(Adriana Varejão)
A baixaria da imprensa chegou ao ápice. Noblat virou escritor de literatura trash. Dizer o quê? Contra Serra, há livros, provas, documentos, processos judiciais. Contra Lula, uma entrevista sem entrevistado, e cujas informações são negadas pelo… entrevistado. É surreal. Mesmo assim, os colunistas todos reproduzem a informação, omitindo o fato principal, que o entrevistado negou. Nas matérias, a negativa do entrevistado é de todas as maneiras escondida. Muita manipulação.
Esse é o contexto para o post de hoje, que trata da importância da oposição.
Eu acho que a oposição, inclusive a de esquerda, vem sendo contaminada pelo udenismo mau caráter da mídia. Isso a debilita, porque troca o discurso político pelo moralista, que tem apelo em setores da classe média, mas gera fraco impacto eleitoral.
Entre os jovens, por exemplo, o udenismo midiático acaba incentivando o radicalismo antipolítica. Se todo político é ladrão, então vamos tentar uma outra política! Uma política sem partidos, sem sindicatos, sem política!
Junto aos setores populares, o udenismo não repercute muito, porque é um eleitorado mais cético. É divertido acompanhar o raciocínio do povo. Criativo, às vezes excêntrico, ele na maioria das vezes obedece a uma lógica cristalina. O que não significa votar na esquerda. O povo vota na esquerda quando sua intuição, que é a forma mais sofisticada de inteligência, porque consegue captar o universal, quando sua intuição lhe diz que é a opção mais segura. A questão da segurança é confundida erroneamente com conservadorismo. Não é. É prudência de um segmento que sabe medir os riscos de uma aventura. O povo não é covarde. Quando a sua intuição lhe diz que é chegado o momento de uma revolução, o povo segue à frente de todos. Todos os grandes processos revolucionários da história, desde a ascenção da plebe romana, passando pela revolução francesa, até as derrubadas dos ditadores árabes, mostram o grau de incrível coragem e ousadia do povo quando ele sente que é chegado o momento. Mas é o povo também que sustenta as lideranças populares, mesmo com todos seus problemas, como Júlio César, Napoleão, Getúlio e Lula.
Não queiram todavia que o povo abrace aventuras juvenis. Não queiram tocar o povo como rebanho.
É fundamental que tenhamos uma oposição no Brasil. Ou melhor, duas oposições, uma à esquerda, outra à direita. E eu creio que elas já existem, e sempre existirão. Podem estar enfraquecidas, mas estão vivas.
O curioso é quando elas se juntam num só bloco, mesmo sem disso terem muita consciência. É o que acontece no Rio, por exemplo. Freixo, o candidato do PSOL, reúne um eleitorado de esquerda, ideológico, mas este público é limitado. O que vem lhe dando massa é o eleitorado de oposição conservadora, influenciado pelo udenismo. O Rio também possui um antipetismo muito forte, só que mais difuso e intuitivo do que o de São Paulo.
É natural, porém, que haja antipetismo, no Rio e no Brasil inteiro. O partido está no poder e a lógica da democracia gera desgaste ao PT, obrigando o partido ou a se renovar constantemente ou a passar o bastão para outro.
Por isso acho excelente o crescimento de outras legendas de esquerda, como PSB, PDT e PCdoB, o que permite oxigenar um pouco o cenário nacional, e reduzir o desgaste do próprio PT. O PT precisa ter a sabedoria de entender o momento de recuar e abrir espaço para seus aliados, com vistas à sua própria manutenção do poder. Lula vê isso, Rui Falcão, acho que não.
No Rio, é ótimo que se desenvolva uma oposição aos governos de Paes e Cabral. Há muito fisiologismo, corrupção e conservadorismo no PMDB fluminense. A candidatura de Freixo, ao dar um susto em Paes, obrigou-o a fazer alguns movimentos à esquerda, como aliás já acontecera em 2008. Como cresceu muito sua rejeição na zona sul, o prefeito concentra suas atividades nas áreas populares, onde tem bons índices de aprovação.
Quando um político é inteligente, ele sabe usar a oposição a seu favor. A importância da oposição é trazer racionalidade e dialética ao jogo eleitoral. Quem está ao lado de quem?
No entanto, a política pressupõe situações complexas e contraditórias. Paes, por exemplo, tem apoio dos grandes empresários da cidade, por razões óbvias: é um prefeito com excelente articulação política com o governador e com a presidente, e tem um grandioso plano de obras. Mas tem igualmente o apoio dos mais pobres, inclusive por razões parecidas, pois se beneficiam das grandes obras e da parceria entre as esferas de poder.
Freixo tem apoio da classe média zona sul, de um lado, aí incluindo desde os jovens ideológicos de esquerda até seus espectros mais conservadores. O conservador ideológico não vota em Freixo, mas o conservador udenista, sim.
O espaço para crescer, no entanto, está nesse último. Freixo vai mal entre as pessoas mais idosas. Para lhes conquistar os votos, terá que conter cada vez mais o discurso ideológico e apostar no udenismo. De certa maneira, é o que já vem fazendo, ao insistir em termos como “escândalo” e falando repetidamente nas milícias.
Não se ouve Freixo falando em socialismo, apesar de pertencer a um partido bastante radical neste sentido. Não pode abordar este assunto abertamente. O curioso é ver que inclusive seus cabos eleitorais acabam enveredando principalmente pela trilha udenista, do denuncismo. A acusação de que o prefeito é aliado às milícias, e o uso de epítetos como “ditador miliciano”, por exemplo, tem sido frequentes, embora não haja provas nenhuma disso. O prefeito se reuniu com gente acusada de ser miliciano, mas Freixo trouxe um sujeito com ligações com a milícia para dentro de sua chapa. E aí?
O maior desafio da oposição, a meu ver, é fugir da via fácil do udenismo midiático e mostrar serviço, de um lado, e trabalhar articulações com os movimentos sociais, sindicatos, de outro. O PSOL vem, de certa forma, fazendo um bom trabalho de base. Falta agora ganhar o poder em algumas cidades, experimentar as dores do poder e ter o que mostrar de concreto à sociedade. Desejo sorte ao PSOL neste sentido, só não acho que o Rio seja a cidade ideal como primeira cobaia.
Daqui a alguns anos, depurando esse udenismo inicial, que também era característica do PT em seus primórdios (Brizola dizia que o PT era a UDN de macacão), o PSOL poderá se tornar uma legenda mais consequente, angariando apoio de outros partidos em eleições de forma a montar governos minimamente estáveis.
As oposições terão de ganhar eleições em algumas cidades, enfrentar os dilemas do poder, e ter o que mostrar ao Brasil. Vivemos tempos de transparência, com a internet, onde os feitos, ou malfeitos, dos administradores são conhecidos de todos quase imediatamente à sua divulgação.
O que acho terrivelmente equivocado é estender o ataque udenista que se faz a um candidato a seus eleitores. É não apenas chamar Paes de “ditador miliciano” e corrupto como dizer que seus eleitores apóiam a milícia e são corruptos. Isso é preconceito político. Essa estratégia levou o DEM a sumir do mapa, porque o eleitor brasileiro, em geral, não suporta esse tipo de desrespeito.