(Caravaggio)
Santo Agostinho, citado por Pascal, dizia que “a razão nunca se submeteria, se não julgasse que há ocasiões em que deve submeter-se”.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal que estão prestes a condenar José Dirceu, pelo jeito, seguem a máxima que Agostinho usou para justificar a submissão da razão à fé cristã. No caso dos ministros, porém, os motivos não me parecem teológicos, mas políticos. Visto que são homens, e todo homem é um animal político, como ensina o mestre, os membros do STF sabem muito bem a quem obedecer.
É ainda Pascal que explica: “o maior filósofo do mundo seria vencido pela imaginação se estiver sobre uma tábua, por mais larga que esta fosse, que se projetasse sobre um abismo”.
O abismo, no caso, é sua imagem na mídia. E aí, se me permitem o pernosticismo de iniciar um texto com tantas citações, lembro uma outra frase de Pascal: Omnis creatura subjecta est vanitati. Toda criatura está escravizada à vaidade.
Se todos nós estamos escravizados à vaidade, porém, o problema decerto não reside exatamente nela, e sim no lugar onde a compramos. Se o fazemos nos grandes mercados da opinião pública, a encontraremos com facilidade e a custo baixo.
Adquirir sua vaidade nas lojinhas raras, onde o vulgo não frequenta, requer uma busca mais trabalhosa, e o desembolso de sentimentos infinitamente maiores.
Em suma, um juiz pode até conseguir tomar decisões independentes da voracidade sanguinária (e saudável, diria Pascal) do povo. Mas quando esta se junta ao interesse de poderosos, ou seja, ao desejo dos grandes grupos de comunicação, com seu poder terrível de causar danos psicológicos a um ser humano comum, essa independência se torna um ato de heroísmo ao qual poucos aderem.
Trata-se, enfim, de amar a verdade, o que, para um juíz corresponde a se apegar exclusivamente aos autos. Afinal, para voltar a Pascal, os que não amam a verdade, tomam como pretexto a multidão dos que a negam. E assim os juízes se tornam reféns da aprovação manipulada dos frequentadores de aeroportos e missivistas de jornal.
Quem não deseja a glória fácil do justiceiro?
De qualquer forma, após a fala de Lewandoswki, ouviu-se um longo silêncio na Casa Grande… A sua defesa dos princípios fundamentais, dos cânones, da presunção da inocência, ecoaram profundamente naquele recinto, brilhando com uma luz que evidenciaria o negror das trevas daquele julgamento de exceção.
Corajoso, Lewandoswki. Afirmou que um juiz deve votar exclusivamente a partir dos autos, das provas, e desmontou a teoria do domínio do fato com argumentos demolidores. As teses jurídicas, assim como as flores, precisam de um ambiente propício para vicejar. A “famosa” teoria do domínio do fato fora criada na Alemanha para justificar a condenação de autoridades por trás dos crimes de soldados comuns. É uma teoria excepcional, usada em situações de guerra ou similares, e o próprio autor dela, e outros, escreveram críticas ao abuso de seu uso em situações de normalidade democrática. A teoria do domínio do fato, explicou Lew, não é uma panacéia, um coringa que se pode usar sempre que não há provas para incriminar o réu.
Quem assistiu ao vivo a fala de Lew e viu depois a maneira gaguejante, envergonhada e tristemente covarde com que Rosa Weber apresentou seu voto, e a arrogância tola com que Luiz Fux justificou o seu, entendeu a diferença entre a coragem e a covardia, entre a honra e a vaidade, entre o apego à justiça e a submissão ao poder da mídia.
Entretanto, a vaidade fácil que satisfaz os medíocres, certamente não os eximirá no tribunal da história. É nos espaços enormes do futuro que são desembaraçadas as mentiras do presente. A frase mais famosa de Pascal deveria lhes causar calafrios:
“O silêncio desses espaços infinitos me apavora”.