O secreto desejo de W.C.Fields

Uma vez perguntaram a W.C.Fields porque ele jamais bebia água. “Peixes fodem nela”, respondeu. O humorista norte-americano, uma espécie de Mussum de pele branca e chapéu Derby, preferia saciar a sede com uísque. Eu prefiro água, mas admito que uma cerveja gelada num dia quente sempre cai bem.

Mas deixemos para depois o uísque e a cerveja, e vamos ao trabalho. Leio na Folha que o DEM pensa em “se desgarrar dos tucanos”. A matéria, assinada por Eliane Cantanhede, traz um lindo gráfico:

Os números mostram que não é exatamente do PSDB que o DEM vem se desgarrando, mas do eleitor…

A mesma jornalista assina uma matéria que produziu um tanto de alarmismo hoje. Segundo ela, Dilma teria solicitado uma “reunião de emergência” com ministros e autoridades do setor, para discutir uma suposta crise de abastecimento de energia no país.  Segundo a matéria, “dirigentes de órgãos do setor tiveram de cancelar compromissos para comparecer”.

Parece que não era bem assim. Trata-se de uma reunião ordinária, presente há tempos na agenda do governo. Não quer dizer que não haja problemas graves a serem discutidos no setor de energia, nem que a situação energética brasileira esteja totalmente tranquila, mas somente que a tal reunião é ordinária, não de emergência.

Miriam Leitão também deu seus pitacos, dizendo que a reunião (que estava agendada há meses) mostra que o governo “acordou para o problema”.

Outra frase brilhante da Miriam:

Falamos de “risco de racionamento”, isso quer dizer que existe uma possibilidade, que pode ser revertida, não quer dizer que vai acontecer.

Os problemas brasileiros na área de energia são conhecidos: há urgência em construir novas hidrelétricas, ampliar a produção de energia eólica, nuclear, solar. Investir em biodiesel e na ampliação de nossa produção de petróleo. O Brasil precisa, enfim, ampliar a oferta de energia para compensar a falta de investimento no setor durante décadas.

Se faltar chuva, como tem acontecido em algumas regiões estratégicas, teremos problemas sim, mas terá que ser algo muito mais grave do que aconteceu na era tucana, porque agora o sistema elétrico brasileiro está interligado, permitindo que áreas deficitárias importem energia que sobra em outras.  Tanto é assim que a própria matéria catastrofista de Cantanhede fala que eventuais problemas poderiam ocorrer somente em 2014.  Até lá, teremos novas hidrelétricas em funcionamento e, sobretudo, muitas águas rolarão, literalmente.

Por outro lado, como as ações das elétricas são negociadas nas bolsas, há um forte movimento especulativo toda vez que se publicam notícias negativas sobre abastecimento, e não se sabe até que ponto a imprensa influencia os altos e baixos dos preços, e se esta influência acompanha-se de interesses financeiros.

De qualquer forma, sempre é bom lembrar que o declínio no preço de uma ação gera uma oportunidade ímpar de lucro para quem apostar nela no médio e longo prazo.

*

Também vale a pena fazer alguns comentários sobre os recentes ataques à política econômica do governo. Confiram a manchete do Globo no domingo:

Confesso um pecado: esse tipo de matéria me faz bem.  Ela mostra uma imprensa crítica, vigilante e independente. Pena que ela só age assim em relação a governos do PT. Durante os oito anos de governo FHC, ela escondeu o buraco para onde o governo nos levava.

Mas tudo bem. Agora ela age certo, ao escarunfunchar as contas públicas e apontar possíveis manobras fiscais do governo.

Miriam Leitão, uma profissional de competência inegável, exagera, no entanto, ao afirmar coisas como essa.

Com truques contábeis, jeitinhos, mudanças de regras, invenções, o ministro Guido Mantega está minando o que o Brasil levou duas décadas para construir: a base da estabilização.

Não é bem assim. O governo brasileiro reduziu fortemente os juros básicos, e ao mesmo tempo diminuiu consideravelmente o tamanho da dívida pública líquida. Não sei se o Ministério da Fazenda está cometendo mais erros do que acertos, mas a segurança financeira do país é hoje infinitamente maior do que no passado, e na medida em que os juros caem, mais estáveis e mais seguros nos tornamos. Juros básicos mais baixos correspondem a menos gastos financeiros e a mais dinheiro para investimentos.

Da mesma forma, acho que se o Ministério da Fazenda está oferecendo aos estados e municípios condições mais vantajosas para rolarem e pagarem suas dívidas, isso se converterá em aumento da verba disponível para investimentos em infra-estrutura, educação e saúde. Ponto positivo, portanto. Alguns economistas vêem a economia sempre como algo frio, puramente estatístico, esquecendo o aspecto político e humano por trás dos números. Não se pode tratar uma coisa viva, como é a economia social, como algo morto. Isso é estupidez, e as crises econômicas profundas que vivemos na década de 90 derivaram-se desta torpe insensibilidade, que invariavelmente se converte em prejuízo financeiro, político, social e, sobretudo, humano.

Durante a era tucana, a dívida pública líquida crescia a uma taxa alarmante dia a dia, mas a nossa imprensa não fazia nenhum alarde, até porque lucrava com isso. A elite rentista vivia dos juros altos pagos pelo governo. Hoje, não mais, ou cada vez menos. Entretanto, a nossa elite ainda não se decidiu a apostar no Brasil. Apenas o setor público investe. Esse é o grande gargalo da economia brasileira: a muquinaragem mórbida e pusilânime de nossa elite, acostumada a um capitalismo sem riscos.

W.C.Fields dizia que “está para nascer o homem que nunca teve o secreto desejo de dar um chute na bunda de um guri”. Acho que, dada a atual conjuntura brasileira, e em virtude da rígida legislação que hoje protege as crianças, a piada funcionaria muito bem se trocássemos o termo “guri” por “colunista”.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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