Dirceu, o curinga de todos

O delator/corrupto usou Dirceu para desviar o foco da mídia sobre si mesmo. Conseguiu. A mesma tática usada por Jefferson foi consagrada. Agora todo corrupto pego com a boca na botija grita: “Foi o Dirceu! Foi o Dirceu!”  A mídia estampará manchetes garrafais sobre Dirceu, esquecendo o corrupto. Ninguém quer ter os olhos do dragão postos sobre si. Os corruptos estão aprendendo qual é o jogo político em curso no país.

‘Folha de S. Paulo’: o delator esclarece; o jornal esconde

Saul Leblon, na Carta Maior

A Folha voltou à carga na edição desta 5ª feira. Não para admitir que um dia antes induzira seu leitor a enxergar no ex-ministro José Dirceu um dos integrantes do esquema de corrupção investigado na Operação Porto Seguro. ( Leia ao final desse texto o post ‘Mídia & togas: a confraria do domínio do fato’)

Não, o que o jornal tenta agora é produzir uma declaração que confirme a sua jpressuposição editorial.

Foi o que fez em 2009 também quando passou meses tentando provar que era verdadeira uma ficha falsa do DOPS sobre a então ministra Dilma Rousseff. A falsificação rudimentar, publicada como documento na 1ª página do jornal em 5 de abril daquele ano, já era parte da campanha eleitoral do eterno candidato derrotado à Presidência, José Serra.

Desta vez, o jornal foi à fonte para entrevistar o delator da Operação Porto Seguro, Cyonil Borges. Não deu certo.

No pingue pongue de 768 palavras publicado na edição de hoje, 29-11 (leia ao final desse texto: ‘Não sou santo, mas não sou corrupto, diz delator do esquema’), o diário pergunta se o nome do ministro foi mencionado nos contatos que manteve com o esquema de corrupção dos irmãos Vieira.

A resposta de Cyonil: ” O nome do ex-ministro, pelo que tudo indica, foi usado pelo Paulo (Vieira).”

A explicação parece pertinente em relação ao pano de fundo. O nome de Dirceu foi jogado na praça pelo linchamento midiático a que vem sendo submetido há meses. Tornou-se um ‘genérico’ de uso encorajador para qualquer fim. Um corrupto se vale disso para encorpar o alcance de um esquema golpista.

Até um delator de propósitos ambíguos como Cyonil (ele esperou 11 meses pela 2ª parcela da propina e só então entregou o jogo e a 1ª à PF) tem a decência de contextualizar o sentido dessa menção.

O que faz a Folha de posse desse desmentido em relação ao publicado? Nada.

Ou melhor, tudo ao contrário do que ocorreu na 4ª feira, quando o editor e o jornal agiram como os corruptos. Usaram o ‘genérico’ em ilações para encorpar uma denúncia e desse modo atingir o objetivo editorial de denegrir adicionalmente o PT.

Como Cyonil decepcionou, o jornal manipulou seu leitor pela segunda vez.

A pergunta que a ombudsman do jornal deveria encaminhar à Secretaria de Redação é: ‘se o delator tivesse confirmado a pauta, a resposta seria mantida no mesmo socavão espertamente reservado ao desmentido?’. A ver.

Leia aqui a entrevista publicada na Folha de S. Paulo em 29-11

‘Não sou santo, mas não sou corrupto’, diz delator do esquema’

Não sou santo, mas não sou corrupto”. É esse mantra que Cyonil Borges, 37, repete quando é acusado de ter recebido R$ 100 mil do grupo que foi alvo da Operação Porto Seguro, acusado de tráfico de influência no governo.

Cyonil é um personagem nada linear: ele entregou os R$ 100 mil à Polícia Federal, virou delator e forneceu as informações que nortearam as investigações.

Autor de livros jurídicos, professor de cursinhos preparatórios para concursos, ele atuou na investigação da Unifesp em 2008 que culminou com a queda do reitor.

Em entrevista à Folha, ele diz que nunca tocou no dinheiro para não caracterizar o crime de corrupção. Afirma que só cometeu um “pecado” no caso: ter deixado Paulo Rodrigues Vieira, preso pela PF, se aproximar dele.

