Primeiras análises pós-eleitorais

Judith degolando Holofernes, de Caravaggio

 

É com alegria que o Cafezinho se depara com uma enorme quantidade de boas notícias e números para analisar. A esquerda brasileira experimentou um vigoroso crescimento nessas eleições, o qual foi confirmado e consolidado no segundo turno. A direita, como sempre amparada pela mídia, tentou dar o golpe do mensalão. Às vésperas de um pleito que movimentaria 140 milhões de eleitores, os jornalões, impressos e TV, continuavam focando o noticiário no julgamento do STF, o qual se prestou a este triste papel. Pois bem, o povo demonstrou, mais uma vez, que não se deixa mais manipular por sensacionalismo barato. A mídia e a oposição pagaram um preço, pelo jeito, alto demais pelo mensalão, que não se revelou um produto tão eficiente como pensaram. Agora, têm uma batata quente nas mãos. Terão que sustentar, ad infinitum, um julgamento de exceção, realizado sem base nos autos, que violou princípios fundamentais do direito constitucional, e transformou o STF numa tribuna partidária e política, ferindo a Constituição. O STF agrediu politicamente, com muita virulência, um partido político, e ele não tem o direito de fazer isso. Um partido político, um governo, são instituições democráticas, e que, diferentemente, do STF, são chanceladas pelo sufrágio popular.  Tem de ser respeitadas! Um partido político, sobretudo um partido de massa, como o PT, não é apenas um partido político, mas também o receptáculo sagrado dos anseios do povo, que vota em representantes da referida legenda. Não entender isso é fechar os olhos para a democracia.

Abaixo, seguem uma série de análises sobre diversas notícias, opiniões de colunistas, estatísticas, gráficos eleitorais.

Na segunda-feira, a Folha trouxe excelentes infográficos sobre a evolução dos partidos nessas eleições. Nos dias seguintes, ela tratou de inventar formas mirabolantes para apontar algumas “vitórias” da oposição. Mas as urnas são implacáveis. PSDB, DEM e PPS perderam em todos os níveis: em número de eleitores, em quantidade de cidades, em vereadores, perderam São Paulo. E o PT, na via contrária, assistiu a um notável crescimento, em todas as frentes.

É importante lembrarmos que o crescimento no número de vereadores implica, segundo uma fórmula da ciência política até hoje insuperável, em aumento no número de deputados estaduais e federais no pleito seguinte. Confiram os gráficos abaixo:

 

 

 

 

 

 

Mensalão e PT: Minha teoria de que o mensalão acabou ajudando eleitoralmente o PT, que me parecia meio maluca, mas com alguns pontos consistentes, agora ganha, com os resultados das urnas, contornos mais sólidos. Ela se baseia na seguinte premissa: o pobre (ou seja, maioria do eleitorado) não faz essa ligação partidária e emocional entre os réus do mensalão e os candidatos do PT que disputavam eleições. Para ele, o Supremo, liderado por um negão implacável, está condenando poderosos pela primeira vez, e o responsável por mais essa “conquista” democrática é novamente Lula. A era lulista foi coroada com um STF vingador, bem a gosto do vulgo, o que serviu para fortalecer mais ainda o campo lulista. Quem nomeou Joaquim Barbosa? Enfim, o povo, como diria Pascal, tem opiniões sempre muito saudáveis…

Quem é o analfabeto?: Segunda-feira, Ancelmo Gois publicou a seguinte nota em sua coluna:

Na verdade, o analfabeto político aqui, com todo respeito, é Ancelmo Gois. O pedreiro demonstrou sabedoria, porque ele intuiu que seria melhor votar pensando em propostas do que influenciado pelo sensacionalismo da mídia em torno do mensalão. Ele entende que política é luta e os adversários de Haddad, nos partidos e na mídia, ainda são piores que os “mensaleiros”. Mas ele não votou em Haddad pensando que o prefeito irá roubar, e sim que a história do mensalão não tinha nada a ver com o pleito municipal. Assim como o eleitor de Serra não deixou de votar nele porque o presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, é réu no processo do mensalão tucano, assim o pedreiro não deixou de votar em Haddad por causa de julgamento do mensalão petista.

Merval e o sonho de Aécio: É impressionante a falta de moderação de Merval Pereira quando ventila a nova utopia dos tucanos da mídia. Uma aliança entre Eduardo Campos e Aécio Neves. Hoje, em sua coluna, Merval volta a sugeri-la:

Uma aliança entre o PSB e o PSDB de Aécio Neves formaria chapa com força nas principais regiões, mas difícil será um dos dois abrir mão da cabeça de chapa.

Uma aliança hipotética no segundo turno é previsível caso Campos decida investir mesmo na carreira solo em 2014. O senador Aécio Neves pretende concorrer mesmo que a presidente Dilma continue com sua popularidade alta como hoje, sem grande abalos econômicos a enfrentar. Estaria semeando uma colheita para quatro anos depois.

Resta saber se o governador Eduardo Campos se resignará a disputar espaço com o PT e o PMDB por mais quatro anos, na esperança vã de vir a ser o candidato da coligação em 2018.

Evidentemente, Campos, que não é bobo, vai cozinhar essa história o máximo possível, porque ela lhe rende louvaminhas na mídia. Provavelmente se deixará fotografar ao lado de Aécio, bebendo cerveja e rindo, e assim cultivará sua imagem junto à esta enorme e influente classe média que lê os grandes jornais.

Nem direi que a aliança entre Campos e Aécio é algo impossível. Eu diria improvável, sobretudo porque seria uma estupidez inominável de Campos deixar um campo político vitorioso e ascendente para aliar-se a outro, derrotado e em declínio. Sem contar que o PSB, mesmo tentando se afirmar como uma esquerda não-petista, mais sofisticada, com uma estética mais classe média, sendo um partido de quadros e, portanto, mais autoritário, coeso e controlável, mesmo assim, o PSB está anos luz do PSDB, com seu programa privatista e conservador, com suas alianças preferenciais com DEM e PPS. Campos vai cozinhar a história, que lhe rende elogios, e lhe dá algum cacife para negociar melhor posicionamento do partido no governo de coalizão, mas seria incompetente se se aliasse a Aécio em 2014. Se o fizesse, aconteceria o seguinte: afundaria junto com os tucanos, porque mesmo que Aécio se aliasse a cinco Eduardo Campos, Dilma continuaria imbatível.

CPI do Cachoeira:  os governistas estão dispostos a prorrogar os trabalhos por mais 45 dias, e a quebrar mais sigilos. A oposição quer prorrogar por mais 180 dias e quebrar mais 500 sigilos. Parece-me que a oposição quer fogos de artifício, e dispersar o foco, que é investigar o núcleo do esquema, e daí deixar o trabalho para a Polícia Federal e o Ministério Público.  A Folha tenta pintar o quadro, como faz desde o início da CPI, como se fossem os governistas que quisessem “melar” a CPI, ou impor uma “pizza”. Ora, não foram os governistas que criaram a CPI? Nunca a manipulação da notícia foi tão doida como no caso da CPI. Uma hora lemos que se trata de uma CPI governista, outra hora que os governistas querem “enterrá-la”. Na verdade, é uma CPI autêntica, realmente explosiva, que pode chamuscar todas as forças políticas, mas que para ser efetiva, tem de ser focada no núcleo do esquema, e não ser convertida numa outra espécie de CPI do fim do mundo.

 

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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