A força do PSDB

Jacques Louis David

Um dos problemas da análise política, naturalmente, é a torcida. Todo mundo puxa sardinha para o lado que defende. Quem dispõe de tempo e paciência, lê opiniões em várias fontes e consegue um panorama equilibrado; infelizmente, a maioria lê muito pouco. Por outro lado, o bom senso, como dizia Descartes, é a coisa melhor distribuída no mundo; não depende da imprensa, sobretudo, de maneira que a maioria já tirou suas conclusões independentemente da opinião dos colunistas.

Uma visão triunfalista e irreal, contudo, não ajuda ninguém. E talvez o PT, com ajuda nossa, analistas que puxam da perna esquerda, esteja caindo numa armadilha.

Seria um erro, por exemplo, subestimar a força do PSDB. O partido, mesmo há dez anos afastado do governo federal, elegeu 702 prefeitos, figurando em segundo lugar neste ranking, atrás apenas do PMDB, e a frente do PT, que obteve 635 prefeituras.

Confira os infográficos abaixo, copiados do site do Estadão.

 

Além disso, nota-se, de fato, que o PSDB cresceu de maneira significativa no Nordeste, ganhando capitais e vários municípios.  Os tucanos perderam espaço no Sudeste, porém. Quase desapareceram do Rio de Janeiro, e ganharam em apenas 20 cidades do Rio Grande do Sul (onde o PT levou 72).

O avanço tucano no Nordeste merece algumas considerações específicas. Sem pretensão de encontrar explicação única para cidades e microrregiões distintas, talvez possamos arriscar alguns denominadores em comum para essas vitórias da oposição na região que mais se desenvolveu na era Lula.

Em primeiro lugar, o Nordeste é a região onde o aumento do salário mínimo e a expansão do bolsa família deflagraram uma verdadeira revolução no mercado de trabalho. Os proprietários de terra, as elites comerciais, os donos das cidades, experimentaram mudanças profundas. Perderam dinheiro com o aumento dos salários, mas venderam mais produtos. Possivelmente, as elites já conseguiram se reposicionar politica e economicamente após o baque inicial e conseguiram reassumir a liderança secular em muitas regiões. O aumento do PSDB, aliás, não avança sobre PT ou esquerda, mas sobre territórios dominados por legendas conservadoras,  sobretudo o DEM.

Não creio, além disso, que tenham sido as alas mais conservadoras do PSDB que tenham avançado no Nordeste. Ao contrário, há sinais de que foram setores menos ligados à agenda neoliberal que caracteriza o PSDB paulista. Em outros termos, o avanço do PSDB no Nordeste reflete uma recomposição das elites locais, que ainda dominam economicamente as regiões.

Vale notar ainda o seguinte: possivelmente a propaganda antipetista na grande mídia paulistana e carioca gera resultados mais impactantes nas elites das grandes cidades do Norte e Nordeste do que no Sudeste, em função do provincianismo. Um carioca de classe média talvez esteja um pouco mais acostumado às diatribes reacionárias do Globo do que seu congênere em Manaus. É uma hipótese um pouco arriscada por embutir um preconceito, mas me parece plausível.

Em suma,  as perspectivas para 2014 continuam favoráveis à reeleição de Dilma Rousseff, mas seria temerário prever um “passeio”. O PSDB, principal legenda da oposição, permanece em segundo lugar como o partido com maior número de prefeituras, detêm o controle político nos dois estados mais populosos do país (SP e Minas), e contará, mais que nunca, com o apoio feroz da grande mídia.

O canto da sereia que a mídia tem entoado em favor do PSB, por outro lado, visa semear confusão e divisão na esquerda. É uma estratégia inteligente. Dificilmente o PSB se aliará a Aécio Neves: a hipótese, ventilada diariamente na mídia, é um absurdo político, porque produziria uma crise profunda no partido, implodindo-o. Poderia haver, por outro lado, um acordo de não-agressão entre Aécio e Campos, e a presença do último no pleito, com sua força no Nordeste e sua pinta de “terceira via”, poderia gerar um segundo turno, no qual, aí sim, poderíamos ver uma aliança entre tucanos e socialistas.

Tudo leva a crer, porém, que Dilma e Lula já detectaram esse perigo, até porque a mídia não tem conseguido ocultar suas intenções e planos. O poder de barganha do governo federal é imenso, e será curioso ver o PSB enfrentar o dilema de ampliar seu espaço de poder em Brasília ou fazer o jogo da mídia.

Seria injusto afirmar, todavia, que o presidente do PSB tem sido manipulado. Temos visto antes o contrário. Eduardo Campos tem usado, de maneira estratégica (assim como sempre fez Ciro Gomes), o antipetismo da imprensa brasileira. E provavelmente deverá continuar nessa linha, que lhe proporciona uma confortável blindagem simbólica e política. Mas a política nem sempre é favorável aos meio-termos, às zonas cinzentas, e Campos será obrigado a tomar decisões importantes, que talvez provoquem o seu rompimento com a mídia, ou com essa grande militância virtual da esquerda, que hoje constitui talvez o movimento social mais influente no país, porque atravessa todos os sindicatos, partidos, independentes e cidadãos comuns.

Muitas águas rolarão até 2014, o que não significa que seja menos importante o esforço de começar, desde já, a destrinchar seus primeiros movimentos. Cabe aqui, à guisa de conclusão,  citar um famoso poema de Drummond:

Não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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