Urubus em crise

Hoje pipocaram na mídia, à revelia desta, várias notícias bastante positivas sobre a economia brasileira. A mais importante foi a divulgação, pelo IBGE, de que a produção industrial experimentou um vigoroso crescimento em outubro, em relação ao mês anterior.

Destaco um trecho da análise do IBGE:

Vale destacar o comportamento positivo da produção industrial nos últimos meses, já que o setor acumulou expansão de 2,3% entre maio e outubro, eliminando, assim, as perdas observadas nos cinco primeiros meses do ano (-2,2%). Por categorias de uso, nesse mesmo período (maio-outubro), o principal ganho ficou com bens de consumo duráveis (9,2%), impulsionado em grande parte pela maior fabricação de automóveis e de eletrodomésticos da “linha branca”. Os demais resultados positivos foram assinalados por bens de consumo semi e não duráveis (2,6%), bens intermediários (1,5%) e bens de capital (0,1%). Ainda na série com ajuste sazonal, a evolução do índice de média móvel trimestral reforça esse momento de ganho de ritmo da produção industrial, já que manteve a trajetória ascendente iniciada em julho último.

Os dados são muito positivos. É de se lamentar apenas a queda na produção de bens de capital em outubro (sobre o mês anterior), mas também aí há um ponto a se comemorar: o declínio do setor sobre o mesmo período do ano passado foi o menor de uma longa série. E no acumulado de maio a outubro, a produção de bens de capital já está no azul: alta de 0,1%.

Outras notícias positivas são: forte alta no índice industrial do HSBC, e melhora na confiança do comércio, ambos tratados neste post.

Por fim, temos uma análise muito curiosa do ex-presidente do Banco Central, Chico Lopes, figura controversa politicamente mas cujos conhecimentos financeiros são inquestionáveis. Lopes disse que o fraco desempenho do PIB no terceiro trimestre do ano deveu-se a um erro metodológico do IBGE. O economista explica, em suma, que o IBGE transformou a queda dos spreads bancários em prejuízo para o setor financeiro, sem considerar os ganhos em quantidade de negócios realizados, sem considerar sequer o bom senso de que isso representa um fato positivo para a economia. A análise faz sentido porque a performance do PIB foi prejudicada somente pelo setor financeiro, já que indústria, comércio e agricultura apresentaram um desempenho excelente.  Segundo os cálculos de Lopes, os números do setor financeiro deveriam ser bem melhores do que os apresentados pelo IBGE, e isso impactaria de maneria bem forte – e positiva – o resultado final do PIB.

Se existe alguma razão nos argumentos de Lopes, estamos diante de uma colossal e irresponsável incompetência do IBGE. Eu, que tanto defendo as estatísticas, volto a ponderar que elas jamais devem ser vistas isoladamente, justamente por causa da possibilidade de erros como esses. Devem ser vistas e sobretudo interpretadas à luz de um conjunto de dados. De qualquer forma, o IBGE sempre revisa seus números, e qualquer distorção agora pode ser corrigida adiante, ou mesmo ser neutralizada por uma apuração mais objetiva do PIB no último trimestre do ano, que é aquela mais crucial, por determinar o crescimento econômico em 2012. Esperemos, além disso, os comentários de outros economistas. Não podemos desprestigiar o IBGE por causa de apenas uma opinião.

Seja como for, aceitando ou não o Pibinho do IBGE,  uma análise de conjuntura mostra que a economia brasileira segue em recuperação, embora a um ritmo lento que parece ser uma marca nossa. É um tanto exasperante (e trágico) a dificuldade do governo para gastar recursos já disponibilizados. Concorre para isso, certamente, um Estado que ao invés de inchado, como acusa vulgarmente a mídia, sofre com a falta de engenheiros, técnicos, fiscais, auditores, e todo o tipo de mão-de-obra especializada. E não só o governo, o país sofre com isso, o que é o preço que pagamos por décadas de descaso.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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