As chantagens da mídia

Van Gogh pintando, por Paul Gauguin

Há várias maneiras de se chantagear uma pessoa, e talvez a mais eficiente seja através de sua vaidade. Não agredindo, mas afagando. Nesse julgamento do mensalão, tem sido incrível a volúpia com que a mídia tem acariciado o ego do relator Joaquim Barbosa. Hoje, por exemplo, Merval abre sua coluna com um louvaminha descarado de Barbosa, seguido por uma distorção mau caráter do que aconteceu à Lewandowski. O platinado diz que Lew “foi perseguido por populares” quando foi votar em São Paulo. O leitor imaginará o tranquilo juiz do STF sendo caçado nas ruas. Não foi assim. Uma senhora, certamente leitora de Merval, disse uma impropriedade, e depois um mesário, após o ministro votar, mencionou o nome de José Dirceu. O problema de Lewandoswki (e talvez também sua qualidade) é que ele, como todo progressista, é muito bonzinho. Fosse Gilmar Mendes, dava uma ordem de prisão imediata ao rapaz, por fazer propaganda política dentro do recinto eleitoral. Merval não conta, porém, que o rapaz conseguiu o endereço do ministro e foi até lá, pessoalmente, entregar uma carta pedindo desculpas a Lewandoswki e se dizendo “manipulado” por jornalistas.

Abaixo, trecho da coluna de Merval:

O STF e a sociedade

Por Merval Pereira
Em 7.11.2012 11h21m

Os relatos são de que o relator do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Joaquim Barbosa continua recebendo manifestações de carinho por onde anda, e ele mesmo tem uma explicação para o fenômeno de popularidade em que se transformou: “Esse julgamento trouxe o tribunal para dentro das famílias e o resto do que vem acontecendo no plano pessoal é consequência disso. Há muito carinho por parte das pessoas”, comentou ontem, depois de alguns dias na Alemanha para tratamento de saúde que parece ter dado certo.

Sobre sua popularidade pessoal – é o maior vendedor de máscaras de Carnaval, o que demonstra que caiu no gosto do povo – disse apenas: “Sou simplesmente um cidadão que cumpre seus deveres e obrigações, nada além disso”. Barbosa estava de bom humor em Aracaju, onde participou do 6 Encontro Nacional do Poder Judiciário. Ele atribui a súbita popularidade que os ministros do Supremo ganharam a uma participação maior da sociedade nas questões jurídico-institucionais.

O acompanhamento do julgamento pela televisão tem, ao contrário, trazido problemas para o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, que foi perseguido por populares quando foi votar nas eleições municipais. (…)

A coisa mais vulgar do mundo é um ministro do STF se regozijando em ser visto como uma celebridade. Não podemos ter uma corte superior aderindo voluptuosamente aos preconceitos mais baixos do vulgo. Num processo eleitoral, os candidatos dispõem de tempo e recursos, oferecidos inclusive pelo Estado, para explicar suas propostas e atacar as do adversário. Num julgamento como o do mensalão, assistimos mais uma vez um massacre político.

De qualquer forma, é curioso que Merval Pereira, principal analista político do Globo, tenha passado todo o segundo semestre falando de mensalão, deixando o processo eleitoral num segundo plano. A grande mídia apostou todas as suas fichas no julgamento. Perdeu.

A tentativa de envolver Lula é sinal de desespero. Muitos comentaristas da cena política passaram a falar em golpe. Primeiro Dirceu e Genoíno, depois Lula, depois Dilma.

Outro dia, o Nassif publicou um post onde relata que a visão do Palácio do Planalto é de que não há clima para golpismo, e que o fim do julgamento da Ação Penal 470, encerrando as transmissões ao vivo das plenárias, levará ao esvaziamento da “crise”.

Na minha opinião, eles não tem força para derrubar a presidente Dilma. Não passam nem perto disso. O objetivo é o mesmo desde que o mensalão lhes caiu no colo, oferecido gentilmente por Roberto Jefferson: sangrar o governo, enfraquecê-lo, e com isso manter sobre ele seu poder de chantagem. Não podemos dizer que não tem sido, ao menos em parte, bem sucedidos. Já derrubaram vários ministros, e produzem escândalos e crises com a proficiência de uma fábrica de salsichas da Bavária.

Entretanto, eu acho que há golpismo sim. Como de praxe, analistas da ultra-esquerda caminham de mãos dadas com os mais conservadores, ambos distorcendo notícias, divulgando interpretações enviesadas e negando qualquer golpismo.

Eu queria fazer uma pergunta a essas pessoas: o que elas acham que aconteceu em Honduras e Paraguai?

A América Latina é talvez um dos lugares do mundo onde a planta carnívora do golpismo se desenvolve com mais vigor. O tipo de golpismo que vimos em Honduras e Paraguai, no entanto, é bem mais sofisticado do que o visto há algumas décadas, com a tomada de poder por chefes militares.

Repito a pergunta: se houve um golpe em Honduras aplicado justamente pelo Supremo Tribunal de lá, porque não poderia haver aqui também?

Claro, não há condições “políticas”…

Certo, mas não haveria condições “institucionais”?

Se os segmentos conservadores criam um arcabouço institucional que permite um golpe “branco”, então para mim já temos um golpe. O dano à democracia se dá não apenas quando a derrubamos, mas quando a pomos em risco.

A partir de janeiro de 2013, todavia, legendas de esquerda ampliarão seu poder. Esperamos que todos invistam em projetos que ampliem o espaço democrático da comunicação social. A solução não vem apenas do governo federal. E acho que a solução deve ser construtiva, de ampliar a pluralidade midiática no país. Pregar o fim da Globo ou da Folha, para mim, não vai dar em nada. Nem Dilma nem a maioria do Congresso jamais concordará em aprovar alguma lei que cerceie o trabalho da imprensa, golpista ou não. Mas todos poderiam ser convencidos, facilmente, a liberar recursos para o desenvolvimento de novas formas de mídia. Esse tema deveria ser incluído na reforma política, visto que não existe política, nem processo eleitoral, sem comunicação. E não existe democracia sem comunicação democrática.

Cada prefeito, cada governador, cada presidente, deveria contratar um blogueiro profissional para defender seus pontos-de-vista, ideias, projetos, e fazer o contraponto político com seus adversários na mídia. E cada uma dessas instâncias deveria abrir editais públicos para que o município, o estado e o país tenham blogs e jornais independentes de qualidade. Temos que investir em rádios comunitárias, jornais de bairro, blogs, e quiçá mais periódicos impressos de grande circulação.

É preciso sim, que se criem leis para melhorar a qualidade da comunicação política nacional. São Paulo dizia que a lei cria o pecado. Tudo bem, mas outros pensadores nos ensinsaram que é também da lei que nasce a liberdade.

O PT, por exemplo, que irá administrar tantas cidades a partir de 2013, e detendo um conjunto admirável de vereadores, poderia passar da teoria à prática, e simultaneamente a seu discurso sobre regulação da mídia, poderia tomar medidas concretas, em âmbito municipal, para democratizar a comunicação política. PSB e PCdoB, que abrigam vozes muito fortes em favor da democratização da mídia brasileira, igualmente terão oportunidade para mostrar serviço neste sentido enquanto estiverem à frente de prefeituras.

***

Oposição perde espaço: Reproduzo abaixo um gráfico publicado no Estadão de hoje, ilustrando artigo sobre o declínio relativo da oposição no Brasil.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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