasileiro tem sido referência global. E as instituições brasileiras de controle das despesas públicas estão cada vez mais fortes. A própria tecnologia, com suas ferramentas de monitoramento automático, tem ajudado no combate à corrupção. Claro que haverá mais escândalos, mas a pauta da luta contra a corrupção já está colocada desde já. É uma luta interminável, cujo objetivo aliás sequer é uma vitória absoluta, mas o estabelecimento de níveis minimamente civilizados de corrupção. Não é uma luta apenas moral, mas sobretudo econômica e política, porque o país precisa se desenvolver e cada centavo desviado representa um passo atrás em termos de desenvolvimento.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.

Miguel do Rosário escreve todo dia no blog O Cafezinho.

Nesta coluna, Vladimir Safatle agiu como aqueles inquisidores de antigamente, cujos discursos sempre falavam em moral e busca do bem coletivo. O problema era a mania de achar que o mundo se tornaria melhor queimando as “bruxas”. O STF deve ser respeitado, mas numa democracia não há divinos, não há sagrados. Se há injustiça, é obrigação do cidadão e do partido contestar. O PT não vai se tornar um partido melhor se jogar Genoíno e Dirceu na fogueira. A corrupção em setores do PT continuará a mesma. Contra esta, o partido deve lutar aperfeiçoando seus instrumentos de transparência, criando uma corregedoria e uma auditoria mais autônomas, aprovando regras éticas mais rigorosas. Abandonar os réus do mensalão apenas para agradar uma suposta “opinião pública”, aí sim, constituiria um pragmatismo sem nenhum caráter, além de representar uma rendição vergonhosa às forças reacionárias da mídia.[/s2If]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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