Entrevista

*Folha – Uma procuradora disse que o sr. é um corrupto que não recebeu o combinado.
Cyonil Borges – Respeito a procuradora, mas ela está desestimulando as pessoas de bem a denunciar.

Mas o sr. recebeu dinheiro? O inquérito diz que deixaram R$ 50 mil na sua portaria e o sr. recebeu mais R$ 50 mil dentro de um táxi. Foi assim?
Não aceitei o dinheiro. Há e-mails que mostram que ele liga em casa dizendo que queria me presentear. Eu disse: “Esquece”. Fiquei angustiado. Quem não ficaria com os nomes que Paulo citava?

O sr. ouviu o nome do ex-ministro José Dirceu?
O nome do ex-ministro, pelo que tudo indica, foi usado pelo Paulo. O Paulo falou em dois momentos o nome do ex-ministro José Dirceu. Num momento, ele disse que o processo no TCU [sobre a Tecondi, empresa de contêineres] era de interesse do Zé Dirceu.

Paulo citava outros nomes?
Um nome que ele citava, indevidamente, foi o do ministro José Múcio, do TCU. Mas o ministro recusou o processo, alegando foro íntimo. Isso mostra a idoneidade do Múcio. Como ele não conseguiu no TCU, foi para a AGU.

O sr. disse que não recebeu dinheiro, mas os pacotes ficaram na sua casa.
Quem pegou o pacote na portaria foi um rapaz do lava-jato. O Paulo interfonou, às 8h da manhã de um sábado: “Tô aqui com a família. Posso subir?” “Não, não pode”.

Quando foi isso?
Em abril de 2010, mais ou menos. Desci do meu apartamento com roupa para correr e o porteiro disse: “Deixaram aqui…”. Pego o carro, saio. Peço para o rapaz do lava-jato lavar meu carro e pegar o pacote. Não toquei no dinheiro.

Por que não tocou?
Não sou bandido. Isso poderia caracterizar crime de corrupção passiva.

Você ficou incomodado de ter R$ 100 mil em casa?
Não tinha incômodo. Daí a minha mulher descobre. Ela ficou chateada e pensou outras coisas. Queria depositar. Falei: “Não, isso é dinheiro de cursinho preparatório”.

Tipo caixa dois?
Eu não sou santo. Tenho meus pecados, mas não sou corrupto. Alguns cursinhos pagam em dinheiro, por fora.

Algumas pessoas o descrevem como corrupto arrependido.
Para se arrepender, você tem de aceitar. Eu nunca aceitei nada. Eu posso ter o pecado de, num primeiro momento, ter deixado o cara [Paulo] se aproximar. Quando ele passou o dinheiro, eu falei: “Você tá retardado? O que você bebeu, cara?” Ele: “Mas esse dinheiro é particular”. Eu falei: “Brother, isso é corrupção”. Ele: “Então eu compro isso aqui [R$ 100 mil] em seus livros”. Eu falei: “Não tenho livro para isso”.

Mas o sr. escreveu um segundo parecer que, aparentemente, atendia à Tecondi.
O primeiro parecer foi totalmente contrário. Aí tem um e-mail em que ele fala sobre o meu parecer, o segundo: “Isso não atende o interesse do grupo”. Ele queria que o contrato de arrendamento da área [da Tecondi] fosse renovado. Mas isso era inviável.

Mas o seu parecer abre uma porta para a Tecondi ser beneficiada no TCU, segundo a PF. O sr. diz que houve investimento e o rompimento geraria insegurança jurídica.
Isso não era o que o Paulo queria. O parecer de 2010 era totalmente contrário, mas houve um investimento de cerca de R$ 270 milhões.

O sr. nunca escreveu um parecer por encomenda de Paulo?
Ele pediu que eu lesse um parecer do advogado da Codesp. Falei: “Tá bem escrito”.

Por que você recebeu o dinheiro em abril de 2010 e só foi à polícia em fevereiro de 2011?
Eu queria reunir provas. Imagina você chegar na polícia com um pacote de dinheiro e falar: “Entregaram isso na minha portaria”. Eu seria preso. Nunca tive mácula na administração pública. Fiz a investigação dos cartões corporativos da Unifesp.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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