A reportagem de capa da Época desta semana revela a murdochização inexorável, definitiva e… cara de pau da mídia brasileira… Trata-se de uma matéria feita inteiramente com vazamentos seletivos fornecidos pela Polícia Federal.
O esquema de Murdoch na Inglaterra era parecido. Seus jornais subornavam policiais para obterem dados sigilosos dos desafetos ou vítimas da vez. A maioria das vítimas eram celebridades, cujas intimidades eram expostas na mídia. A coisa aqui, porém, é bem mais pesada. O mau caratismo murdochiano visava, na maioria das vezes, apenas o lucro. Na mídia brasileira, o esquema de vazamentos de dados sigilosos para órgãos de comunicação faz parte de uma estratégia de luta pelo poder.
A matéria da Época força a barra ao vender simples conversas entre Rose e os irmãos Paulo, ou dos irmãos entre si, sobre a Ação Penal 470, como “tentativa de influenciar o julgamento do mensalão”.
O envolvimento de Dirceu na história, entra, mais uma vez, de maneira nebulosa, sem qualquer prova de crimes. A matéria, assinada por Diego Escoteguy, que trabalhou na Veja, incorpora sem nenhum critério, do início ao fim, ilações desencontradas, baixa intriga e insinuações levianas.
O problema de alguns segmentos do jornalismo de escândalos assemelha-se ao da oposição politica: falta de objetividade e consistência. Uns não conseguem provas para embasar suas denúncias, outros não conseguem votos.
Ganhar a confiança da mídia é fácil, basta demonstrar ausência de escrúpulos quando se trata de chutar o “lulo-petismo”. Difícil é ganhar a confiança do povo.
Entretanto, temos aqui uma situação realmente grave: a luta política está se deteriorando para uma guerra suja e antidemocrática, onde já se pode vislumbrar a criação de uma frente golpista, que inclui os seguintes pontos:
- Esquema de vazamentos seletivos de operações deflagradas pela Polícia Federal.
- Rede de apoios entre procuradores, figuras corruptas da PF, empresários de mídia ligados à oposição.
- Grupo de ministros do STF dispostos a violar princípios constitucionais básicos, interpretando a Constituição de maneira distorcida, ou contra legem.
A ação do STF é essencial ao esquema. Juízes tem procurado consolidar a tese, que é eminentemente golpista, de que tem o poder quase ilimitado para “interpretar a Constituição”. Existe interpretação da Constituição sim, mas voltada para o aprofundamento de seus princípios, e não contra eles. A Constituição, por exemplo, volta-se sempre em favor da democracia, em favor da presunção da inocência, em favor da preeminência do povo, só para citar alguns exemplos.
A reportagem da Época, porém, é traída justamente por seu tom exagerado e alarmista. Falta conteúdo. Pra piorar, ao final, reproduz uma conversa privada entre Adams, advogado-geral da União, e Weber, advogado-adjunto da mesma instituição, com ilações sobre quem seria “Paulo”. O máximo que a revista conseguiu, após fuçar horas de conversas convencionais entre dois funcionários da AGU foi uma frase de Adams perguntando se ele teria “ido no Paulo”. Adams diz que se referia a Paulo Kuhn, procurador geral da União, e ao jantar em sua homenagem. A reportagem, ao invés de ligar para o tal Paulo Kuhn, e perguntar se houve, de fato, tal jantar, prefere o suspense. Ou seja, o único momento em que a revista poderia acrescentar uma informação nova ao “dossiê” que recebeu do esquema golpista de vazamentos seletivos, não faz o serviço.
Não estou dizendo que Adams seja inocente, apenas ressaltando a criação de um ambiente onde todos são culpados. As mais inocentes conversas ao telefone são manipuladas com objetivo de se encaixarem em determinadas teorias. Cria-se, assim, um clima de chantagem perpétua contra qualquer autoridade e mesmo contra qualquer cidadão comum. Haveria, dentro da Polícia Federal, um balcão de negócios para vender informações sigilosas? Murdoch vendeu muito jornal comprando sigilos da até então incorruptível Scotland Yard. Quando estourou o escândalo em Londres, um membro do esquema Murdoch revelou que pelo menos dez funcionários da respeitada polícia britânica estavam no bolso do magnata.
Se Murdoch conseguiu subornar membros da Scotland Yard, não é absurdo suspeitar que nossos barões midiáticos compraram agentes da PF, com objetivo de obter, com exclusividade, vazamentos das conversas captadas na Operação Porto Seguro, entre outros favores.
Pior que o vazamento, porém, é a sua seletividade, tanto dos trechos que interessam quanto do veículo a receber o material. No mesmo momento em que vemos setores da mídia radicalizarem o discurso de oposição, e usarem seu poder de influência sobre o STF para obterem as vitórias políticas que não conseguem nas urnas, cria-se, dentro da Polícia Federal, núcleos de vazamentos seletivos de operações justamente para esses mesmos jornais?
Embora seja saudável vermos que a Polícia Federal tem autonomia para investigar a fundo membros do próprio governo, não me parece que o seja tanto a criação, dentro da PF, de um braço do grande esquema golpista. A coisa está ficando feia. Condena-se sem provas, cassa-se mandatos ao arrepio da Constituição, e agora se promove vazamentos seletivos de informações sob segredo de justiça. A seletividade, claro, se dá em função dos interesses políticos do grupo que patrocina o esquema. É assim que operações enormes, que gravam uma quantidade colossal de conversas, a maioria das quais apenas conversas privadas, ou mesmo articulações de caráter político, se tornam fontes de material de chantagem. Esse é um poder eminentemente murdochiano. Se eu tenho em meu poder gravações que, mesmo que não oferençam nada de claramente comprometedor, podem ser facilmente manipuladas para causar grande dano político ou moral a uma autoridade, seja membro do executivo, parlamentar ou juiz, eis-me dotado de condições para chantageá-lo se não agir conforme a minha vontade. E assim se conseguem direcionar votações, remover nomes de relatórios finais de CPI, e impedir a abertura de outras comissões.